Entre 1922 e 1926 circulou em Moçambique entre grupos de colonos a ideia de que seria vantajoso para efeitos de uma mais eficaz exploração da mão-de-obra nativa que a colónia se tornasse independente, tendo havido inclusivamente um projecto de Constituição para o futuro território emancipado. Por outro lado, esta colónia era muito mais dependente economicamente da União Sul Africana, com a qual mantinha intensas relações comerciais e sociais, do que da metrópole. Deste modo, se a administração colonial portuguesa era pouco expedita, se havia insatisfação com as medidas tomadas pelos delegados do poder metropolitano, como foi o caso do Alto-Comissário Manuel de Brito Camacho, e se os colonos percebiam que se assumissem as rédeas governativas lhes seria mais fácil a exploração do trabalho nativa torna-se fácil compreender que nesta fase politicamente mais liberal se tenham difundido nesta colónia as teses emancipalistas.
Manuel de Brito Camacho após ter exercido o cargo de Alto Comissário em Moçambique, numa conferência proferida em 1924, argumentou que a descentralização administrativa era o caminho inevitável para a emancipação das colónias, que aliás se constituía como o fim desejável de qualquer sistema colonial, o que era uma tese inaceitável à luz da posição oficial do Estado português que pressupunha a inalienabilidade dos territórios coloniais.
Este intelectual e político considerava impossível manter a soberania da metrópole nas colónias, por tempo indeterminado por ser uma inegável injustiça, defendendo como alternativa que se investisse na unidade económica entre a metrópole e as colónias e na descentralização administrativa no sentido de se possibilitar o desenvolvimento colonial, com o intuito de pôr fim à exploração desonesta das colónias e ao menosprezo pela civilização das populações nativas. Camacho considerava ser necessário independentizar cada vez mais os orgãos locais da administração colonial em relação ao poder metropolitano devido à instabilidade política que então se vivia na metrópole e à finalidade emancipalista do processo colonial.
(…)
Na sua visão estratégica heterodoxa, a política colonial devia ser exercida em proveito da metrópole e das colónias, de modo a constituir-se uma unidade económica equilibrada, que se atenuaria com a emancipação das colónias mas sem se perderem completamente. É por esta razão que justificava o estímulo à cultura do algodão e do açúcar em Moçambique, tal como o sustentava também Alfredo Freire de Andrade, porque estas culturas beneficiavam tanto a metrópole como a colónia.
De facto, aconselhou que a política colonial seguisse uma doutrina administrativa coerente, proporcionando simultaneamente uma articulação entre o poder central e os orgãos das colónias e uma continuidade administrativa que independentizasse a máquina da administração colonial da instabilidade política que a República Parlamentar então vivia. Do seu ponto vista, só assim se poderia favorecer o desenvolvimento das colónias e das suas populações nativas.
Por outro lado, Brito Camacho foi um crítico contundente da excessiva burocracia da administração colonial, porque frisou a ineficácia do funcionamento do Estado Colonial que consumia desnecessariamente o erário público em requisitos burocráticos em vez de estimular o progresso da economia colonial. A seu ver, os vícios de que enfermava a administração colonial eram a falta de formação dos dirigentes dos serviços públicos e a excessiva papelada usada na resolução de problemas, sem que, na realidade, isto resultasse numa solução expedicta dinamizadora da vida e da economia coloniais. Queixava-se, também, de que a influência do Estado sobre a sociedade civil era insuficiente, requerendo para o efeito verbas mais avultadas de fomento económico-social, porque senão os orçamentos apenas serviam para sustentar as funções burocráticas dos Serviços Públicos.
Ao mesmo tempo, Brito Camacho lamentava que a Administração colonial em Moçambique não possuísse conhecimentos científicos sobre a realidade económica tutelada ( o contexto agrícola, silvícola e mineralógico ), porque não existiam investigações, nem documentos de informação fidedignos sobre o assunto. Por esta razão, os serviços administrativos eram ineficazes, uma vez que eram excassas as informações científicas sobre a realidade colonial. No fundo, opinava sobre a necessidade de tornar mais rigorosa a administração colonial alicerçando-a em múltiplos conhecimentos científicos relativos à realidade da colónia, referindo ser importante que os temas coloniais do território fossem introduzidos no ensino secundário com a finalidade de transmitir instrução útil aos futuros funcionários administrativos.
Sem dúvida que a experiência de Brito Camacho como Alto Comissário de Moçambique e as pressões anexionistas da África do Sul o terão levado a pensar que era inevitável a independência colonial de Moçambique (…). Evidentemente que a influência da África do Sul e o exemplo da independência egípcia de 1922 poderão ter impressionado o seu espírito de molde a considerar que a emancipação dos povos coloniais era uma fatalidade. Deste modo, provavelmente as influências que o inspiraram o sentimento de inevitabilidade da independência colonial foram os exemplos externos destes dois países e o grau de discriminação racial existente em Moçambique, que geraram uma vontade explícita de revolta das populações locais contra a dominação colonial.
As influências empíricas que sofreu neste cargo por parte das ambições anexionistas da África do Sul e da intenção retrógrada do tratamento opressivo dos indígenas da parte dos colonos fizeram-no pensar que a independência colonial seria uma inevitabilidade, fosse por processo de anexação desse vizinho poderoso ou por necessidade de definir uma nova plataforma de relacionamento entre os habitantes locais e os povoadores brancos.
Em resumo, foi a acção política de Brito Camacho como Alto Comissário que o levou a pensar que seria inevitável mais tarde ou mais cedo a independência de Moçambique, porque as ideias governativas moralizadoras que aí intentou implementar não singraram, visto que os interesses políticos dos colonos impediram-no através dos seus ódios que as suas políticas sociais beneméritas em relação ao grosso da população colonial prosperassem. Acreditava então que futuramente as populações nativas se revoltariam contra o processo subjugador dos colonos, impondo através da independência novas formas de relacionamento social entre autóctones e populações brancas.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
Publicado original e integralmente, com notas acrescidas, no blogue Crónicas do Professor Ferrão
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