Em Moçambique nos anos 20 é ventilada a tese da descentralização regionalista, isto é, a defesa da divisão do território em duas regiões administrativas, a norte centrada em Tete e a sul centrada em Lourenço Marques. Os principais pronentes desta solução eram proprietários e empresários da região de Tete e da cidade da Beira que consideravam a sua região mais produtiva do que a zona sul, mas em que as riquezas, ao invés, eram absorvidas pela administração sediada em Lourenço Marques.
Em plena crise económica Moçambicana, em 1925, o “Grémio dos Proprietários e Agricultores da Zambézia” defendiam a divisão administrativa desta colónia em duas regiões[1], com o objectivo de que a zona norte não se limitasse a transferir as suas riquezas provenientes da agricultura e da indústria para o ocioso sul. Pretendia este grupo que se criassem duas regiões administrativas distintas com orgãos próprios e prerrogativas específicas, de forma que esta descentralização regional representasse melhor os interesses económicos da Zambézia. No entanto, a tese oficial perfilhou a opção da unidade administrativa de Moçambique, porventura por tal escolha garantir uma maior protecção em relação ao risco do sul de Moçambique ser anexado pela União Sul-Africana como pretendia o general Jan Smuts.
Nas passagens seguintes, de uma notícia num periódico colonial, nota-se o cepticismo do jornalista em relação a esta sugestão administrativa heterodoxa:
“(...) Quanto à divisão da Província [ de Moçambique ] em duas, parece-nos que os argumentos invocados pelo Grémio dos Proprietários e Agricultores da Zambézia não tem consistência por aí além. Que o sul vive dos cambiais do Rand, não tendo uma produção agrícola ou industrial que lhe garanta a continuação do seu fastoso luxo de capital de colónia ? Mas nem mesmo que assim sucedesse, que não sucede, o norte teria o direito de defender a desagregação de Moçambique. Os distritos juntos, auxiliando-se mutuamente, como partes do mesmo todo, resistem incontestavelmente melhor a todos os embates, do que estando sujeitos a orientações diversas; com métodos administrativos diferentes. (...)”[2]
O reconhecido professor, da Escola Superior Colonial, José Gonçalo Santa-Rita pugnou também em 1930 pela divisão administrativa de Moçambique em duas regiões[3]. Numa análise preambular afirmou que as ineficácias administrativas coloniais tinham provocado algumas crises resultantes da descentralização implementada ser imperfeita, pois a seu ver a delegação/ desconcentração administrativa de poderes não chegava aos governadores subalternos, os quais eram considerados pelos governadores gerais como burocratas e não como “micro-decisores”. Assim, a transferência de competências não tinha descido toda a estrutura administrativa colonial, tendo havido na década de 1920 excessivos poderes conferidos aos governadores-gerais e aos Altos Comissários, mas não aos governadores subalternos das províncias e dos distritos.
Assim, embora subscrevesse a divisão administrativa das colónias com base neste argumento discordava da fragmentação administrativa de Angola em duas grandes zonas, cujos centros seriam Luanda e Mossamedes, porque as diferenças geográficas e económicas entre estas regiões não seriam suficientes para as justificar. Contudo, quanto a Moçambique concordava com a sua divisão em duas grandes áreas administrativas, a norte na região de Tete e a sul na região de Lourenço Marques, por existirem razões de diferenciação económica e geográfica que as fundamentavam. Esta tese foi proclamada no III Congresso Colonial Nacional com o apoio de eminentes coloniais.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
Publicado originalmente em Crónicas do Professor Ferrão
[1] “Moçambique”, in Portugal, nº 34, 26 de Dezembro de 1925, p. 1.
[2] Ibidem, p. 1. [ Continuação da citação do texto: “(...) Além disso, o desenvolvimento e o grau de civilização dos distritos ao norte do Zambeze não é também de molde a permitir uma emancipação em forma, nem essa emancipação, a dar-se abreviaria quer-nos parecer o aperfeiçoamento intelectual dos povos, desligados como ficavam do centro principal da civilização. (...)”.
[3] José Gonçalo da Costa Santa-Rita, “Grande divisão administrativa das colónias”, in 3º Congresso Colonial Nacional, Lisboa, Edição da Sociedade de Geografia de Lisboa, 1934, 6 p.
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