*É um Lusófono com L grande? Então adira ao MIL: vamos criar a Comunidade Lusófona!*

MIL: Movimento Internacional Lusófono | Nova Águia


Apoiado por muitas das mais relevantes personalidades da nossa sociedade civil, o MIL é um movimento cultural e cívico registado notarialmente no dia quinze de Outubro de 2010, que conta já com mais de uma centena de milhares de adesões de todos os países e regiões do espaço lusófono. Entre os nossos órgãos, eleitos em Assembleia Geral, inclui-se um Conselho Consultivo, constituído por mais de meia centena de pessoas, representando todo o espaço da lusofonia. Defendemos o reforço dos laços entre os países e regiões do espaço lusófono – a todos os níveis: cultural, social, económico e político –, assim procurando cumprir o sonho de Agostinho da Silva: a criação de uma verdadeira comunidade lusófona, numa base de liberdade e fraternidade.
SEDE: Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa)
NIB: 0036 0283 99100034521 85; NIF: 509 580 432
Caso pretenda aderir ao MIL, envie-nos um e-mail: adesao@movimentolusofono.org (indicar nome e área de residência). Para outros assuntos: info@movimentolusofono.org. Contacto por telefone: 967044286.

NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI

Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra).

Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa).

Desde 2008"a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".

Colecção Nova Águia: https://www.zefiro.pt/category/zefiro-nova-aguia

Outras obras promovidas pelo MIL: https://millivros.webnode.com/

"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

Nenhuma direita se salvará se não for de esquerda no social e no económico; o mesmo para a esquerda, se não for de direita no histórico e no metafísico (in Caderno Três, inédito)

A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo (in Cortina 1, inédito)

Agostinho da Silva
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quarta-feira, 26 de junho de 2013

A Águia (revista 1910-1932) como fonte de inspiração da Nova Águia (revista 2008-2013) – nº 11, 1º semestre de 2013

A revista A Águia foi uma importante revista cultural do início do século XX, em Portugal, que congregou muitas figuras de destaque das Humanidades, das Artes e das Ciências com distintas mundividências que veicularam visões plurais. Sobressaíram na História Cultural Portuguesa, no conjunto dos seus inúmeros colaboradores, intelectuais como Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão, Raul Proença, Hernâni Cidade, Afonso Lopes Vieira, Fernando Pessoa, António Sérgio, etc. A revista nos seus 22 anos de vida comportou temas literários, artísticos, filosóficos e de crítica cívica, que tanto inspirou os fundadores da Nova Águia.

A Águia alicerçou-se numa matriz nacionalista e neorromântica, no combate sem tréguas contra a tese da decadência nacional<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--> que pairava na mentalidade da sociedade portuguesa desde o fim do século XIX. Com efeito, aos mentores da revista, em pleno contexto de instauração do novo regime Republicano, moveu-os o espírito de promoção da autoestima nacional que os mobilizou contra a tese de declínio da nação portuguesa deixada pairar pelo poeta Antero de Quental desde as Conferências do Casino de 1871 e contra a mentalidade positivista de Auguste Comte que contaminava a intelectualidade europeia<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]-->.

A revista Nova Águia, tendo por base esta magistral fonte espiritual de inspiração, pretende ser uma homenagem às várias gerações de personalidades que souberam dar corpo à revista A Águia. Os pontos de partida dos diversos números têm sido núcleos temáticos e no número 11 um dos seus elementos aglutinadores é “O Mar e a Lusofonia” partindo da emblemática frase do escritor Virgílio Ferreira “Da minha língua vê-se o mar”. Esta revista privilegia artigos ensaísticos literários, filosóficos, históricos e científicos de uma pluralidade de colaboradores, de onde se destacam pessoas como Adriano Moreira, Miguel Real, Pinharanda Gomes, Manuel Gandra, António Cândido Franco, António Braz Teixeira, José Eduardo Franco, João Bigotte Chorão, etc.

Os diversos números da revista, de que este é já o número 11, repartem-se por várias secções, designadamente pela temática central, por evocações de obras ou de vidas de homens de espírito, ensaios variados, críticas literárias e poemas, muitos deles, de jovens autores de grande valia estética. Cumpre-se, assim, um projeto ideológico Humanista que pretende revalorizar as tradições culturais portuguesas, para revigorar o espírito do país numa conjuntura de desânimo coletivo, com um sentido eclético que se desenha nas novas pontes que se pretendem construir para um futuro coletivo mais auspicioso que contemple o sentimento Lusófono que pulsa na nossa Alma. Deste modo, surgiu como um imperativo Ético combater o dogmatismo da cultura tecnocrática que tem aniquilado a liberdade de opinião, de expressão e de ação que constituem elementos fundamentais de um ambiente democrático.

Já foram temas centrais dos diversos números da Nova Águia desde 2008<!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]-->: António Veira e o futuro da Lusofonia; O legado de Agostinho da Silva, 15 anos após a sua morte; Pascoaes, Portugal e a Europa: 20 anos após a queda do Muro de Berlim; Os 100 anos da A Águia e a situação cultural de hoje; A república, 100 anos depois; Fernando Pessoa: “Minha pátria é a Língua Portuguesa” (nos 15 anos da CPLP); O Pensamento da Cultura de Língua Portuguesa: nos 30 anos da morte de Álvaro Ribeiro; Nos 100 anos da Renascença Portuguesa: como será Portugal daqui a 100 anos?; Leonardo Coimbra, Dalila Pereira da Costa, Manuel Laranjeira e João de Deus: Razão e Espiritualidade; e “Da minha língua vê-se o mar”: o Mar e a Lusofonia.

Em suma, o objetivo supremo da Nova Águia é alimentar o ego nacional de uma forma realista baseada numa rica tradição Humanista, escorados os colaboradores na inspiração criadora da revista mãe que lhe deu ânimo para que pudesse voar, mas plenamente convictos da importância para o nosso futuro comum do projeto e do sentimento de identidade Lusófona no seio de uma Humanidade a necessitar urgentemente de se transfigurar Eticamente.

Nuno Sotto Mayor Ferrão
Publicado originalmente, com documentos complementares, no blogue Crónicas do Professor Ferrão
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<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--> Hoje, em plena segunda década do século XXI, esta tese da decadência nacional está tão em voga devido a critérios de pura econometria financeira como estava no início da 1ª República.  
<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--> Vide Nuno Sotto Mayor Ferrão, “Leonardo Coimbra, a Revista A Águia e o panorama cultural contemorâneo”, Sintra, Edições Zéfiro, 1º semestre de 2010, pp. 34-36.
<!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--> Uma vez que a Nova Águia é uma revista cultural com uma periodicidade semestral.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Os desafios do império colonial português entre 1919 e 1945 - traços da História de Portugal no Mundo

Nos anos vinte, do século passado, pairaram inúmeras ameaças internacionais à soberania colonial portuguesa. Deste modo, foram aparecendo diversos cenários que representaram ameaças específicas, consoante as conjunturas nacionais e internacionais vividas. Contudo, duas fortes críticas à soberania portuguesa nas suas colónias perpassaram os diversos fóruns internacionais e as opiniões públicas estrangeiras entre as duas guerras mundiais (1919-1945.

No momento em que Portugal se libertava das campanhas de pacificação nas colónias africanas, urgia enraizar a autoridade do Estado nas colónias, em conformidade com o critério internacionalmente aceite desde a Conferênia de Berlim de 1884-1885 e confirmada na Convenção de Saint-Germain-en-Laye de 1919. Assim, desde o fim da 1ª República que o país enfrentava uma firme contestação internacional à sua legitimidade colonial. Com efeito, aparecem duras críticas da opinião pública internacional à deficiente gestão colonial portuguesa, ou seja, à incapacidade do Estado português fazer valer a sua autoridade nas colónias e de lhes garantir meios de desenvolvimento[1]. Por outro lado, outros países colonizadores, cobiçosos das colónias portuguesas, acusavam-nos de continuar a “prática da escravatura”, em Angola e em Moçambique, devido ao aproveitamento desumano da mão-de-obra autóctone. Em função destes pretensos defeitos administrantes de Portugal surgem cobiças estrangeiras à posse das colónias portuguesas.

A especificidade Moçambicana, no quadro colonial português, nos anos vinte ficou-se a dever a um conjunto de factores endógenos e exógenos. Em primeiro lugar, verificaram-se estreitas relações comerciais entre a África do Sul e Moçambique devido à mão-de-obra moçambicana usada nas minas da região do Rand e à utilização do porto de Lourenço Marques como local de embarque dos produtos de exportação sul-africanos, o que era uma situação que já vinha do início do século XX e, designadamente, da Convenção de 1909 com o Estado do Traansval. Em segundo lugar, houve um ambiente favorável à “desnacionalização”, da mentalidade das populações em Moçambique, caracterizado pela autoridade exercida em certas regiões desta colónia por parte de Companhias Majestáticas e pelo peso significativo que as comunidades estrangeiras tiveram neste território ao ponto de existirem periódicos publicados noutras línguas como o Lourenço Marques Guardian.

É neste contexto específico que se explica a pretensão da União Sul Africana de anexar Moçambique, o que deu origem a teses controversas que emergiram nesta colónia chegando alguns grupos da sociedade moçambicana a defender ideias radicais e profundamente heterodoxas de desvinculação do Estado Português, porque tinham interesses e negócios estreitos com alguns Estados vizinhos. Daí que, por exemplo, os políticos sul-africanos presentes na Conferência de Paz de 1919 em Paris, Louis Botha e Jan Christiaan Smuts, tenham pressionado Portugal para que cedesse a estratégica cidade de Lourenço Marques à União Sul-Africana[2].

Na verdade, nos anos trinta a União Sul-Africana continuou sob o impulso do carismático general Smuts a pretender incoporar Moçambique no seu território e disso estavam bem conscientes os políticos portugueses. Por exemplo, em 1939 o ministro das colónias, José Vieira Machado temia, em desabafo de consciência com António de Oliveira Salazar[3] em pleno conflito mundial, que a União, sob pretexto de que Moçambique se encontrava militarmente indefesa, se aproveitasse para garnecer a sua defesa e se apoderasse subrepticiamente das funções de soberania de Portugal dando por consumado um facto há muito desejado. Também, na mesma década, pairou o perigo da Alemanha ou da Inglaterra anexaram o norte de Moçambique com o apoio explícito de habitantes da colónia. Já nos anos quarenta, Smuts protagonizou a defesa de uma União Pan-Africana que ligasse economicamente os Estados livres do Sul de África, o que foi um factor impulsionador das ideias emancipatórias de Moçambique do domínio português. Na realidade, a possibilidade de independência estaria escorada em fortes conexões económicas com os países vizinhos.

Em resumo, estes factos históricos configuraram ameaças reais e imaginárias à soberania portuguesa nas colónias africanas e, em particular, a Moçambique que pairaram nesta conjuntura da primeira metade do século XX.

Nuno Sotto Mayor Ferrão

Publicado originalmente, com um documento acrescido, em Crónicas do Professor Ferrão


[1] Talvez a mais importante voz critica tenha sido a do sociólogo norte-americano Edward Ross que publicou um relatório que apresentou à Sociedade das Nações em 1925, que alcançou um notável êxito mediático, denunciando muitos erros e incapacidades da administração colonial portuguesa da época.

[2] José Medeiros Ferreira, Portugal na Conferência de Paz – Paris, 1919, Lisboa, Quetzal Editores, 1992, p. 31.

[3] Carta do ministro das colónias J. Vieira Machado a Salazar de 17 de Novembro de 1939, in Arquivo António de Oliveira Salazar/ Correspondência Oficial/ Ultramar – Pasta 9 A, ff. 94-103 ( Arquivo Nacional da Torre do Tombo).

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Manuel Ferreira Patrício: "Éramos pobres em 1910. Somos pobres em 2010"

Revolucionários republicanos na Rotunda em 1910 (http://cucoonline.no.sapo.pt)
Revolucionários republicanos na Rotunda em 1910 (http://cucoonline.no.sapo.pt)

"Éramos pobres em 1910. Somos pobres em 2010. A economia portuguesa estava chocantemente atrasada face às economias europeias que nos serviam de referência. Esse atraso persiste. A república não teve, até hoje, sucesso no propósito de sequer nos aproximar dos países europeus"
(...)
"O ingresso na CEE, hoje União Europeia, trouxe a esperança do desenvolvimento. Essa esperança cambaleia agonizante em 2010. O País corre o risco de insolvência, a independência nacional está ameaçada. Constatamos que estes 100 anos de república constituem um falhanço total no vector económico."

Manuel Ferreira Patrício
Número 6
Revista Nova Águia

Esta constatação é, talvez, um dos balanços mais trágicos e, contudo, mais verdadeiros que se podem fazer nestes últimos cem anos de História de Portugal. Sem dúvida que se registaram em várias áreas progressos assinaláveis: nos Transportes, na Saúde, na Educação, nas Autarquias e até no nível de vida. Mas Portugal continua nos últimos lugares em praticamente todas as tabelas comparativas que se façam com os países do norte da Europa e, recentemente, perdeu até posições para vencedores tão improváveis como o Chipre ou a Eslovénia. Algo está doente, profundamente doente, nesta República centenária, numa doença cujo nome conhecemos... e que se chama partidocracia, aquela hidra multifacetada e ávida que se instalou em todas as camadas da administração do Estado, preenchendo com a prole e rede clientelar todos os lugares disponíveis, substituindo Democracia por Nepotismo. Esta partidocracia mudou de nomes varias vezes ao longo destes cem anos... mas atente-se bem aos nomes de família mais proeminente no século XIX e naqueles que hoje aparecem na Assembleia, nas grandes empresas públicas e privadas, na partidocracia, enfim... e cedo faremos múltiplos reconhecimentos...

domingo, 7 de novembro de 2010

As ideias independentistas em Moçambique na década de 1920 - contributos para a História Ultramarina Portuguesa da 1ª República - 1ª Parte

Entre 1922 e 1926 circulou em Moçambique entre grupos de colonos a ideia de que seria vantajoso para efeitos de uma mais eficaz exploração da mão-de-obra nativa que a colónia se tornasse independente, tendo havido inclusivamente um projecto de Constituição para o futuro território emancipado. Por outro lado, esta colónia era muito mais dependente economicamente da União Sul Africana, com a qual mantinha intensas relações comerciais e sociais, do que da metrópole. Deste modo, se a administração colonial portuguesa era pouco expedita, se havia insatisfação com as medidas tomadas pelos delegados do poder metropolitano, como foi o caso do Alto-Comissário Manuel de Brito Camacho, e se os colonos percebiam que se assumissem as rédeas governativas lhes seria mais fácil a exploração do trabalho nativa torna-se fácil compreender que nesta fase politicamente mais liberal se tenham difundido nesta colónia as teses emancipalistas.

Manuel de Brito Camacho após ter exercido o cargo de Alto Comissário em Moçambique, numa conferência proferida em 1924, argumentou que a descentralização administrativa era o caminho inevitável para a emancipação das colónias, que aliás se constituía como o fim desejável de qualquer sistema colonial, o que era uma tese inaceitável à luz da posição oficial do Estado português que pressupunha a inalienabilidade dos territórios coloniais.

Este intelectual e político considerava impossível manter a soberania da metrópole nas colónias, por tempo indeterminado por ser uma inegável injustiça, defendendo como alternativa que se investisse na unidade económica entre a metrópole e as colónias e na descentralização administrativa no sentido de se possibilitar o desenvolvimento colonial, com o intuito de pôr fim à exploração desonesta das colónias e ao menosprezo pela civilização das populações nativas. Camacho considerava ser necessário independentizar cada vez mais os orgãos locais da administração colonial em relação ao poder metropolitano devido à instabilidade política que então se vivia na metrópole e à finalidade emancipalista do processo colonial.

(…)

Na sua visão estratégica heterodoxa, a política colonial devia ser exercida em proveito da metrópole e das colónias, de modo a constituir-se uma unidade económica equilibrada, que se atenuaria com a emancipação das colónias mas sem se perderem completamente. É por esta razão que justificava o estímulo à cultura do algodão e do açúcar em Moçambique, tal como o sustentava também Alfredo Freire de Andrade, porque estas culturas beneficiavam tanto a metrópole como a colónia.

De facto, aconselhou que a política colonial seguisse uma doutrina administrativa coerente, proporcionando simultaneamente uma articulação entre o poder central e os orgãos das colónias e uma continuidade administrativa que independentizasse a máquina da administração colonial da instabilidade política que a República Parlamentar então vivia. Do seu ponto vista, só assim se poderia favorecer o desenvolvimento das colónias e das suas populações nativas.

Por outro lado, Brito Camacho foi um crítico contundente da excessiva burocracia da administração colonial, porque frisou a ineficácia do funcionamento do Estado Colonial que consumia desnecessariamente o erário público em requisitos burocráticos em vez de estimular o progresso da economia colonial. A seu ver, os vícios de que enfermava a administração colonial eram a falta de formação dos dirigentes dos serviços públicos e a excessiva papelada usada na resolução de problemas, sem que, na realidade, isto resultasse numa solução expedicta dinamizadora da vida e da economia coloniais. Queixava-se, também, de que a influência do Estado sobre a sociedade civil era insuficiente, requerendo para o efeito verbas mais avultadas de fomento económico-social, porque senão os orçamentos apenas serviam para sustentar as funções burocráticas dos Serviços Públicos.

Ao mesmo tempo, Brito Camacho lamentava que a Administração colonial em Moçambique não possuísse conhecimentos científicos sobre a realidade económica tutelada ( o contexto agrícola, silvícola e mineralógico ), porque não existiam investigações, nem documentos de informação fidedignos sobre o assunto. Por esta razão, os serviços administrativos eram ineficazes, uma vez que eram excassas as informações científicas sobre a realidade colonial. No fundo, opinava sobre a necessidade de tornar mais rigorosa a administração colonial alicerçando-a em múltiplos conhecimentos científicos relativos à realidade da colónia, referindo ser importante que os temas coloniais do território fossem introduzidos no ensino secundário com a finalidade de transmitir instrução útil aos futuros funcionários administrativos.

Sem dúvida que a experiência de Brito Camacho como Alto Comissário de Moçambique e as pressões anexionistas da África do Sul o terão levado a pensar que era inevitável a independência colonial de Moçambique (…). Evidentemente que a influência da África do Sul e o exemplo da independência egípcia de 1922 poderão ter impressionado o seu espírito de molde a considerar que a emancipação dos povos coloniais era uma fatalidade. Deste modo, provavelmente as influências que o inspiraram o sentimento de inevitabilidade da independência colonial foram os exemplos externos destes dois países e o grau de discriminação racial existente em Moçambique, que geraram uma vontade explícita de revolta das populações locais contra a dominação colonial.

As influências empíricas que sofreu neste cargo por parte das ambições anexionistas da África do Sul e da intenção retrógrada do tratamento opressivo dos indígenas da parte dos colonos fizeram-no pensar que a independência colonial seria uma inevitabilidade, fosse por processo de anexação desse vizinho poderoso ou por necessidade de definir uma nova plataforma de relacionamento entre os habitantes locais e os povoadores brancos.

Em resumo, foi a acção política de Brito Camacho como Alto Comissário que o levou a pensar que seria inevitável mais tarde ou mais cedo a independência de Moçambique, porque as ideias governativas moralizadoras que aí intentou implementar não singraram, visto que os interesses políticos dos colonos impediram-no através dos seus ódios que as suas políticas sociais beneméritas em relação ao grosso da população colonial prosperassem. Acreditava então que futuramente as populações nativas se revoltariam contra o processo subjugador dos colonos, impondo através da independência novas formas de relacionamento social entre autóctones e populações brancas.

Nuno Sotto Mayor Ferrão

Publicado original e integralmente, com notas acrescidas, no blogue Crónicas do Professor Ferrão

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Revolução Republicana de 5 de Outubro de 1910: os antecedentes imediatos, o acontecimento e algumas consequências

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Neste ano do Centenário da implantação da República Portuguesa (1910-2010) não podia deixar de evocar este magno e genésico acontecimento da História Contemporânea Nacional. Irei descrever um pouco sinteticamente os antecedentes imediatos, o acontecimento revolucionário e algumas das consequências mais importantes ao nível das rupturas do novo regime político.

A ditadura de João Franco (1906-1908), propulsora de medidas repressivas, levou a alastrar na sociedade portuguesa, a par do movimento de propaganda Republicana, uma dinâmica de insubmissão popular. A opressão exercida pelo Governo de João Franco suscitou de tal forma a animosidade dos revolucionários que marcaram a revolta Republicana para o dia 28 de Janeiro de 1908, que acabaria por afastá-lo da Presidência do Conselho de Ministros. De facto, a prepotência ditatorial de João Franco levou-o a reprimir a liberdade de imprensa e a aprisionar dirigentes e populares Republicanos, suspeitos de organizarem uma revolta política. Foi, com efeito, a ausência de plena liberdade durante este Governo que permitiu a associação de monárquicos dissidentes e de republicanos que encaravam a necessidade de uma Revolução, mesmo se perfilhassem ideais contrários, como solução de libertação dos opressivos grilhões da Ditadura de João Franco.

Assim, o descontentamento dos monárquicos dissidentes foi um factor que não se pode menosprezar como elemento potenciador da revolta face ao regime político desacreditado, isto é, a monarquia constitucional. Compreende-se, assim, que o movimento de conspiração e revolta contra a monarquia se tenha feito através da associação de elementos monárquicos dissidentes e de republicanos e da junção de armamento para o acto revolucionário. Esta conjugação de factores deu azo à primeira grande tentativa de revolta Republicana, em Portugal no século XX, a 28 de Janeiro de 1908. O Almirante Cândido dos Reis e o Escritor João Chagas foram alguns dos dirigentes revolucionários que tiveram um papel decisivo neste acontecimento e na revolução do 4-5 de Outubro de 1910. Na realidade, o insucesso daquela revolta ficou a dever-se à incapacidade de prender o Ditador João Franco e à prevenção das forças militares fiéis ao regime monárquico.

Foi o fracasso da revolta do 28 de Janeiro que induziu o aumento da repressão policial Franquista suscitando, por sua vez, o recrudescimento do ódio à Monarquia. Esta crescente animosidade desembocou no regicídio do rei D. Carlos e do príncipe herdeiro D. Luís Filipe a 1 de Fevereiro desse ano. Este homicídio do rei e do seu filho primogénito adveio do ambiente de hostilidade decorrente do Decreto Ministerial que autorizava a condenação à morte dos cidadãos politicamente insubordinados. Nesta dinâmica de destruição do regime monárquico, a Carbonária, como organização secreta revolucionária, nascida no país no fim do século XIX, a par do papel da Maçonaria na formação da elite dirigente, contribuíram de forma fundamental para armar as classes populares que apoiaram com êxito o movimento insurreccional de 4-5 de Outubro de 1910. Artur Luz de Almeida, António Maria Machado Santos e António Maria da Silva organizaram a acção revolucionária desta instituição secreta. Com efeito, a Carbonária proporcionou a expansão da doutrina Republicana, através da propaganda, e a minuciosa organização da sublevação popular e militar. Por último, cumpre referir que a acção desta organização estimulou os mecanismos repressivos policiais da Ditadura de João Franco.

Deste modo, a Carbonária preparou a acção revolucionária com o fabrico de bombas e o seu detonamento em diversas ocasiões na cidade de Lisboa. Neste contexto de agitação social, importa investigar uma questão que parece não ter sido formulada pela historiografia portuguesa, de forma clara: em que medida o ambiente de violência desta Associação Secreta, antes da Revolução de 1910, e o facto de muitos populares estarem armados, não favoreceu a instabilidade civil da 1ª República? Houve, posteriormente, um particular cuidado em garantir o êxito de uma nova tentativa revolucionária, após várias tentativas goradas desde o fim do século XIX e início do século XX. Neste sentido, a Carbonária interligou-se com os grandes dirigentes do Partido Republicano e João Chagas, Afonso Costa e António José de Almeida ficaram a liderar a organização revolucionária das operações de insurreição do 4-5 de Outubro. Devido a este factor, e a outro que iremos referir de seguida, surgiu uma dinâmica nova nos preparativos revolucionários. Durante o Governo liderado por António Teixeira de Sousa, de 26 de Junho a 4 de Outubro de 1910, menos opressivo nos processos de controlo aos Republicanos, a propaganda revolucionária teve oportunidade de se intensificar.

Vários momentos foram estabelecidos para o desencadear das operações revolucionárias, designadamente a 28 de Janeiro de 1908, como já referimos, e a 15 de Julho de 1910 que acabou por ser adiada. Foi, então, a 4-5 de Outubro de 1910 que se despoletou a Revolução que implantou em Portugal o regime político Republicano. Um leque de factores conjugou-se para que esta singrasse. Em particular, devemos referir o papel conjunto da Maçonaria, da Carbonária e do Directório Republicano e de muitos militares que tomaram parte na minuciosa preparação da sublevação contra o regime monárquico. No entanto, não podemos esquecer que o peso da adesão popular ao “movimento de libertação” do jugo à Casa Real foi decisivo no resultado do processo revolucionário.

Esta Revolução foi aprazada dois dias antes do seu início. Assim, numa reunião de militares Republicanos a 2 de Outubro no consultório do Dr. Eusébio Leão estabeleceu-se o começo da insurreição, bem como o respectivo plano de sublevação, para o dia 4. Entretanto, o médico e dirigente Republicano, Miguel Bombarda foi assassinado por um doente, do ramo militar, a 3 de Outubro, a quem tinha dado “alta psiquiátrica” após um internamento. Esta vítima, do clima de tensão, ainda teve oportunidade de eliminar, antes de falecer, alguns documentos da Revolução aprazada para que não existissem pistas para as autoridades do movimento insurreccional que se preparava. Contudo, este homicídio suscitou a fúria revolucionária dos populares convencidos da eventual motivação política deste sangrento acontecimento.

A 4 de Outubro sucedeu alguma desorientação nas operações revolucionárias que geraram o desânimo nas hostes Republicanas. Por conseguinte, os primeiros momentos da Revolução foram de algum desalento e de alguma insegurança nos contingentes revoltosos devido ao facto do plano traçado não se ter cumprido na íntegra. Nessa madrugada, já as operações decorriam, apoderou-se dos dirigentes Republicanos uma enorme descrença por causa da falta de comunicação entre os grupos estratégicos das diferentes ofensivas revolucionárias, no entanto as camadas populares revoltosas entusiasmaram-se em Lisboa com o espírito revolucionário. Dentro deste espírito de vitória acantonaram-se na Rotunda, em Lisboa - epicentro do fenómeno revolucionário, as forças insurrectas, tendo-se reunido militares e civis sob o comando do comissário naval Machado Santos. No momento em que muitos dirigentes da revolução recearam o insucesso do movimento insurreccional, este líder manteve um ânimo inabalável, a que se juntou a força moral dos elementos civis que garantiram o local como reduto de defesa do ideal Republicano. Este factor de resistência anímica foi decisivo, porque após a decepção de muitos dirigentes, perante o incumprimento do plano revolucionário traçado, alguns militares de mais altas patentes abandonaram a Rotunda, mas os militares subalternos pediram nessa ocasião a sua liderança das hostes revolucionárias aí estacionadas.

Na capital, os Republicanos tomaram pontos militares estratégicos e iniciaram escaramuças sangrentas entre os seus contingentes e as tropas fiéis à Monarquia, designadamente a Guarda Municipal. Desta maneira, a Revolução durou desde a madrugada de 4 de Outubro, altura em que começaram as movimentações dos contingentes de insurreição, até ao início da manhã de 5 de Outubro em que foi proclamada a implantação da República.

No momento em que a descrença atinge a alma dos Revolucionários, o Almirante Cândido dos Reis suicida-se e as forças de defesa da Rotunda resistem dando continuidade ao combate pelo ideal de um novo regime. Acontece que este marinheiro ficou convencido que a Revolução tinha fracassado, porque as etapas do plano de insurreição agendadas falharam e acabou por sobrevalorizar informações avulsas que o fizeram temer o insucesso das operações militares. Na realidade, do Plano Revolucionário delineado fazia parte o controlo da Rotunda, o posicionamento ofensivo de navios militares no rio Tejo e o assalto ao Palácio das Necessidades onde se encontrava o rei D. Manuel II. Convém sublinhar que foi a falta de comunicação dos dirigentes da sublevação e o incumprimento deste Plano, por acção imprevista das hostes defensoras da monarquia, que suscitaram a descrença dos elementos revolucionários.

Entretanto, os navios tomados pelos revolucionários no rio Tejo bombardearam o Palácio Real das Necessidades, obrigando o monarca D. Manuel II a fugir para o Palácio Real de Mafra. De seguida, a restante família real refugiou-se, também, em Mafra, mas tendo recebido notícias do êxito revolucionário, na manhã de 5 de Outubro, embarcou no porto piscatório da Ericeira para fugir do país. Ao nível das operações militares, o indefectível monárquico Henrique Paiva Couceiro dirigiu o ataque à guarnição revolucionária da Rotunda, sem sucesso, e posteriormente por instrução superior recebida colocou-se com os seus soldados na Baixa Pombalina para garantir a defesa de um eventual desembarque de marinheiros revoltados que quisessem apoderar-se dos edifícios-sede do poder político. Todavia, o desenlace militar da Revolução pendeu a favor dos contingentes insubmissos, porque as tropas monárquicas estacionadas no Rossio acabam por ser comprimidas entre as forças Republicanas da Rotunda e as forças navais do rio Tejo. É, contudo, de referir que os elementos civis postados ao lado dos revoltosos contribuíram decisivamente para a vitória Republicana. No decorrer dos confrontos armados que duraram várias horas foram concedidas tréguas, a pedido do Embaixador Alemão, para a saída de alguns estrangeiros assustados com o ambiente de instabilidade civil que se vivia.

Por fim, na manhã de 5 de Outubro as forças Revolucionárias tomaram diversos pontos militares estratégicos da capital do país e José Relvas proclama da varanda da Câmara Municipal de Lisboa a instauração do regime Republicano e a formação imediata de um Governo Provisório liderado por Joaquim Teófilo Braga.

Esta Revolução teve importantes consequências institucionais decorrentes da estruturação do regime Republicano e sociais procedentes das conflitualidades latentes que se arrastaram durante a 1ª República (1910-1926). Com efeito, com o novo regime Republicano surgiram novos símbolos (o Hino “A Portuguesa”, a moeda denominada “Escudo” e a actual bandeira nacional) que pretenderam corporizar o ideal de uma vida nova da Pátria Portuguesa através da reestruturação dos poderes soberanos do Estado. Nos primeiros meses do novo regime esta transformação foi sendo tecida pela nova classe política, constitucionalmente, alcandorando-se a máximo representante do Estado o Presidente da República, mas fazendo-o depender do Parlamento bicamarário. Por sua vez, o Estado tornou-se Laico, em 1911 com a Lei da Separação do Estado e da Igreja, que levou a um recrudescimento do ódio anticlerical que podemos imaginar como semelhante àquele que o prodigioso escritor Graham Greene retratou com brilhantismo, no romance histórico “O Poder e a Glória”, a propósito da perseguição dum padre Católico por parte da República no México nos anos 20 do século passado.

Em termos de balanço sucinto da 1ª República (1910-1926), pois uma análise mais aprofundada deste período exigirá a indispensável consulta da Historiografia que está a receber novas actualizações a propósito da Comemoração deste magno acontecimento pátrio, diremos que esta realidade histórica se afigura complexa pelos progressos gerados que se conjugaram com alguns constrangimentos sociais. Cumpre, no entanto, destacar algumas linhas de força que moldaram o semblante reformista deste período. Em primeiro lugar, teve uma crucial importância a profundidade da política educativa que instituiu o Ensino Primário obrigatório para combater o analfabetismo que grassava na sociedade portuguesa, ao mesmo tempo que se expandiu a estrutura do Ensino Superior no país. Em segundo lugar, como é sabido, a instauração do regime Parlamentarista desencadeou uma instabilidade política que foi dominante neste período. Em terceiro lugar, foram também decisivas as medidas sociais tomadas a favor dos Trabalhadores, designadamente do Direito à Greve que deu origem a um uso excessivo por falta de consciência cívica da população, mas o espírito Civilizacional que lhe esteve subjacente moldou este regime e devia ser factor de inspiração do actual que está a ser despojado da sua identidade autenticamente democrática. Esperemos que este momento comemorativo da implantação da República sirva para que o passado, recordado e celebrado, nos ilumine este presente incerto modelado por uma Globalização desregrada rumo a um futuro melhor e mais justo.

Nuno Sotto Mayor Ferrão
Publicado originalmente e com notas acrescidas em:
Crónicas do Professor Ferrão.

domingo, 3 de outubro de 2010

Guerra Junqueiro (1850-1923), arauto do ideal Republicano no contexto da crise patriótica do fim da Monarquia

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Abílio Manuel de Guerra Junqueiro (1850-1923) nasceu em Freixo de Espada-à-Cinta, em meados do século XIX, do casamento entre José António Junqueiro Júnior e Ana Guerra, abastados proprietários rurais da região. O jovem Abílio, após uma formação incompleta no Curso de Teologia, acaba por tirar o diploma do Curso de Direito em Coimbra. Ingressou, de seguida no funcionalismo público e tornou-se mais tarde, episodicamente, político, mas veio a ganhar fama como escritor.

Alcançou grande notoriedade pública como poeta que instigou o ódio antimonárquico e anticlerical, tendo potenciado o ambiente revolucionário que desembocou na implantação da República em 5 de Outubro de 1910. Em Coimbra, no eclético ambiente das tertúlias académicas alargou a sua mundividência, integrando o grupo de intelectuais da Geração de 70 que ficou conhecido como “Vencidos da Vida”. Neste viçoso ambiente, da intelectualidade Coimbrã, cedo começou afirmar-se como um promissor poeta e como um encarniçado Republicano.

Em 1873 escreveu um poema de elogio à República Espanhola denominado “À Espanha livre”. Na sequência do Ultimato inglês, de 11 de Janeiro de 1890, encolerizado com a cedência da Monarquia portuguesa aos interesses ingleses que abortaram o sonhado projecto colonial do mapa cor-de-rosa de unir os territórios da costa ocidental de Angola à contra-costa Moçambicana, publicou o opúsculo “Finis Patriae” (1890) que pela popularidade que alcançou exacerbou a descrença popular nas instituições da Monarquia Constitucional. Em reconhecimento dos seus serviços, em prol do ideal Republicano, foi nomeado em 1910 Ministro Plenipotenciário da República Portuguesa na Confederação Suíça, função que ocupou até 1914.

Alcançou um extraordinário êxito literário com o poema “A morte de D. João” (1874) que foi alvo de apreciação crítica por parte de grandes escritores como Joaquim Pedro de Oliveira Martins ou Camilo Castelo Branco. Tornou-se tradutor dos contos infantis de Hans Christian Anderson, que certamente terá influenciado a sua escrita fortemente sentimental. Com a obra, satírica e lírica, intitulada “A velhice do Padre Eterno” (1885) abriu uma acesa polémica anticlerical que enraiveceu as hostes monárquicas e eclesiásticas para gáudio dos Republicanos que o ergueram em arauto da sua Causa.

Em 1892 publicou o livro “Os Simples” em que exaltou os mais desfavorecidos da sociedade, as pessoas humildes e os camponeses, numa cadência lírica em homenagem aos corações mais genuínos dos seus conterrâneos Freixenistas que viviam da lavoura. O seu prestígio literário rompeu fronteiras, pois algumas das suas obras encontram-se traduzidas em diversas línguas. No momento em que celebramos o Centenário da implantação da República não quis deixar de evocar um dos grandes vultos da Cultura Portuguesa que mais contribuiu para a galvanização popular a favor do regime Republicano na transição do século XIX para o XX.

Nuno Sotto Mayor Ferrão
Publicado originalmente e com notas acrescidas em:
Crónicas do Professor Ferrão.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Brito Camacho (1862-1934), breves considerações históricas de um político e intelectual Republicano

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Manuel de Brito Camacho (1862-1934) foi um homem de múltiplas e invulgares facetas sociais como médico-militar, jornalista, político, publicista e escritor. Começou a sua formação superior em Medicina, mas cedo percebeu a importância da sensibilidade cívica para garantir maiores padrões de justiça social, daí decorreu a sua preocupação em formar uma opinião pública sólida que o levou ao exercício do poder político como deputado e ministro Republicano, tendo contribuído para a implantação da República em 5 de Outubro de 1910. No fim da sua vida dando liberdade à sua sensibilidade humanista escreveu e publicou ensaios e contos.

Nasceu em Aljustrel a 12 de Fevereiro de 1862 no seio de uma família de camponeses remediados. Fez os primeiros estudos nesta povoação Alentejana e seguiu com estudos secundários no Liceu de Beja. Em Lisboa seguiu os estudos superiores de Medicina ingressando na Escola Médico-Cirúrgica em 1885. Em 1902-1903 esteve a estudar Medicina na Universidade de Paris para se candidatar a Professor da Escola Médica, mas abandona este seu projecto por motivações políticas que o levam a entusiasmar-se com a crítica jornalística ao regime Monárquico.
(...)
A sua afirmação como líder político ocorreu em 1888 ao tornar-se Presidente da Associação Académica de Lisboa. Assim, desde cedo revelou as suas convicções Republicanas, tendo-se tornado membro e dirigente do Partido Republicano Português nos anos finais do século XIX. Colaborou em vários jornais Republicanos, dirigindo designadamente o periódico “O intransigente” (1894-1895), que o catapultou para a carreira política tornando-se deputado desta causa, atacando os erros e vícios do regime monárquico (os aditamentos à Casa Real, a greve académica de 1907 de contestação ao Governo de João Franco, a questão religiosa, etc.), nos anos finais do século XIX e início do século XX.

A sua divergência ideológica com Afonso Costa e a hegemonia e radicalismo deste no Partido Republicano Português estimulou-o, já no novo regime Republicano, à fundação do Partido Unionista, também designado por União Republicana, em 1912, de que foi o principal mentor e dirigente. Deste modo, pretendeu com esta organização partidária opor-se à hegemonia da facção de Afonso Costa que se transmutou em Partido Democrático. Nesta qualidade ajudou à constituição de diversos Governos de coligação nos anos de 1912 e 1913 e sustentou uma polémica oposição à entrada de Portugal na 1ª Guerra Mundial (1916), nos termos defendidos por Afonso Costa, defendendo apenas uma política minimalista de defesa militar das colónias.

Distinguiu-se na vida social portuguesa ao fundar e dirigir desde 1906 em Lisboa o importante jornal Republicano “A Lucta” que muito contribuiu para o desgaste da política monárquica. Neste papel de oposicionista ao antigo regime político foi um dos principais conspiradores e participantes na Revolução de 5 de Outubro de 1910 que instaurou em Portugal o regime Republicano, do qual comemoramos este ano o centenário. Neste novo regime irá exercer importantes funções políticas como ministro do Fomento, em 1910-1911, no Governo Provisório, onde subscreveu a lei de separação do Estado e da Igreja e como deputado por Beja nos anos de 1911, 1915,1919,1921 e 1922.

Brito Camacho como Ministro do Fomento revelou uma especial preocupação com o estímulo do ensino técnico por considerá-lo como fundamental para o progresso económico do país. A sua acção ministerial concedeu, também, um grande relevo à promoção do crédito agrícola e dos meios de transporte. Em 1911 reformou o Instituto de Agronomia e Veterinária subdividindo-o em Instituto Superior de Agronomia e Escola Superior de Medicina Veterinária e, concomitantemente, instituiu os títulos de engenheiro agrónomo e engenheiro silvicultor[3]. A 23 de Maio deste ano desmembrou o existente Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, de nível secundário, e transformou-o simultaneamente em duas instituições de ensino superior que ganharam a designação de Instituto Superior Técnico e de Instituto Superior de Comércio. Para a instalação do Instituto Superior Técnico convidou o Professor Doutor Alfredo Bensaúde que foi responsável pela organização dos primeiros cursos de especialização em Engenharia.

Em 1987 o Presidente da República, Mário Soares, numa pequena homenagem, colocou uma lápide comemorativa na casa de Aljustrel onde Brito Camacho viveu algumas temporadas. A alma rural Alentejana paira na sua obra literária, quer nos seus livros africanistas onde as comparações implícitas entre o Alentejo e a África são frequentes, quer nos seus livros de narrativas de quadros rurais desta região portuguesa. A importância desta característica regionalista na sua obra literária foi bem evidenciada no estudo que sobre ele fez Aquilino Ribeiro intitulado “Brito Camacho nas Letras e no Seu Monte”.
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Atribuía uma dignidade humana às populações autóctones das colónias africanas pouco vulgar à mentalidade da maioria dos colonialistas, talvez pela acuidade da sua sensibilidade humanista. Considerava as populações nativas não como inferiores do ponto de vista genético, como era preconceito fazê-lo na altura, mas procedentes de um quadro Civilizacional que se encontrava num patamar inferior. Por conseguinte, considerava que o espírito civilizador estava mal orientado ao impor aos nativos africanos o modelo Civilizacional Ocidental, sustentando, ao invés, haver necessidade de estudar antropologicamente estas populações para que os funcionários da administração colonial tivessem conhecimento dos seus costumes e das suas línguas. Esta visão colonialista de Brito Camacho era, na época, profundamente progressista.

Brito Camacho regressado de Moçambique em 1924, após o exercício da sua função de Alto-comissário da República com plenos poderes, fez um balanço da sua percepção colonialista numa Conferência feita em Lisboa que foi postumamente publicada. Afirma, de forma invulgar no panorama político português da época, que as relações entre a Metrópole e as colónias deviam prever e preparar a emancipação destes territórios, defendendo que o princípio descentralizador da administração colonial era contrário à exploração colonial, o que, aliás, em termos laborais lhe causou muito dissabores em Moçambique.
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Publicado originalmente de forma integral e com notas acrescidas em
Crónicas do Professor Ferrão.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

A crise de valores (1914-2010), breves considerações sobre o relativismo ético na História Contemporânea – pequeno ensaio de Filosofia da História

No início da década de 1920 Paul Valéry, consagrado intelectual francês, já nos dava conta da descrença nos valores morais tradicionais, que coincidiu com o fim da hegemonia política e económica da Europa no mundo, ao dizer: “(…) a nossa geração (…) assistiu também à negação brutal das nossas ideias mais evidentes. (…) Já não podemos então confiar no Saber e no Dever ? (…)” . Desde a conjuntura histórica entre as duas grandes guerras (1914-1945) que os valores tradicionais das elites sociais ( do trabalho, do esforço, da família, da pátria, da autoridade, etc ) começaram a ser questionados sob o trauma da 1ª Guerra Mundial. Em Portugal, a crise de valores começou a manifestar-se com a 1ª República e só reemergiu, após a interrupção autoritária do Estado Novo, com o regime do pós-25 de Abril de 1974 .

As duas Guerras Mundiais (1914-1918 e 1939-1945) provocaram uma carnificina sem precedentes que desmoralizaram os países Europeus. O Existencialismo apareceu como resposta de libertação individual face a todas as ideologias fechadas e totalitárias, tendo desencadeado o fatal colapso da noção de “essência” e dos valores nucleares da tradição. De acordo com o Existencialista cada indivíduo deveria pela sua individualidade realizar-se pelo seu próprio projecto pessoal.

O paradigma americano do sucesso baseado na filosofia do pragmatismo de William James e no utilitarismo de John Stuart Mill enfatizou a ética da força em particular na 2ª Guerra Mundial e no pós-guerra, uma vez que no tempo do Presidente Woodrow Wilson ainda prevalecia na administração norte-americana algum idealismo ético. Deste modo, o modelo da ética grega baseada nas outras virtudes cardeais (a prudência, a justiça e a temperança) acabou por ser, parcialmente, abandonado, não obstante os esforços Europeus para concretizarem um modelo alternativo, através da Comunidade Económica Europeia/União Europeia, sonhado por Jean Monnet e Robert Schuman.

Nas sociedades contemporâneas emergiu a tendência nefasta dos cidadãos reclamarem os seus Direitos, com anuência dos poderes instalados, e os Deveres serem simplesmente esquecidos. Daí que noções fundamentais, como a seriedade, a honra, a honestidade, no quadro destes novos valores acabaram por cair em desuso.

Outro problema central no contexto da Globalização é o peso tentacular dos meandros do narcotráfico que proliferam nos países mais pobres e se infiltram nos países mais desenvolvidos, como apetecíveis mercados de consumo .

Por sua vez, a violência tornou-se, nos nossos dias, a linguagem que se banaliza nas ruas, nas escolas, nas televisões, porque se assume a força como valor ético ao serviço do pragmatismo. Maquiavel, nas suas recomendações principescas , deu conselhos muito similares… Com efeito, a criminalidade tem aumentado, o “bullying” prospera, a guerra esfacela meio mundo e a ética, cristã ou iluminista, do “amor ao próximo” (ou da fraternidade) “anda pelas ruas da amargura”.

O terrorismo é uma face da maldade que se espraia como forma de protesto atentando contra o bem supremo da vida humana. Aliás, as relações internacionais nesta conjuntura histórica, após a queda do muro de Berlim até ao presente (1989-2010), caracterizam-se ainda pela anomia ética e pela extrema debilidade da eficaz intervenção da ONU que potenciaram o fenómeno terrorista e a resposta neoconservadora da administração de G. W. Bush baseada no pensamento estratégico, militarista, do ideólogo Paul Wolfowitz.

Por outro lado, o Estado - Providência entrou em crise por razões financeiras fazendo lembrar a tese Malthusiana da escassez dos recursos face ao exagerado crescimento demográfico mundial. Desta forma, os Estados tornam-se, cada vez mais, na conjuntura da Globalização e da desenfreada Liberalização Económica, incapazes de se garantirem como protectores dos desfavorecidos da “fortuna”.

É, igualmente, em parte, esta insuficiência de recursos financeiros associada à destruição dos valores tradicionais ligados às responsabilidades, aos deveres e ao trabalho que acaba por descredibilizar as instituições Estatais da Justiça e da Educação, a nível internacional e nacional . Não obstante, serem estes os bastiões que podem garantir a implementação de uma ética de bondade, de generosidade, de prudência, de moderação, etc. Sem recursos financeiros para estas duas áreas fundamentais do Estado Social e sem uma acrescida consciência dos deveres por parte dos cidadãos não haverá possibilidade de ultrapassar este impasse que se vive.

A presente fase histórica, no início do século XXI, de um mundo desregulado do ponto de vista da ética financeira fez crescerem a fraude fiscal e os mecanismos de especulação sobre os próprios Estados pseudo-desenvolvidos. Houve um desenvolvimento demasiado rápido rumo a ‘mundo novo’, tal como nos predizia Aldous Huxley em 1932 , que conduziria a cidadãos despojados de qualquer consciência moral. Estamos, assim, num impasse Civilizacional, porque o mundo não consegue fazer cumprir os Direitos Humanos por incapacidade prática da ONU e dos Estadistas não terem criado ainda organismos verdadeiramente eficazes no plano internacional para uma acção de supervisão, enquanto os grandes financeiros, astuciosamente, souberam manietar os detentores do poder político. No declínio do império romano a decadência moral não era muito diferente…

Um dos valores, actuais, que mais prejudicam a coesão social é o individualismo e a excessiva competitividade que têm tornado as pessoas mais egoístas e gananciosas. Enquanto este funesto paradigma mental passar por uma sociedade Global de modelo capitalista, sem restrições, no encalço dos ensinamentos de Milton Friedman , as injustiças sociais serão recrudescentes.

Ao mesmo tempo, o alucinante ritmo das mudanças tecnológicas têm conduzido a uma vida frenética com efectiva perda de qualidade de vida dos cidadãos, ao ponto da actual “Expo 2010” realizada em Xangai ter como tema esta incontornável questão. Este é um dos preços a pagar pela aposta excessiva na aceleração tecnológica que dando maiores margens de lucro às empresas multinacionais estimula o consumismo, o que tem levado à crescente importância do valor “ter” (materialismo) sobre o valor “ser” (espiritualismo/humanismo), daí que como compensação deste desequilíbrio humano, em particular, nas sociedades do Ocidente se importem do Oriente saberes espirituais milenares (o ioga, as medicinas alternativas, as massagens, as acupuncturas, o budismo, etc.) que têm ganho muitos adeptos nos desestruturados trabalhadores do capitalismo desregrado (na figura do “Workaholic”).

A crise de valores procede do relativismo ético que acredita na impossibilidade de se encontrarem verdades absolutas, tendo o grande sociólogo Max Weber sido um dos responsáveis por esta concepção intelectual na obra “Ensaios sobre a teoria das ciências” tal como nos afirma Raymon Aron: “(…) em Max Weber, subsiste uma diferença fundamental entre a ordem da ciência e a ordem dos valores. A essência da primeira é a submissão da consciência aos factos e às provas, a essência da segunda é a livre escolha e a livre afirmação. Ninguém pode por meio de uma demonstração ser levado a reconhecer um valor ao qual não adira. (…)”.

Em suma, a pintura do mestre, Renascentista, Rafael Sanzio na “Stanza della Segnatura”, no Vaticano, evoca-nos nessa abóbada, que nos obriga a olhar para cima, as quatro virtudes cardeais (a justiça, a temperança, a fortaleza e a prudência) que devem moldar o espírito dos honrados cidadãos e das sociedades justas. Contudo, a virtude da força deve ser encarada como manifestação endógena. Por conseguinte, sem a recuperação empírica por parte das sociedades contemporâneas desta orientação espiritual, que os Gregos nos legaram, o mundo decairá no abismo profundo da inércia ética.

Nuno Sotto Mayor Ferrão
Publicado originalmente e com notas acrescidas em:

Nota: Pintura das quatro virtudes cardeais do artista do Renascimento “Rafael Sanzio” na Stanza della Segnatura Vaticano

sábado, 6 de março de 2010

Breves considerações sobre o centenário da revista A Águia, no nº 5 da Revista Cultural Nova Águia

A Revista A Águia tendo aparecido em 1910 assumiu-se como uma das mais emblemáticas revistas culturais do início do século XX na sociedade portuguesa. Foram seus colaboradores algumas das mais relevantes figuras da nossa intelectualidade lusitana, como sejam: o escritor Teixeira de Pascoaes, o historiador Jaime Cortesão, o escritor Raul Proença, o pensador Leonardo Coimbra, o pensador António Sérgio, o poeta Fernando Pessoa, o pensador Agostinho da Silva, entre muitos outros notáveis escritores e artistas.

O número 5 que está para sair da Revista Nova Águia na próxima semana recolhe ensaios, estudos e poemas de variadíssimos colaboradores em volta do centenário d’ A Águia e da actual realidade cultural do nosso país. Tenho o prazer de colaborar neste número com um pequeno ensaio que estou certo, passe a soberba, agradará à maioria dos leitores! Em relação aos outros leitores, cá estará este espaço de interactividade para dizerem de vossa justiça… Entretanto, fica no “segredo dos deuses”, ou dos mais curiosos, o título do meu artigo deste número.

Para os mais sedentos de pormenores, posso deixar o endereço do blogue da Revista Nova Águia onde podem tirar as primeiras dúvidas: www.novaaguia.blogspot.com . No entanto, uma clarificação mais substantiva do papel histórico e da invulgar inspiração da revista A Águia só poderá ser, cabalmente, esclarecida com a leitura da revista que vai sair neste início de Março. Evocar esta incontornável revista fruto do criativo génio lusitano no ano do Centenário da República ( www.centenariorepublica.pt ) permite-nos compreender melhor a conjuntura intelectual que acompanhou a vida do novo regime político e as suas diversas vicissitudes.

Os primeiros lançamentos irão decorrer na semana que se avizinha: no Porto, na terça-feira 9 de Março às 18 horas e 30 minutos, no Palacete Viscondes de Balsemão e em Lisboa, na sexta-feira 12 de Março às dezassete horas e trinta minutos, no Palácio da Independência, num significativo simbolismo de forte matriz cultural identitária. Os trabalhos nestas sessões de lançamento contarão com a presença dinamizadora de Fernando Guimarães, José Carlos Seabra Pereira e Pedro Baptista, no Porto, e de António Braz Teixeira, Manuel Ferreira Patrício e Pinharanda Gomes, em Lisboa.

A vivacidade da revista cultural A Águia no tempo da 1ª República patenteia-se, como veremos, numa leitura mais aprofundada do meu texto e em muitos trabalhos dos outros colaboradores, no grande engenho criativo da alma portuguesa. São, deste modo, trazidas para a opinião pública ideias novas, e bem originais, em muitos ensaios e em muitos voos poéticos, desta nobre e vigilante ave, que revitalizam o espírito adormecido e céptico de muitos portugueses (é bastante interesse verificar, esta imagem preconceituosa que perpassa a mentalidade portuguesa contemporânea, veja-se o pertinente texto, de reflexão do Embaixador Francisco Seixas da Costa, sobre a forma como os portugueses e os estrangeiros nos olham intitulado “Tristeza” de 5 de Março de 2010 no blogue “Duas ou três coisas – Notas pouco diárias do Embaixador Português em França www.duas-ou-tres.blogspot.com ).

Vale a pena ler, sem dúvida, o novo número da Revista Nova Águia como tem valido a pena ler os números anteriores pela qualidade das temáticas, pela metodologia criteriosa dos seus organizadores e pela inspiração, sagacidade e lucidez intelectual dos seus autores.

Nuno Sotto Mayor Ferrão
Publicado originalmente em: www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt