A Doutrina Social da Igreja é o
conjunto de princípios que a Igreja Católica preconiza para uma vida saudável
das sociedades contemporâneas que se baseie na fé revelada e na racionalidade
fundamentada no conhecimento da autêntica Natureza Humana. Os valores desta
Doutrina são fundamentais neste contexto da Globalização desregulada, que tem
favorecido as desigualdades sociais como nos reconhecem os relatórios anuais do
PNUD das Nações Unidas. O Papa Bento XVI, na sua Encíclica escrita em 2009, fez
uma análise da situação internacional à luz das causas sistemáticas dos vícios
da Globalização e dos valores inscritos na matriz da Doutrina Social da Igreja
sustentando a necessidade de uma novo paradigma de Ética Pública que reconfigure
as instituições que se deixaram endeusar pelos critérios dos mercados e dos
lucros.
No decurso da História
Contemporânea, de 1891 a 2009, foram numerosas as Encíclicas e os documentos
pontifícios que foram dando corpo à Doutrina Social da Igreja ao indicarem os
princípios e os valores perenes da Humanidade (a dignidade da pessoa humana, a
liberdade, a paz, a justiça, a verdade, a caridade, etc.). Estes ensinamentos foram
instilados, desde o Concílio Vaticano II, nos leigos para que possam insuflar
as realidades temporais (o mundo profano) de valores perenes. A Doutrina Social
da Igreja tem sido bastante crítica em momentos de crise Civilizacional (na
questão operária no fim do século XIX, na atrocidade Nazi em pleno século XX e
nas injustiças provenientes da presente Globalização). Com a crescente
complexidade dos fenómenos contemporâneos, a par do vertiginoso ritmo das
mudanças sociais e tecnológicas, importa saber que a Doutrina Social da Igreja
defende que os Estados Nacionais e Supranacionais devem salvaguardar a justiça
social nos recursos disponíveis do Bem Comum.
Historicamente foi a teoria de
Karl Marx do século XIX, da previsível luta de classes entre operários e
patrões, a par da concomitante proliferação de massas operárias indigentes nas
sociedades do Ocidente, que obrigou a Igreja Católica a reagir às evidentes alterações
das estruturas sociais e económicas, com a Encíclica Rerum Novarum do papa Leão XIII que inaugurou o legado da Doutrina
Social da Igreja, clamando pela necessidade de se criarem condições para a
prática da justiça social. Mais tarde, também o Papa Pio XI se preocupou com
esta problemática repudiando as ideologias totalitárias, designadamente o
Nazismo. Importa, no entanto, lembrar que nos nossos dias se vive sob uma nova ideologia
totalitária imposta pela ditadura dos mercados.
Convém, ainda, compreender as principais
consequências práticas da Doutrina Social da Igreja instauradas sob o impulso
do Concílio Vaticano II. Além das decisões já conhecidas, importa, em primeiro
lugar, salientar a aproximação entre a Igreja Católica e as outras comunidades
cristãs. Em segundo lugar, a abertura desta instituição às sociedades contemporâneas
traduziu-se nas diversas Encíclicas papais de intervenção cívica a favor dos
Direitos Humanos, da proteção dos grupos mais desfavorecidos e das reflexões
críticas sobre as situações internacionais. Na verdade, os Papas João Paulo II
e Bento XVI frisaram o papel renovador do Concílio Vaticano II na Igreja
Católica, não obstante a revolução juvenil de maio de 1968 tenha atenuado,
aparentemente, a importância das mudanças sociais encetadas pela Igreja
Católica.
De facto, João Paulo II foi um
peregrino de espírito ecuménico na senda do Concílio Vaticano II, enquanto o
Papa Bento XVI tem sido um intérprete atento dos tempos atuais, dando
inteligibilidade aos fenómenos da política nas relações da comunidade
internacional, sendo exemplo disso a encíclica
Caridade na Verdade. Em terceiro
lugar, as decisões conciliares, vertidas nos diversos documentos oficiais,
acabaram por ter reflexos jurídicos que se encontram já consignadas no Código
de Direito Canónico.
De facto, a Doutrina Social da
Igreja, em particular com a Encíclica Caridade
na Verdade do Papa Bento XVI, tem criticado a Globalização desregulada que criou
uma série de constrangimentos à justiça social devido ao endeusamento dos
mercados e do lucro fácil. Por esta razão, Bento XVI pugna por um novo
paradigma das relações internacionais que se baseie em valores e princípios
sãos. A Doutrina Social da Igreja assente em valores perenes (a dignidade
humana, a participação cívica, a proteção social dos mais desfavorecidos, a
verdade, a liberdade, a justiça e a paz), tantas vezes esquecida, faz falta
nestes tempos de negligência das questões Éticas. A História da Humanidade está
presentemente dirigida por um destino comum de problemas e soluções que carecem
de estratégias globais que arrede, para o segundo plano das relações sociais,
os individualismos e os egoísmos nacionais. Assim, a linguagem do Amor, marca
fundamental dos ensinamentos de Jesus Cristo, constitui a argamassa essencial das
relações sociais harmoniosas para se ultrapassarem as tensões entre grupos
sociais. Na verdade, a desumanidade das sociedades atuais decorre das relações
humanas se basearem erroneamente no critério primordial da eficácia, porquanto
a sensatez cristã manda que se baseiem fundamentalmente no valor da dignidade
da pessoa humana.
Em suma, esta dinâmica histórica
decorre da crise de valores que se acentuou com a sacralização ideológica do
ultraliberalismo que tem feito esmorecer a vida Moral e Espiritual da
Humanidade. Os Estados devem ser os garantes do Bem Comum, pois a socialização
atual, em particular, através da ideologia neoliberal pode incitar à temível
despersonalização do Homem. Este é um paradoxo crucial do contexto desta
Globalização desregulada e a leitura atenta da Doutrina Social da Igreja
faz-nos perceber a premência de definir outro paradigma para que os dirigentes locais,
nacionais e mundiais possam encontrar novos caminhos mais consentâneos com o
Humanismo Ético.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
Sem comentários:
Enviar um comentário