*É um Lusófono com L grande? Então adira ao MIL: vamos criar a Comunidade Lusófona!*

MIL: Movimento Internacional Lusófono | Nova Águia


Apoiado por muitas das mais relevantes personalidades da nossa sociedade civil, o MIL é um movimento cultural e cívico registado notarialmente no dia quinze de Outubro de 2010, que conta já com mais de uma centena de milhares de adesões de todos os países e regiões do espaço lusófono. Entre os nossos órgãos, eleitos em Assembleia Geral, inclui-se um Conselho Consultivo, constituído por mais de meia centena de pessoas, representando todo o espaço da lusofonia. Defendemos o reforço dos laços entre os países e regiões do espaço lusófono – a todos os níveis: cultural, social, económico e político –, assim procurando cumprir o sonho de Agostinho da Silva: a criação de uma verdadeira comunidade lusófona, numa base de liberdade e fraternidade.
SEDE: Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa)
NIB: 0036 0283 99100034521 85; NIF: 509 580 432
Caso pretenda aderir ao MIL, envie-nos um e-mail: adesao@movimentolusofono.org (indicar nome e área de residência). Para outros assuntos: info@movimentolusofono.org. Contacto por telefone: 967044286.

NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI

Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra).

Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa).

Desde 2008"a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".

Colecção Nova Águia: https://www.zefiro.pt/category/zefiro-nova-aguia

Outras obras promovidas pelo MIL: https://millivros.webnode.com/

"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

Nenhuma direita se salvará se não for de esquerda no social e no económico; o mesmo para a esquerda, se não for de direita no histórico e no metafísico (in Caderno Três, inédito)

A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo (in Cortina 1, inédito)

Agostinho da Silva
Mostrar mensagens com a etiqueta * Nuno Sotto Mayor Ferrão. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta * Nuno Sotto Mayor Ferrão. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

1º Encontro de Literatura Infanto-Juvenil da Lusofonia na Fundação "O Século"

De 2 a 7 de fevereiro de 2015 decorre na Fundação "O Século", em S. Pedro do Estoril, o 1º Encontro de Literatura Infanto-Juvenil  da Lusofonia. Este evento conta com escritores de Portugal, do Brasil, de Cabo Verde, de Angola e de Moçambique. Integram a Comissão de Honra personalidades consagradas como Sampaio da Nóvoa, Fernando Pinto do Amaral, Pepetela, Mia Couto, António Torrado e Ana Maria Machado. Haverá momentos de reflexão, de partilha e de interação entre estes escritores e algumas escolas da região metropolitana de Lisboa. 

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Ruy Coelho (1889-1986), um compositor português injustamente esquecido?

Ruy Coelho, um polivalente compositor, maestro, pianista e crítico musical, agora redescoberto pelo investigador Edward Luiz Ayres de Abreu, foi votado ao esquecimento pela sociedade portuguesa, na segunda metade do século XX, devido, provavelmente, às inúmeras polémicas em que se envolveu com músicos portugueses eruditos e, talvez, também à colaboração que manteve com o Estado Novo. A prova disso está no facto de José Saramago, durante o PREC, o ter saneado de crítico musical do Diário de Notícias. 
 
No entanto, outros factores complementares explicam, também, esse esquecimento (nas palavras deste investigador): a falta de um agente artístico que tenha promovido, na segunda metade do século XX, a sua obra e a inexistência de partituras editadas que facilitassem a interpretação musical.
 
Deste modo, apesar do seu colaboracionismo com o regime de Salazar, a sua obra revelou uma excepcional riqueza estética na diversidade de géneros e de influências estilísticas que cultivou.
 
O seu espólio histórico foi doado pela família à Biblioteca Nacional de Portugal a 18 de maio de 2011, tendo agora sido redescoberto e apresentado ao público com uma pequena exposição dos seus pertences e com a realização de concertos nesta Biblioteca, sendo duas das suas obras tocadas pela Orquestra Metropolitana de Lisboa nos dias 18 e 25 de Julho de 2014.
 
A formação musical começou na terra natal, na Banda Filarmónica de Alcácer do Sal. Continuou depois no Conservatório de Lisboa de 1904 a 1909 e terminou no estrangeiro sob a influência de Engelbert Humperdinck, Max Bruch, Arnold Schoenberg e Paul Vidal. Esta rica formação irá traduzir-se na polivalência das suas obras musicais e nas múltiplas influências estilísticas assimiladas.
 
A imensa versatilidade cultural fê-lo aproximar-se de compositores como Igor Stravinsky ou Manuel de Falla, e tanto de técnicas mais modernistas como a atonalidade ou mais tradicionalistas como os princípios neoclássicos de composição.
 
No regresso a Portugal, aproxima-se, inicialmente, dos artistas e dos escritores da geração da revista Orpheu, em particular colaborando com José de Almada Negreiros e José Pacheco em diversos bailados. O conhecimento das orientações programáticas e cívicas do movimento Renascença Portuguesa através de autores como Afonso Lopes Vieira ou António Correia de Oliveira incutiu-lhe um espírito patriótico que tentou impregnar em muitas das suas composições.
 
As suas obras musicais abarcam diversos géneros como as óperas, as sinfonias, as músicas para bailados e filmes (Alla-Arriba! e Camões,de 1942 e 1946, realizados por Leitão de Barros), concertos para piano e música de câmara. As composições de timbre patriótico refloresceram com a utilização de elementos ligados ao folclore, com as evocações historicistas e com as óperas cantadas em português, das quais se tornou um indefectível defensor. Foi, inclusivamente, o autor do hino da cidade de Lisboa.
 
É errado pensar-se que a sua obra traduz o ideário do Estado Novo. Colaborou com este regime autoritário como é evidente, tal como tinha colaborado, anteriormente, com o regime da 1ª República. Por exemplo, em 1913, apresentou no Teatro S. Carlos a Sinfonia Camoneana nº 1 (inspirada na obra de Gustav Mahler) com uma grandiosa orquestra de 500 músicos, tendo sido esta peça precedida por uma Conferência de Teófilo de Braga e, ainda, no mesmo ano apresentou a sua ópera Serão da Infanta com libreto deste prestigiado republicano. No mesmo espírito pragmático, irá compor uma ópera D. João IV para as Comemorações Centenárias da Independência de Portugal, em 1940, para o Salazarismo.
 
A forte personalidade enredou-o em múltiplas polémicas com músicos e eruditos portugueses, que prejudicaram a sua afirmação nacional, designadamente com compositores como Luís de Freitas Branco, José Vianna da Mota, Júlio Neuparth, Fernando Lopes-Graça, colaboradores da Seara Nova, entre outras figuras prestigiadas da cultura portuguesa. Algumas dessas controvérsias incidiram sobre as obras alheias ou a organização do teatro lírico nacional. Ajudando-o nesta campanha por uma ópera nacional, cantada em português, esteve o tenor alentejano Tomás Alcaide. Contudo, o excesso de acrimónia crítica em relação aos seus conterrâneos influenciou a forma preconceituosa como foi ajuizada, na época, a sua obra.    
 
Ruy Coelho fez apresentações das suas composições durante a 1ª República e o Estado Novo no país. Todavia, o excesso de colaboracionismo político e a veia polemista impediram que fosse reconhecido pela sociedade portuguesa, pois o seu inegável mérito artístico é, claramente, independente da sua colaboração com estes dois regimes políticos. Revelou qualidades ecléticas ao experimentar diversos géneros e estilos musicais, mais ou menos vanguardistas, mas ressalvando neles um elevado padrão estético. Apesar de ter feito apresentações da sua obra por várias regiões do país, sobretudo no centro e sul de Portugal continental e na Madeira, foi mais reconhecido como um original compositor em vários países europeus e sul-americanos.
 
Em suma, a rica obra musical de Ruy Coelho encontra-se injustamente esquecida pois continua inédita, na sua grande maioria, em termos de partituras, de discografia e de exibição em concertos actuais. Daí o papel relevante que estão a assumir as investigações de Edward Luiz Ayres d’ Abreu e as divulgações da Biblioteca Nacional de Portugal e da Orquestra Metropolitana de Lisboa ao proporcionarem, ao público português, a redescoberta das suas valorosas composições.
 
Nuno Sotto Mayor Ferrão
Publicado originalmente no blogue Crónicas do Professor Ferrão

domingo, 10 de novembro de 2013

Prémio de Literatura da Fundação António Quadros 2013 a atribuir a Teolinda Gersão (16/11/2013) - recensão do romance "A Cidade de Ulisses"

“(…) Situada no Extremo Ocidente, entalada entre o mar e a Espanha, tão amiga quanto inimiga, Lisboa procurou no mar uma saída. E partiu. O verbo partir fazia parte de nós, era o lado do desejo, da insatisfação, da ânsia do que não se tinha. (…)”.
Teolinda Gersão, A Cidade de Ulisses, Lisboa, Sextante Editora, 2011, p. 47.


A escritora Teolinda Gersão tem marcado o panorama literário português nos últimos 30 anos (1981-2013), deixando a sua marca indelével com uma escrita leve e imaginativa. Foi professora universitária, em Lisboa, na Faculdade de Letras e depois na Universidade Nova, tendo leccionado, nos últimos anos do século XX como professora catedrática a cadeira de Literatura Alemã e Literatura Comparada, até 1995.

Estudou alguns anos na Alemanha e viveu, também, no Brasil. Recebeu vários Prémios Literários (Prémio de Ficção do Pen Club -1981 e 1989, Grande Prémio de Romance e Novela – 1995, Prémio da Crítica da Association Internacionale des Critiques Litteráires - 1996, Prémio Fernando Namora – 1999, Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco – 2002), que a catapultaram para uma escrita cada vez mais exigente, mas longe do estrelato mediático. A sua obra está consagrada em Portugal e no estrangeiro, contando já com obras traduzidas para onze línguas e constando em inúmeros dicionários e enciclopédias internacionais.

A escrita de Teolinda Gersão evidencia alguma similitude literária com a escrita de José Saramago ao nível do tom coloquial, que transparece em frases populares e provérbios que utiliza nas suas narrativas, aproximando o escritor do leitor. O romance “A Cidade de Ulisses”[1]é uma história de amor, entre dois artistas plásticos, Paulo Vaz e Cecília, que se entrecruza com uma visão de alguns episódios da História, de Portugal e de Lisboa, e com a valorização das artes plásticas.

Esta narrativa ficcionada é, antes de mais, uma homenagem à cidade antigamente titulada de “Olissipo”, como os romanos lhe chamavam. Este livro é devedor de uma vasta pesquisa histórica e literária, centrada em Lisboa, e recebeu como inspiração algumas obras do artista José Barrias. A escritora aborda algumas das problemáticas de que se compõem as relações humanas (o amor, a liberdade, a identidade, a opressão, a criatividade, etc) no contexto das ligações deste casal.

Na história que nos conta, da cidade de Lisboa, começa pela lenda de Ulisses, continua numa caminhada cronológica até aos nossos dias exaltando, no fim, o valor do fado como um elemento cultural identitário da afirmação da nação portuguesa. Apesar destas infindas riquezas, imanentes a este romance, sobressai a sua crítica da presente situação do país. Assim, evoca a tese clássica do historiador e grande humanista Jaime Cortesão de que Portugal sempre praticou uma “política de transportes” e revelou uma contumaz incapacidade de praticar uma verdadeira “política de investimentos”. Por esta razão, o narrador diz-nos que os erros cometidos têm sido recorrentes, porque, mesmo, nos períodos prósperos dos Descobrimentos marítimos e da época áurea do Brasil, dos séculos XVII-XVIII, as elites dirigentes portuguesas se revelaram de vistas curtas e se tornaram perdulárias[2].

Traça, também, o paralelismo entre a intervenção do FMI dos anos 80 com a actual intervenção da “troika”, mas critica o facto destas entidades externas não actuarem para resolver problemas estruturais, mas tão-só acudir a urgências financeiras conjunturais[3]. É, pois, um livro de múltiplas leituras (literária, histórica, artística, política, etc) que se conjugam como pano de fundo da história de amor entre os dois protagonistas.

É uma história de amor bem edificante, porque tem um final feliz (a Exposição póstuma em homenagem a Cecília e o novo amor entre Paulo Vaz e Sara) e apresenta-nos o fado como a feliz simbiose entre a vida popular e a poesia de uma nação consumada em diversas mestiçagens socioculturais[4]. Esperamos que este optimismo de Teolinda Gersão se traduza na justa consagração do fado como Património Imaterial da Humanidade, a anunciar em breve pela UNESCO.

É, com efeito, um livro de uma pertinente intervenção social que examina os vícios cometidos pelas elites históricas portuguesas e pelas actuais elites financeiras internacionais da Globalização, revisitando uma maravilhosa Lisboa antiga e moderna. As ideias de corrupção e de incompetência fluem, no curso do livro, como a encarnação da irresponsabilidade dos governantes incapazes de sanar as dificuldades estruturais da sociedade portuguesa.

Contudo, apesar deste teor de soturnidade, que paira no romance de Teolinda Gersão, há uma mensagem subjacente à narrativa que é a de imensa confiança nas criatividades, artística, humana e técnica, para resolver os problemas actuais da sociedade portuguesa, da Europa e das pessoas como seres humanos, não obstante as intrincadas malhas das crises que perpassam o mundo e Portugal, neste início do século XXI. Fica, pois, uma mensagem de esperança nesta tempestuosa Era de incertezas que atravessamos, em que necessitamos de um porto de abrigo rumo à descoberta de um Novo Mundo, que sempre se assumiu como a nossa missão existencial como povo. É um excelente livro que vos recomendo, vivamente, como leitura de férias.

Nuno Sotto Mayor Ferrão


[1] Teolinda Gersão, A Cidade de Ulisses, Lisboa, Sextante Editora, 2011.
[2] Ibidem, p. 49.
[3] Aliás, o fiscalista Henrique Medina Carreira também nos salienta o mesmo no seu mais recente livro, a propósito da crise da dívida soberana portuguesa, ao afirmar que a União Europeia não esboçou ainda uma estratégia de comum para enfrentar as dificuldades de dinamismo económico que afecta todos os Estados-Membros no início do século XXI: Henrique de Medina Carreira, O fim da ilusão, Carnaxide, Editora Objectiva, 2011, p. 38.
[4] Teolinda Gersão, op. cit., pp. 198-200.

Publicado originalmente no blogue Crónicas do Professor Nuno Sotto Mayor Ferrão

domingo, 1 de setembro de 2013

A função social dos intelectuais na atualidade – abordando a tese ideológica de Vasco Graça Moura

“(…) O discurso que confunde globalização com a extinção das diversidades humanas e culturais, é um método injusto e frustrado de tentar colonizar os espíritos em detrimento da necessária solidariedade plural. (…) de acordo com a tese de Herbert Marcuse, houve uma instrumentalização do saber e da técnica, o que levou Jurgen Habermas a publicar o útil ensaio sobre Técnica e Ciência como Ideologia (1968). (…) tenho concluído que o Norte do Globo, que se definiu como afluente, consumista, e até unidimensional, derivou para um credo de mercado, hierarquizou os saberes em termos de encontrar para essa economia um paradigma de legitimação, limitou profundamente o papel, que fora dominante, das faculdades de humanidades, colocou o preço das coisas no valor das coisas, e desenvolveu, ao lado da ameaça das armas de destruição maciça, a ameaça igual entre sociedades ricas e sociedades pobres. (…)”


Adriano Moreira, “Discurso de Doutoramento Honoris Causa na Universidade do Mindelo – Cabo Verde”, in Nova Águia, nº 9, Sintra, Editora Zéfiro, 2012, pp. 216, 217 e 218.

“(…) Os intelectuais, no sentido elitista que a expressão teve em França e no século XX, estão em vias de extinção. (…) Há uma interacção entre a ideologia política, a tecnocracia, a formação crítica e o imediatismo impaciente que distorce a função intelectual. (…) A crise das elites não é um fenómeno português. Generalizou-se pela excessiva especialização das formações universitárias, pela empresarialização obsessiva da instituição universitária, pelo postergamento das humanidades e da cultura geral no sentido nobre do termo. Deixou de haver elites no sentido humanístico e cívico para haver especialistas que só vêm o seu próprio quintal e nem sempre…Portugal, se não tiver cuidado, para lá caminha. (…)”

“Vasco Graça Moura ‘Os intelectuais estão em vias de extinção – entrevista de Margarida Bon de Sousa a Vasco Graça Moura”, (jornal), 17 de agosto de 2013, p. 25

O intelectual é, por definição, “a pessoa que cultiva preferencialmente as coisas do espírito, do entendimento”[1] que valoriza o espírito crítico na construção de um conhecimento global. Como alguns exemplos de intelectuais, de grande relevo, da atualidade refiro Adriano Moreira, Edgar Morin, Eduardo Lourenço, José Mattoso, José Gil, Boaventura Sousa Santos, Noam Chomsky, Manuel Clemente, António Lobo Antunes, Jurgen Habermas, etc, além de uma nova geração de discípulos influenciada por estes mestres do pensamento sistémico.  

O episódio histórico de Alfred Dreyfus, na viragem do século XIX para o XX, foi um escândalo que agitou a sociedade francesa devido à errada condenação pelo sistema judicial deste militar que, sendo inocente, foi considerado traidor por espionagem internacional. Os eminentes escritores Émile Zola e Anatole France, secundados por diversos outros intelectuais, defenderam a inocência deste militar e assumiram a missão de desmascarar o preconceito racial existente contra os judeus e a verdade dos factos. Portanto, os intelectuais têm esta missão de intervenção social em defesa de ideais e de valores julgados sacrossantos face aos princípios universais dos Direitos Humanos.

A ideologia neoliberal, do fim século XX e início do século XXI, imposta pelos poderes estabelecidos pelo sistema da Globalização Financeira, que esquece o Desenvolvimento Integral do Homem e o Desenvolvimento Sustentável do planeta está a tentar “colonizar” a mentalidade dos cidadãos das democracias enfraquecidas neste contexto mundial, na sábia conceptualização de Adriano Moreira.

A crise das Humanidades[2], pela desvalorização estabelecida pelo pragmatismo reinante, que deu azo à excessiva valorização das Ciências Exactas, em infeliz detrimento das Ciências Humanas dada a inviabilidade da sua imediata aplicabilidade prática, originou um sistema tecnocrático que tem irradiado uma crescente desumanidade pela reconhecida incompreensão da complexidade das problemáticas humanas.

Por conseguinte, tudo o que não esteja articulado com a aplicabilidade imediata e com o valor de mercado perde um referencial de importância estratégica e, consequentemente, os currículos educativos dos sistemas de ensino fazem perder peso a essas disciplinas consideradas pouco úteis para o funcionamento material e prático das sociedades contemporâneas.

Este caminho encetado pelo pragmatismo niilista, esvaziando os significados simbólicos inerentes ao espírito humano, tem potenciado através dos meandros da financeirização da economia uma crescente subjugação dos cidadãos e das democracias aos preponderantes interesses financeiros.  

Nestas sociedades contemporâneas, exponencialmente tecnocráticas em que a inteligência técnica é sobrevalorizada em relação à inteligência humanística, os intelectuais constituem, ainda assim, o autêntico baluarte dos valores e dos ideais humanísticos que é necessário preservar para garantir níveis de bem-estar que compaginem o desenvolvimento material e espiritual.

Com efeito, a sensibilidade associada ao entendimento dota os intelectuais de uma percepção mais apurada dos valores profundos dos seres humanos (a verdade, a justiça, a paz, o amor, a beleza, etc) e dos ideais que elevam o Homem acima da brutalidade da Natureza. Mais do que nunca, a função social dos intelectuais assume-se como imprescindível ao equilíbrio Ecológico e Ético do futuro da Humanidade numa Era em que os valores são menosprezados pelos verdadeiros detentores dos poderes económico-financeiros.

A tese ideológica de Vasco Graça Moura de que “os intelectuais estão em vias de extinção”, apresentada em entrevista ao jornal i em agosto de 2013[3], é resultante do seu desencanto com a importância que os intelectuais têm no mundo atual e com a sua própria opção ideológica favorável à minimização do Estado no plano Cultural.

Manuela Canavilhas, por exemplo, no jornal das 9, do dia 29 de agosto de 2013, da SIC Notícias considerou, em antítese, que o Estado no caso da Exposição da artista Joana Vasconcelos deveria ter assumido este projecto estratégico de investir para colher os previsíveis lucros, dado o êxito internacional da artista no Palácio de Versalhes. Por oposição, Vasco Graça Moura assumiu uma posição de resignação perante a realidade incontornável de aceitação incondicional dos critérios dos mercados e menorizou no seu pensamento, concomitantemente, o papel das redes sociais e dos opinion makersnos meios de comunicação social. Revelou, assim, um completo desencanto e resignação como intelectual perante a ideologia dominante e, deste modo, limitou o seu próprio poder de intervenção social como membro da intelectualidade europeia.

Em síntese, é imperioso lutar contra a rendição das elites intelectuais ao poder tecnocrático, sob o risco da inexistência de visões amplas da vida humana nas sociedades pseudodesenvolvidas aprofundar a desumanidade das instituições e das estruturas internacionais. Por esta razão, constitui um imperativo Ético a intervenção social dos intelectuais na presente conjuntura, desta Globalização desregulada, que nos submerge numa exasperante apatia cívica.


[1] “Intelectual”, in Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa, Editora Verbo, 2001, p. 2129.
[2] Adriano Moreira, “Discurso de Doutoramento Honoris Causa na Universidade do Mindelo – Cabo Verde”, in Nova Águia, nº 9, Sintra, Editora Zéfiro, 2012, pp. 215-218.
[3] “Vasco Graça Moura ‘Os intelectuais estão em vias de extinção – entrevista de Margarida Bon de Sousa a Vasco Graça Moura”, i(jornal), 17 de agosto de 2013, p. 25.

Nuno Sotto Mayor Ferrão

Publicado originalmente, com documentos complementares, no blogue Crónicas do Professor Ferrão

quarta-feira, 26 de junho de 2013

A Águia (revista 1910-1932) como fonte de inspiração da Nova Águia (revista 2008-2013) – nº 11, 1º semestre de 2013

A revista A Águia foi uma importante revista cultural do início do século XX, em Portugal, que congregou muitas figuras de destaque das Humanidades, das Artes e das Ciências com distintas mundividências que veicularam visões plurais. Sobressaíram na História Cultural Portuguesa, no conjunto dos seus inúmeros colaboradores, intelectuais como Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão, Raul Proença, Hernâni Cidade, Afonso Lopes Vieira, Fernando Pessoa, António Sérgio, etc. A revista nos seus 22 anos de vida comportou temas literários, artísticos, filosóficos e de crítica cívica, que tanto inspirou os fundadores da Nova Águia.

A Águia alicerçou-se numa matriz nacionalista e neorromântica, no combate sem tréguas contra a tese da decadência nacional<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--> que pairava na mentalidade da sociedade portuguesa desde o fim do século XIX. Com efeito, aos mentores da revista, em pleno contexto de instauração do novo regime Republicano, moveu-os o espírito de promoção da autoestima nacional que os mobilizou contra a tese de declínio da nação portuguesa deixada pairar pelo poeta Antero de Quental desde as Conferências do Casino de 1871 e contra a mentalidade positivista de Auguste Comte que contaminava a intelectualidade europeia<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]-->.

A revista Nova Águia, tendo por base esta magistral fonte espiritual de inspiração, pretende ser uma homenagem às várias gerações de personalidades que souberam dar corpo à revista A Águia. Os pontos de partida dos diversos números têm sido núcleos temáticos e no número 11 um dos seus elementos aglutinadores é “O Mar e a Lusofonia” partindo da emblemática frase do escritor Virgílio Ferreira “Da minha língua vê-se o mar”. Esta revista privilegia artigos ensaísticos literários, filosóficos, históricos e científicos de uma pluralidade de colaboradores, de onde se destacam pessoas como Adriano Moreira, Miguel Real, Pinharanda Gomes, Manuel Gandra, António Cândido Franco, António Braz Teixeira, José Eduardo Franco, João Bigotte Chorão, etc.

Os diversos números da revista, de que este é já o número 11, repartem-se por várias secções, designadamente pela temática central, por evocações de obras ou de vidas de homens de espírito, ensaios variados, críticas literárias e poemas, muitos deles, de jovens autores de grande valia estética. Cumpre-se, assim, um projeto ideológico Humanista que pretende revalorizar as tradições culturais portuguesas, para revigorar o espírito do país numa conjuntura de desânimo coletivo, com um sentido eclético que se desenha nas novas pontes que se pretendem construir para um futuro coletivo mais auspicioso que contemple o sentimento Lusófono que pulsa na nossa Alma. Deste modo, surgiu como um imperativo Ético combater o dogmatismo da cultura tecnocrática que tem aniquilado a liberdade de opinião, de expressão e de ação que constituem elementos fundamentais de um ambiente democrático.

Já foram temas centrais dos diversos números da Nova Águia desde 2008<!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]-->: António Veira e o futuro da Lusofonia; O legado de Agostinho da Silva, 15 anos após a sua morte; Pascoaes, Portugal e a Europa: 20 anos após a queda do Muro de Berlim; Os 100 anos da A Águia e a situação cultural de hoje; A república, 100 anos depois; Fernando Pessoa: “Minha pátria é a Língua Portuguesa” (nos 15 anos da CPLP); O Pensamento da Cultura de Língua Portuguesa: nos 30 anos da morte de Álvaro Ribeiro; Nos 100 anos da Renascença Portuguesa: como será Portugal daqui a 100 anos?; Leonardo Coimbra, Dalila Pereira da Costa, Manuel Laranjeira e João de Deus: Razão e Espiritualidade; e “Da minha língua vê-se o mar”: o Mar e a Lusofonia.

Em suma, o objetivo supremo da Nova Águia é alimentar o ego nacional de uma forma realista baseada numa rica tradição Humanista, escorados os colaboradores na inspiração criadora da revista mãe que lhe deu ânimo para que pudesse voar, mas plenamente convictos da importância para o nosso futuro comum do projeto e do sentimento de identidade Lusófona no seio de uma Humanidade a necessitar urgentemente de se transfigurar Eticamente.

Nuno Sotto Mayor Ferrão
Publicado originalmente, com documentos complementares, no blogue Crónicas do Professor Ferrão
<!--[if !supportFootnotes]-->

<!--[endif]-->
<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--> Hoje, em plena segunda década do século XXI, esta tese da decadência nacional está tão em voga devido a critérios de pura econometria financeira como estava no início da 1ª República.  
<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--> Vide Nuno Sotto Mayor Ferrão, “Leonardo Coimbra, a Revista A Águia e o panorama cultural contemorâneo”, Sintra, Edições Zéfiro, 1º semestre de 2010, pp. 34-36.
<!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--> Uma vez que a Nova Águia é uma revista cultural com uma periodicidade semestral.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A Doutrina Social da Igreja no contexto dos paradoxos da Globalização atual



A Doutrina Social da Igreja é o conjunto de princípios que a Igreja Católica preconiza para uma vida saudável das sociedades contemporâneas que se baseie na fé revelada e na racionalidade fundamentada no conhecimento da autêntica Natureza Humana. Os valores desta Doutrina são fundamentais neste contexto da Globalização desregulada, que tem favorecido as desigualdades sociais como nos reconhecem os relatórios anuais do PNUD das Nações Unidas. O Papa Bento XVI, na sua Encíclica escrita em 2009, fez uma análise da situação internacional à luz das causas sistemáticas dos vícios da Globalização e dos valores inscritos na matriz da Doutrina Social da Igreja sustentando a necessidade de uma novo paradigma de Ética Pública que reconfigure as instituições que se deixaram endeusar pelos critérios dos mercados e dos lucros.

No decurso da História Contemporânea, de 1891 a 2009, foram numerosas as Encíclicas e os documentos pontifícios que foram dando corpo à Doutrina Social da Igreja ao indicarem os princípios e os valores perenes da Humanidade (a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a paz, a justiça, a verdade, a caridade, etc.). Estes ensinamentos foram instilados, desde o Concílio Vaticano II, nos leigos para que possam insuflar as realidades temporais (o mundo profano) de valores perenes. A Doutrina Social da Igreja tem sido bastante crítica em momentos de crise Civilizacional (na questão operária no fim do século XIX, na atrocidade Nazi em pleno século XX e nas injustiças provenientes da presente Globalização). Com a crescente complexidade dos fenómenos contemporâneos, a par do vertiginoso ritmo das mudanças sociais e tecnológicas, importa saber que a Doutrina Social da Igreja defende que os Estados Nacionais e Supranacionais devem salvaguardar a justiça social nos recursos disponíveis do Bem Comum.

Historicamente foi a teoria de Karl Marx do século XIX, da previsível luta de classes entre operários e patrões, a par da concomitante proliferação de massas operárias indigentes nas sociedades do Ocidente, que obrigou a Igreja Católica a reagir às evidentes alterações das estruturas sociais e económicas, com a Encíclica Rerum Novarum do papa Leão XIII que inaugurou o legado da Doutrina Social da Igreja, clamando pela necessidade de se criarem condições para a prática da justiça social. Mais tarde, também o Papa Pio XI se preocupou com esta problemática repudiando as ideologias totalitárias, designadamente o Nazismo. Importa, no entanto, lembrar que nos nossos dias se vive sob uma nova ideologia totalitária imposta pela ditadura dos mercados.     

 Convém, ainda, compreender as principais consequências práticas da Doutrina Social da Igreja instauradas sob o impulso do Concílio Vaticano II. Além das decisões já conhecidas, importa, em primeiro lugar, salientar a aproximação entre a Igreja Católica e as outras comunidades cristãs. Em segundo lugar, a abertura desta instituição às sociedades contemporâneas traduziu-se nas diversas Encíclicas papais de intervenção cívica a favor dos Direitos Humanos, da proteção dos grupos mais desfavorecidos e das reflexões críticas sobre as situações internacionais. Na verdade, os Papas João Paulo II e Bento XVI frisaram o papel renovador do Concílio Vaticano II na Igreja Católica, não obstante a revolução juvenil de maio de 1968 tenha atenuado, aparentemente, a importância das mudanças sociais encetadas pela Igreja Católica.

De facto, João Paulo II foi um peregrino de espírito ecuménico na senda do Concílio Vaticano II, enquanto o Papa Bento XVI tem sido um intérprete atento dos tempos atuais, dando inteligibilidade aos fenómenos da política nas relações da comunidade internacional, sendo exemplo disso a encíclica Caridade na Verdade[1]. Em terceiro lugar, as decisões conciliares, vertidas nos diversos documentos oficiais, acabaram por ter reflexos jurídicos que se encontram já consignadas no Código de Direito Canónico.

De facto, a Doutrina Social da Igreja, em particular com a Encíclica Caridade na Verdade do Papa Bento XVI, tem criticado a Globalização desregulada que criou uma série de constrangimentos à justiça social devido ao endeusamento dos mercados e do lucro fácil. Por esta razão, Bento XVI pugna por um novo paradigma das relações internacionais que se baseie em valores e princípios sãos. A Doutrina Social da Igreja assente em valores perenes (a dignidade humana, a participação cívica, a proteção social dos mais desfavorecidos, a verdade, a liberdade, a justiça e a paz), tantas vezes esquecida, faz falta nestes tempos de negligência das questões Éticas. A História da Humanidade está presentemente dirigida por um destino comum de problemas e soluções que carecem de estratégias globais que arrede, para o segundo plano das relações sociais, os individualismos e os egoísmos nacionais. Assim, a linguagem do Amor, marca fundamental dos ensinamentos de Jesus Cristo, constitui a argamassa essencial das relações sociais harmoniosas para se ultrapassarem as tensões entre grupos sociais. Na verdade, a desumanidade das sociedades atuais decorre das relações humanas se basearem erroneamente no critério primordial da eficácia, porquanto a sensatez cristã manda que se baseiem fundamentalmente no valor da dignidade da pessoa humana.

Em suma, esta dinâmica histórica decorre da crise de valores que se acentuou com a sacralização ideológica do ultraliberalismo que tem feito esmorecer a vida Moral e Espiritual da Humanidade. Os Estados devem ser os garantes do Bem Comum, pois a socialização atual, em particular, através da ideologia neoliberal pode incitar à temível despersonalização do Homem. Este é um paradoxo crucial do contexto desta Globalização desregulada e a leitura atenta da Doutrina Social da Igreja faz-nos perceber a premência de definir outro paradigma para que os dirigentes locais, nacionais e mundiais possam encontrar novos caminhos mais consentâneos com o Humanismo Ético. 

Nuno Sotto Mayor Ferrão


[1] Bento XVI, Caridade na Verdade, Prior Velho, Paulinas Editoras, 2009.

Publicado inicialmente, com documentos complementares, no blogue Crónicas do Professor Ferrão

sábado, 10 de março de 2012

Aquilino Ribeiro (1885-1963), cultura literária e liberdade de pensamento

Aquilino Ribeiro, nascido em 1885 no concelho de Sernancelhe, foi um dos maiores escritores portugueses do século XX. Foi um escritor que se revelou plurifacetado nos vários domínios da escrita a que se dedicou (à ficção, ao ensaio, ao memorialismo, à biografia, etc). Como expoentes máximos da sua obra literária contam-se os romances: “O Malhadinhas” (1949), “A Casa Grande de Romarigães”(1957) e “Quando os Lobos Uivam”(1958). Casou em 1929 com Jerónima Dantas Machado, filha de Bernardino Machado.

Quando veio para Lisboa ingressou no jornalismo, aderiu à causa Republicana e ingressou na Maçonaria pela mão de Luz Soriano na Loja Montanha do Grande Oriente Lusitano. Colaborou com os revolucionários da Carbonária, guardando no seu quarto dinamite que acabou, por involuntariamente, causar uma explosão que o levará ao encarceramento. O seu ativismo político e cívico a favor da liberdade dos cidadãos irá colocá-lo na luta contra o regime monárquico, a ditadura militar e o regime do Estado Novo.

A sua percepção da liberdade irá fazer-lhe escrever alguns livros de crítica ao “statu quo” político, em particular a seguir à 2ª Guerra Mundial com a obra “Príncipes de Portugal – suas grandezas e misérias” (1952) e “Quando os Lobos Uivam”(1958). A reacção do regime Salazarista não se faria esperar e os Serviços de Censura desaconselham ao Editor uma reedição do primeiro livro, mencionado, por aviltar a memória heróica de algumas das grandes figuras da História de Portugal, contrariando o registo nacionalista típico da historiografia ligada ao regime. Em 1958, em pleno turbilhão em volta da candidatura do general “sem medo” (Humberto Delgado), a publicação do segundo livro, mencionado, vai levá-lo a ser acusado de difamação das autoridades públicas pelo regime que lhe moveu um processo criminal apontando-lhe o vício de descredibilizar as instituições do Estado Salazarista.

Na verdade, o livro de Aquilino Ribeiro “Príncipes de Portugal” desmistifica a visão nacionalista dos heróis da Pátria e como o nome indica satiriza alguns dos vícios das figuras de proa da História de Portugal. É um livro que recomendo e de fácil leitura. Outro grande romance deste autor é “A Casa Grande de Romarigães” que descreve com uma rica linguagem a história de várias gerações, nessa mansão Minhota, por onde o próprio autor passou como marido da filha de Bernardino Machado. Sobressai nesse seu livro um tom anticlerical e uma visão antinobiliárquica de crítica do Antigo Regime.

Em 1960 Francisco Vieira de Almeida irá propô-lo para o Prémio Nobel da Literatura na Academia Sueca, proposta que foi subscrita por variadíssimos nomes das letras portuguesas ligados à cultura democrática como José Cardoso Pires, David Mourão-Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues, José Gomes Ferreira, Vitorino Nemésio, Mário Soares, Alves Redol, Virgílio Ferreira, etc.

O argumento fulcral que julgo esteve subjacente a esta proposta foi a crítica aberta ao regime Salazarista no afã de uma defesa incondicional das liberdades cívicas abafadas pelas instituições repressivas do Estado Novo e, por outro lado, a sua ímpar originalidade literária patente num estilo muito pessoal que soube cultivar à margem das tendências estéticas vigentes num respeito salutar pelos valores tradicionais da Literatura Portuguesa. O valor supremo da sua escrita reside numa riqueza lexicológica infindável, nos castiços regionalismos beirãos que nos remetem para as suas origens e no tom mordaz que imprime a alguns dos seus diálogos e a algumas das suas notáveis descrições.

Nuno Sotto Mayor Ferrão

Publicado originalmente no blogue Crónicas do Professor Ferrão

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Movimento Internacional Lusófono - breves considerações

O Movimento Internacional Lusófono é um movimento cultural e cívico com mais de 10.000 aderentes de todo o espaço linguístico português. Constituiu-se juridicamente como organização oficial no dia 15 de Outubro de 2010, embora já existisse anteriormente como um espaço de liberdade das sociedades civis da CPLP. O Movimento é composto estatutariamente por uma Direção, uma Assembleia Geral, um Conselho Fiscal e um Conselho Consultivo que reúne quase cem membros. Existem quase duas dezenas de membros honorários que sendo figuras prestigiadas subscrevem os objetivos do MIL.

O MIL tem promovido sessões culturais, como as que vão acontecer durante este ano na Biblioteca Municipal de Sesimbra, e tem subscrito diversas moções, promovido inúmeros debates públicos, recolhido livros e distinguido Personalidades Lusófonas com um Prémio simbólico no intuito de estreitar as relações afetivas, sociais, culturais, institucionais, políticas e económicas entre os países falantes da Língua Portuguesa. Este ano o MIL vai distinguir o Professor Doutor Adriano Moreira com o Prémio Personalidade Lusófona do ano de 2011 numa cerimónia pública que se realizada na Sociedade de Geografia de Lisboa.

Os fundamentos desta agremiação estão nas raízes históricas lusófonas que temos procurado investigar em vários autores[1], no pensamento generoso e visionário de Agostinho da Silva que sustentava no século XX a necessidade de se constituir uma União Lusófona. Estes alicerces culturais vieram a tornar possível a CPLP em 1996, que no ano passado comemorou os seus 15 anos de vida. O Presidente do MIL, Renato Epifânio, escreveu um livro “A Via Lusófona – um Novo Horizonte para Portugal”[2] que nos apresenta com muita clareza e lucidez esta estratégia que a Pátria deve seguir, tendo feito sobre este livro uma breve recensão no meu blogue: “A VIA LUSÓFONA: UM NOVO HORIZONTE PARA PORTUGAL” - RECENSÃO CRÍTICA DO LIVRO DE RENATO EPIFÂNIO

A CPLP como instituição intergovernamental, o Prémio Camões como um reconhecimento literário a autores que têm enriquecido a Língua Portuguesa, a revista “Nova Águia” como uma publicação que tem abraçado o espírito lusófono nos seus conteúdos e nos locais em que se tem apresentado, a Associação Médica Internacional que tem valorizado a assistência humanitária aos países irmãos, a Universidade da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira e a Ciber Rádio Internacional Lusófona têm constituído parceiros insubstituíveis para consolidarem os laços culturais e afetivos de povos que a História tem vindo a aprofundar. Não quero deixar de mencionar a Academia Galega de Língua Portuguesa que foi reconhecida como Observador Consultivo da CPLP, apesar da posição do atual Executivo português.

Contam-se como membros honorários do MIL figuras prestigiadas da Comunidade Lusófona como sejam: Fernando Nobre como seu presidente honorário e Abel de Lacerda Botelho, Adriano Moreira, Amadeu Carvalho Homem, António Braz Teixeira, António Carlos Carvalho, António Gentil Martins, Dalila Pereira da Costa, Elsa Rodrigues dos Santos, Fernando dos Santos Neves, João Ferreira, José Manuel Anes, Lauro Moreira, Manuel Ferreira Patrício, Pinharanda Gomes e Ximenes Belo como sócios honorários que muito prestigiam, pelos seus relevantes serviços públicos, esta nossa Agremiação.

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa constituída por oito países (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste) formou-se para estimular a cooperação a diversos níveis e a defesa da Língua e da Cultura Portuguesa que tem sido enriquecida com a criativa genialidade dos autores e dos povos do espaço lusófono que transcende a contingência formal dos Estados como nos ensinou o brilhante filólogo Luís Lindley Cintra.

O MIL conta hoje em dia com um site oficial, um blogue e canal de vídeos que recolhe o testemunho de personalidades e de debates públicos que tem promovido. A sede do MIL localiza-se em Lisboa, mas como membro do Movimento congratulo-me com abertura de um novo núcleo no Porto. Aguardo com grande curiosidade o livro “Convergência lusófona (2008-2012) – As posições do MIL: Movimento Internacional Lusófono”, coordenado por Renato Epifânio.

Nuno Sotto Mayor Ferrão

Publicado originalmente em Crónicas do Professor Ferrão



[1] Nuno Sotto Mayor Ferrão, “A dinâmica histórica de lusofonia (1653-2011), in Nova Águia, nº 8, 2º semestre de 2011, Sintra, Editora Zéfiro, 2011, pp. 204-208.

[2] Renato Epifânio, A Via Lusófona – Um Novo Horizonte para Portugal, Sintra, Edições Zéfiro, 2010.

domingo, 22 de janeiro de 2012

O debate da descentralização regionalista em Moçambique no tempo da Ditadura Militar

Em Moçambique nos anos 20 é ventilada a tese da descentralização regionalista, isto é, a defesa da divisão do território em duas regiões administrativas, a norte centrada em Tete e a sul centrada em Lourenço Marques. Os principais pronentes desta solução eram proprietários e empresários da região de Tete e da cidade da Beira que consideravam a sua região mais produtiva do que a zona sul, mas em que as riquezas, ao invés, eram absorvidas pela administração sediada em Lourenço Marques.

Em plena crise económica Moçambicana, em 1925, o “Grémio dos Proprietários e Agricultores da Zambézia” defendiam a divisão administrativa desta colónia em duas regiões[1], com o objectivo de que a zona norte não se limitasse a transferir as suas riquezas provenientes da agricultura e da indústria para o ocioso sul. Pretendia este grupo que se criassem duas regiões administrativas distintas com orgãos próprios e prerrogativas específicas, de forma que esta descentralização regional representasse melhor os interesses económicos da Zambézia. No entanto, a tese oficial perfilhou a opção da unidade administrativa de Moçambique, porventura por tal escolha garantir uma maior protecção em relação ao risco do sul de Moçambique ser anexado pela União Sul-Africana como pretendia o general Jan Smuts.

Nas passagens seguintes, de uma notícia num periódico colonial, nota-se o cepticismo do jornalista em relação a esta sugestão administrativa heterodoxa:

“(...) Quanto à divisão da Província [ de Moçambique ] em duas, parece-nos que os argumentos invocados pelo Grémio dos Proprietários e Agricultores da Zambézia não tem consistência por aí além. Que o sul vive dos cambiais do Rand, não tendo uma produção agrícola ou industrial que lhe garanta a continuação do seu fastoso luxo de capital de colónia ? Mas nem mesmo que assim sucedesse, que não sucede, o norte teria o direito de defender a desagregação de Moçambique. Os distritos juntos, auxiliando-se mutuamente, como partes do mesmo todo, resistem incontestavelmente melhor a todos os embates, do que estando sujeitos a orientações diversas; com métodos administrativos diferentes. (...)”[2]

O reconhecido professor, da Escola Superior Colonial, José Gonçalo Santa-Rita pugnou também em 1930 pela divisão administrativa de Moçambique em duas regiões[3]. Numa análise preambular afirmou que as ineficácias administrativas coloniais tinham provocado algumas crises resultantes da descentralização implementada ser imperfeita, pois a seu ver a delegação/ desconcentração administrativa de poderes não chegava aos governadores subalternos, os quais eram considerados pelos governadores gerais como burocratas e não como “micro-decisores”. Assim, a transferência de competências não tinha descido toda a estrutura administrativa colonial, tendo havido na década de 1920 excessivos poderes conferidos aos governadores-gerais e aos Altos Comissários, mas não aos governadores subalternos das províncias e dos distritos.

Assim, embora subscrevesse a divisão administrativa das colónias com base neste argumento discordava da fragmentação administrativa de Angola em duas grandes zonas, cujos centros seriam Luanda e Mossamedes, porque as diferenças geográficas e económicas entre estas regiões não seriam suficientes para as justificar. Contudo, quanto a Moçambique concordava com a sua divisão em duas grandes áreas administrativas, a norte na região de Tete e a sul na região de Lourenço Marques, por existirem razões de diferenciação económica e geográfica que as fundamentavam. Esta tese foi proclamada no III Congresso Colonial Nacional com o apoio de eminentes coloniais.

Nuno Sotto Mayor Ferrão

Publicado originalmente em Crónicas do Professor Ferrão


[1] “Moçambique”, in Portugal, nº 34, 26 de Dezembro de 1925, p. 1.

[2] Ibidem, p. 1. [ Continuação da citação do texto: “(...) Além disso, o desenvolvimento e o grau de civilização dos distritos ao norte do Zambeze não é também de molde a permitir uma emancipação em forma, nem essa emancipação, a dar-se abreviaria quer-nos parecer o aperfeiçoamento intelectual dos povos, desligados como ficavam do centro principal da civilização. (...)”.

[3] José Gonçalo da Costa Santa-Rita, “Grande divisão administrativa das colónias”, in 3º Congresso Colonial Nacional, Lisboa, Edição da Sociedade de Geografia de Lisboa, 1934, 6 p.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Projeto "Fado Mimado" e o Fado como Património Imaterial da Humanidade

O fado foi classificado pela Unesco como Património Imaterial da Humanidade num trabalho de fôlego, de qualidade e de rigor liderado pelo musicólogo Rui Vieira Nery. Depois de uma evolução histórica notável do fado que culminou na consagração internacional de Amália Rodrigues na segunda metade do século XX, o certo é que este género musical tem novos interpretes que projetam o fado a nível internacional. A ligação lusófona de Portugal aos quatro cantos do mundo aparece simbolizada por esta ambivalente canção de melancolia que encerra um fundo de esperança.

O Projeto “Fado Mimado” dirigido ao público infantil e juvenil pretende de uma forma lúdica despertar as novas gerações para este género musical. Este Projeto reúne um CD intitulado “Fado Sonhado” cantado por Maria Azóia e dois livros de Gilda Nunes Barata intitulados “Um Xaile com Notas a Chorar”[1] e “Saudade, Meu Amor?”[2] com ilustrações respetivamente de Danuta Wojciechowska e de Ana Bossa. Os dois livros são bilingues (português e inglês), desde os seus respetivos títulos, denunciando a dimensão internacional que o fado tem assumido. Este Projeto foi lançado no Museu do Fado.

Somos introduzidos no livro “Um xaile com Notas a Chorar” com um belo “epitáfio” de Sophia de Mello Breyner Andresen e uma breve definição do Fado de Rui Vieira Nery. Diz-nos o musicólogo que este género musical transporta uma pulsação rítmica ambivalente que vai da lamentação ao entusiasmo mais enérgico. Esta narrativa, cheia de imaginação, de tom poético parece inspirar-se numa entrevista que Amália Rodrigues concedeu ao jornalista Armando Baptista Bastos em 1999. O “personagem”, desta alegoria, é um xaile, inseparável companheiro da imortal fadista portuguesa, que vai meditando ao longo da história sobre o valor do fado. Tal como Gilda Nunes Barata, especialista na corrente saudosista de Teixeira de Pascoaes, o xaile interroga-se sobre a saudade como um sentimento muito português. Nas suas meditações, o xaile vai-nos lembrando que para os portugueses como um povo de marinheiros, que criaram um dos impérios europeus no mundo, e como um povo de emigrantes este sentimento da saudade está sempre muito presente.

Neste livro de homenagem ao fado há uma simbiose perfeita entre o texto e as feéricas ilustrações de Danuta Wojciechowska. No decorrer das suas aprendizagens, o nosso protagonista, o xaile, dialoga com as forças da Natureza e com os músicos, seus fiéis companheiros, que nas suas almas procuram dar voz ao encontro com outras paragens e com outros povos. Deste modo, este pequeno conto está entretecido de uma linguagem fortemente poética que perscruta os sentidos metafísicos do fado como uma existência cultural singular que bem merece esta classificação da Unesco de Património Imaterial da Humanidade. Nesta fábula, o xaile canta Lisboa como um local de partidas e de chegadas que faz transbordar nos seus habitantes um sonho comovido que desperta sentimentos contrários.

Este xaile, na sua meditação, fala-nos do fado como uma canção, que enaltece as canseiras e as emoções contraditórias que os portugueses vão passando, que lhe permite um grande amadurecimento na convivência com a mítica fadista de alma universal. É, assim, que ele acaba por adormecer sonhando com o mar que sempre permitiu a Lisboa abrir-se a aventuras inesgotáveis de contactos com outros povos. Gilda Nunes Barata, a autora da fábula, tem uma cuidada formação eclética que perpassa na sua escrita que se reparte entre a literatura infantojuvenil e a literatura poética. Danuta Wojciechowska tem já um invejável currículo internacional como criadora de ilustrações com Prémios já recebidos. É, sem dúvida, um livro de que recomendo uma leitura atenta.

No outro livro de Gilda Nunes Barata intitulado “Saudade, meu Amor?” dirigido, sobretudo, ao público mais infantil as ilustrações, bem conseguidas, pertencem a Ana Bossa. O enredo desta pequena história é bem expressivo das emoções que pairam no fado (a saudade e a procura da felicidade). Assim, nesta história de uma pequena gaivota que perde a fralda aparece um sentimento de saudade e de busca que é ultrapassado com a alegria de a encontrar a servir de cobertor a um corvo que sorri no seio da sua tristeza. Fica, pois, como uma sugestão para uma eventual prenda de Natal este conjunto de dois livros e um CD que dão pelo nome de “Fado Mimado.

Nuno Sotto Mayor Ferrão

Publicado com documentos complementares em Crónicas do Professor Ferrão


[1] Gilda Nunes Barata, “Um Xaile com Notas a Chorar”, Lisboa, Edição Quebra-Nozes, 2011.

[2] Idem, “Saudade, meu Amor ?”, Lisboa, Edição Quebra-Nozes, 2011.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O pensamento de Adriano Moreira de 1961 a 1963 como Ministro

Adriano José Alves Moreira[1] foi nomeado como independente por António de Oliveira Salazar em 1961 para a pasta do Ultramar. Teve neste cargo uma intensa actividade legislativa em que se destacaram o Código do Trabalho Rural, a extinção do Estatuto do Indigenato e o desenvolvimento das estruturas de ensino nos territórios ultramarinos que visitou com uma grande aclamação popular[2]. Em fins de 1962 defendendo a autonomia progressiva das colónias entra em divergência profunda com o Presidente do Conselho de Ministros que não aceita a continuação desta sua estratégia reformista da política ultramarina por achar que isso o colocava em causa, tendo Adriano Moreira, numa destas reuniões desavindas, dito a António de Oliveira Salazar: “Acaba de mudar de ministro”[3].

No contexto da guerra colonial, que se desencadeou em Angola em 1961, Adriano Moreira foi obrigado pela força das circunstâncias históricas e das suas convicções em prol da Defesa dos Direitos Humanos a revogar o Estatuto do Indigenato e a atribuir a cidadania a todos os habitantes do império ultramarino português. Se tivermos em conta que em 1953 com a Carta Orgânica das Províncias Ultramarinas se previa a transitoriedade do Estatuto do Indigenato, que o sistema luso-tropicalista apontava para o sentido da igualdade na troca das relações culturais entre colonizador português e o colonizado e que o agudizar das tensões entre colonos e autóctones impunha uma medida que contribuisse para a pacificação do espírito insubmisso dos naturais dos territórios africanos compreende-se esta decisão política.

Em suma, esta medida pode equiparar-se à resolução do Imperador Caracala no Império Romano em 212 d.C. ao decidir integrar no estatuto de cidadania todos os habitantes livres do império para apaziguar revoltas em algumas províncias mais contestatárias da autoridade romana. Assim, uma vez que já estava consagrado o princípio da tendência do igual tratamento a dar a colonizadores e a colonizados como ideologia do luso-tropicalismo e a lei geral a explicitava impunha-se perante a premência dos acontecimentos de sublevação nas províncias Africanas e da sua sensibilidade em relação aos Direitos Humanos a tomada desta decisão.

Nuno Sotto Mayor Ferrão

Publicado com documentos complementares em Crónicas do Professor Ferrão



[1] O retrato apresentado, do Professor Doutor Adriano Moreira, figura na galeria dos antigos Presidentes da Sociedade de Geografia de Lisboa.

[2] César Oliveira, “Adriano José Alves Moreira”, in Dicionário de História do Estado Novo,vol. II, Lisboa, Editora Bertrand, 1996, pp. 628-629.

[3] Entrevista ao Expresso, 22.01.08.