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MIL: Movimento Internacional Lusófono | Nova Águia


Apoiado por muitas das mais relevantes personalidades da nossa sociedade civil, o MIL é um movimento cultural e cívico registado notarialmente no dia quinze de Outubro de 2010, que conta já com mais de uma centena de milhares de adesões de todos os países e regiões do espaço lusófono. Entre os nossos órgãos, eleitos em Assembleia Geral, inclui-se um Conselho Consultivo, constituído por mais de meia centena de pessoas, representando todo o espaço da lusofonia. Defendemos o reforço dos laços entre os países e regiões do espaço lusófono – a todos os níveis: cultural, social, económico e político –, assim procurando cumprir o sonho de Agostinho da Silva: a criação de uma verdadeira comunidade lusófona, numa base de liberdade e fraternidade.
SEDE: Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa)
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NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI

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Desde 2008"a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".

Colecção Nova Águia: https://www.zefiro.pt/category/zefiro-nova-aguia

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"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

Nenhuma direita se salvará se não for de esquerda no social e no económico; o mesmo para a esquerda, se não for de direita no histórico e no metafísico (in Caderno Três, inédito)

A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo (in Cortina 1, inédito)

Agostinho da Silva
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domingo, 12 de setembro de 2010

A Alimentação a Bordo dos Navios Bacalhoeiros




Comia-se bem, a bordo do navio-hospital Gil Eannes, no final da década de 60. As refeições dos oficiais consistiam em sopa, prato de peixe, prato de carne e sobremesa. O resto da tripulação não passava nada mal e os doentes cumpriam as dietas indicadas. Os navios de pesca tinham a vantagem de poderem dispor do peixe do dia.
Nas viagens de longo curso, antes de haver frigoríficos, a alimentação era sujeita a grandes restrições. Levava-se o que não se estragava: biscoitos, salgados e conservas. Ainda hoje, na Ilha Terceira, na costa oposta a Angra do Heroísmo, existe a povoação de Biscoito, que terá ganho o nome da provisão que ali iriam fazer os navios do largo.
Durante as travessias, raramente se podia pescar. A comida era um enjoo. Os navios costumavam levar galinhas e uma vaca, ou algumas cabras. Os animais ocupavam espaço e a alimentação deles também. Para mais, faziam muita porcaria. Os maiores eram abatidos cedo. Quando se matavam, era uma festa, mas a carne tinha de se consumir depressa para não se estragar.
Ao passar ao largo dos Açores, rumo à Terra Nova, lá se apanhava alguma tartaruga que permitia cozinhar belas canjas. Uma vez por outra, arpoava-se um golfinho que se divertia a acompanhar a embarcação. Dizia-se que dava bons bifes de cebolada.
Vale a pena passar os olhos numa lista de produtos alimentares embarcados para uma viagem de cerca de seis meses num lugre de 30 pescadores, durante a década de 1920-30:

40 barricas de farinha de trigo

18 barricas de carne de vaca salgada
50 kg de carne de porco
1350 kg de batatas
1100 kg de feijão seco encarnado e branco
150 kg de feijão frade
150 kg de grão-de-bico
100 kg de arroz
100 kg de açúcar
10 kg de especiarias
90 kg de banha
200 kg de toucinho
60 kg de café moído
5 kg de chá
360 kg de cebolas
Duas latas de chouriço
400 l de azeite
200 l de vinagre
40 l de óleo para frituras
400 l de vinho
400 l de aguardente
8 fardos de bacalhau seco
120 garrafas de cerveja
12 garrafas de vinho do Porto

O chouriço parece pouco... É curioso reparar em que o número de litros de aguardente era igual ao de vinho tinto.
Viviam-se tempos duros. Inventavam-se pratos a fingir carne, como o arroz de corações de bacalhau, mas as opções eram reduzidas. As cagarras, uma variedade de gaivota, davam uma bela caldeirada, depois de passarem 3 dias em vinha-de-alhos, para perderem o gosto a peixe.
As gaivotas espreitavam a escala, em grandes bandos. A sua pesca era cruel: iscava-se o anzol com um pedaço de fígado de bacalhau e atirava-se ao vento. Não se podia escolher quem vinha ao isco e, às vezes, sacrificavam-se inutilmente gavinas e albatrozes.
A adaptação de motores aos navios de madeira iniciou-se no começo da década de 30. Muitos lugres tinham propulsão mista, à vela e a motor. Alguns passaram a dispor de frigoríficos para o isco e para as provisões dos tripulantes.
Ainda hoje, o cozinheiro é o homem mais importante a bordo, a seguir ao capitão. Acima desse, só Deus, e mora longe... Os pescadores eram sujeitados a uma vida de extrema dureza. A satisfação do estômago foi das poucas a que passaram a ter acesso nos longos dias do mar, com o advento da refrigeração.

Fonte: Francisco Correia Marques, em: Oceano, nº 45, Janeiro/Março 2001.
Fotografia do autor.
Também publicado em decaedela.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Um Pouco Da História Da Pesca Do Bacalhau

I

A EXPANSÃO


A nau de um deles tinha-se perdido
No mar indefinido.
O segundo pediu licença ao Rei
De, na fé e na lei
Da descoberta, ir em procura
Do irmão no mar sem fim e a névoa escura.

Tempo foi. Nem primeiro nem segundo
Volveu do fim profundo
Do mar ignoto à pátria por quem dera
O enigma que fizera.
Então o terceiro a El-Rei rogou
Licença de os buscar, e El-Rei negou.

Fernando Pessoa

Carta de doação de D. Manuel
a Gaspar Corte Real, em 1500

O “terceiro” era Vasqueanes Corte Real. D. Manuel I não permitiu que fosse em busca dos irmãos e chamou a si essa responsabilidade.
A importância crescente da pesca do bacalhau levou o rei, em 1506, a reservar para si o dízimo dos proventos da pesca da Terra Nova nos portos de Aveiro e Viana do Castelo.
Gaspar Corte Real descobriu a Terra Nova por volta do ano 1500. Que significa “descobrir”? Estas paragens foram provavelmente visitadas, séculos antes, por vikings e por pescadores islandeses. Uma ilha, ou a costa de um continente, só pode considera-se descoberta quando quem lá chegar saiba como voltar, e o transmita. Em termos práticos, tal acontece quando é assinalada num mapa e se conhece a latitude, o rumo a seguir e uma estimativa da longitude, uma vez que esta coordenada só ganhou precisão muito tempo mais tarde.

Pormenor do Planisfério português dito de "Cantino", datado de 1502


A primeira evidência dessa descoberta é o planisfério “Cantino”. Assinale-se que, nas cartas mais antigas, a posição da Terra Nova foi convenientemente deslocada para Leste, de forma a caber na parte do mundo que o Tratado de Tordesilhas reservara aos portugueses.
Não se pode falar dos mares que banham as costas do Canadá sem referir os nomes de Giovanni Cabotto, cujo nome foi anglicizado para John Cabot, e de João Fernandes Lavrador. Ambos partiram do porto de Bristol e navegaram ao serviço de rei Henrique VII de Inglaterra, embora Lavrador tivesse obtido antes do rei D. Manuel autorização para explorar ilhas e terra firme. As viagens do português que deixou o nome ligado à costa do Labrador, terão sido efectuadas após Cabotto desaparecer no mar, em 1498.
A importância do pescado na alimentação fazia-se sentir desde há muito e aumentou com o crescimento demográfico que ocorreu durante o século XV. Não abundavam, na Europa, as fontes de proteínas. Ainda por cima, a igreja católica proibia o consumo de carne nos dias de abstinência, que eram quase 150 por ano.
Os ingleses pescavam bacalhau nos mares da Islândia. Secavam-no a bordo, consumiam-no e comercializavam-no. Portugal tinha bom sal que exportava para a Europa. O intercâmbio com os pescadores ingleses terá começado desse modo. Bascos, portugueses e bretões habituaram-se também a pescar naquelas águas.
Entretanto, a situação geo-estratégica modificou-se. As lutas pelo domínio das áreas geográficas onde existem recursos importantes são tão velhas como as Nações. As áreas de pesca não escaparam aos conflitos. Em 1478, as autoridades dinamarquesas encerraram aos estrangeiros os pesqueiros da Islândia, que então controlavam.
Os pescadores tiveram de procurar outras zonas de pesca. Os portugueses deram com a “terra nova dos baccalhaos”. Dizia-se que havia tanto peixe nos seus bancos que os cardumes chegavam a impedir o avanço dos barcos.
A notícia da abundância de pescado propagou-se e a Terra Nova passou a ser procurada por pescadores de várias nacionalidades. Os portugueses foram os primeiros a instalar colónias fixas na Terra Nova e no Labrador a partir de 1506. O mapa de Cantino de 1502 assinala com nomes portugueses diversos pontos da costa.
As nações europeias foram dando conta da necessidade de povoar as terras recentemente descobertas. A pressão do crescimento demográfico fez-se sentir. Ingleses, franceses e bascos foram tomando posições na região. De início, instalaram-se em torno do estreito de Belle Isle.
A pesca era fonte considerável de riqueza. Companhias bascas e portuguesas exportavam, para a Inglaterra e Irlanda, bacalhau e sal de Setúbal.
Cerca de 1530, um grupo de portugueses partiu de Viana do Castelo em direcção à Terra Nova. Pretendia-se reforçar a colónia que controlava boa parte do litoral da região. O financiamento era feito por comerciantes de Aveiro e da Ilha Terceira. A colónia manteve-se, pelo menos, até 1579, como demonstra a nomeação de um descendente dos Corte Real para a Capitania da Terra Nova. A ocupação era essencialmente sazonal.
Nos primeiros anos do século XVI saíam anualmente, só de Aveiro, 60 navios pesqueiros com destino à Terra Nova. Em 1550, o seu número rondava os 150. Os bacalhoeiros tinham pequena tonelagem. Cada um era tripulado por 20 a 30 homens. A campanha ocupava a Primavera e o Verão. No resto do ano, os barcos eram rentabilizados na navegação de cabotagem.

Referências:
Canas, António José Duarte.
Guerreiro, Inácio.
Matos, Luís Jorge Semedo de.

Salgado, A. Alves.
Varela, Consuelo. (traduzida do espanhol por Eduarda Pinto Basto).
Todos em: Revista Oceanos, nº 45, Janeiro/Março 2001.

Gravuras e fotografias: idem.

O autor, nos mares da Terra Nova, em 1970
Também publicado em decaedela

domingo, 3 de janeiro de 2010

Raízes Históricas da Lusofonia – Almirante Sarmento Rodrigues

“Almirante Manuel Maria Sarmento Rodrigues (1899-1979) – curta evocação histórica”

Em 1998 fui convidado pela Câmara Municipal de Freixo de Espada-à-Cinta (terra natal do Almirante), sob proposta da Comissão de Honra das Comemorações do Centenário do nascimento de Manuel Maria Sarmento Rodrigues, a escrever sobre esta figura histórica uma obra biográfica. Este dignificante convite foi-me endereçado na sequência da defesa da minha Tese de Mestrado[1] a 27 de Maio de 1998 na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, o que encarei como um cativante desafio intelectual.

A presente crónica não pretende traçar nenhuma resenha biográfica, pois aliás já o fiz nessa obra que me foi encomendada[2], no entanto quero evocar algumas facetas mais relevantes desta eminente figura pública que se destacou como oficial da Marinha de Guerra, como governador colonial, como político, como professor, como conferencista, etc. Na actualidade como principais registos públicos evocativos da memória do Almirante Sarmento Rodrigues temos a obra biográfica da minha autoria, a minha Tese de Mestrado, a obra que reúne depoimentos de personalidades que o conheceram[3] e o busto edificado junto da Câmara Municipal de Freixo de Espada-à-Cinta em 1999 durante as Comemorações Centenárias do seu nascimento.

No sentido de preservar o seu nome na memória colectiva do povo português existe, no nosso país, com esta designação onomástica uma ponte sobre o rio Douro, em Barca d’ Alva, uma rua em Lisboa, outra em Bragança e um Prémio científico destinado a impulsionar a investigação da história das actividades marítimas portuguesas atribuído pela Academia de Marinha.

É legítimo afirmar que uma das primeiras grandes aprendizagens que moldaram o seu espírito enérgico foi o serviço que prestou, em 1922, como adjunto de navegação no Cruzador “República” na missão de apoio marítimo à primeira travessia aérea do Atlântico Sul realizada por Gago Coutinho e Sacadura Cabral. A colaboração nesta experiência inédita granjeou-lhe a longa amizade do Almirante Gago Coutinho e imprimiu na sua alma a percepção da necessidade de um risco aventureiro.

Durante a sua vida conviveu com importantes figuras de prestígio nacional e internacional, tendo manifestado uma impressionante faceta “diplomática” que soube aproveitar no exercício de cargos públicos para mobilizar indispensáveis sinergias na concretização de projectos. Com efeito, teve estreita convivência afectiva com muitos marinheiros, técnicos, eruditos, com quem aprendeu e colaborou no exercício dos seus múltiplos serviços públicos.

De entre alguns dos seus amigos, mais próximos e mais influentes, destaco: o Almirante Gago Coutinho, estudioso das questões náuticas das Descobertas Portuguesas; o Almirante Quintão Meireles, seu conterrâneo; o jornalista Norberto Lopes, seu companheiro de estudo das primeiras letras; o General Norton de Matos, seu grande inspirador como governador colonial; o historiador Jaime Cortesão, estudioso das Descobertas marítimas quinhentistas; os médicos Fernando da Fonseca e Reynaldo dos Santos, sendo, respectivamente, o primeiro seu médico pessoal e o segundo estudioso da arte Manuelina; o engenheiro Trigo de Negreiros; o professor Adriano Moreira; o Almirante Pinheiro de Azevedo; o jornalista Raul Rego, etc.

No desenrolar da 2ª Guerra Mundial (1939-1945) teve uma extraordinária acção humanitária ao dirigir o Contra-torpedeiro “Lima” na busca e no salvamento de 110 náufragos do Paquete inglês “Ávila Star” que fora torpedeado pelas forças navais alemãs, corria o ano de 1942, ao largo do arquipélago dos Açores. No ano imediato, Sarmento Rodrigues voltou no comando desse navio a proceder à busca e ao salvamento de 118 náufragos dos navios norte-americanos “Julia Ward Howe” e “City of Flint” atingidos, presumivelmente, por submarinos alemães. Nesta missão de socorro o seu navio, sob a impetuosidade natural de uma violenta tempestade alcançou a invulgar inclinação de 67º, esteve em risco de naufragar, tendo havido, pois, perigo de vida na prossecução desta nobre acção humanitária.

Ele relata-nos este valoroso episódio marítimo no seu requintado opúsculo, de recorte literário clássico, intitulado “O Nosso Navio”[4]. Aliás, no contexto histórico de belicosidade mundial escreveu um aprofundado livro de estudo de estratégia militar sobre a batalha marítima entre os Aliados e os Alemães[5], com base na sua vivência de socorro a náufragos da guerra e nas informações técnicas que foi recolhendo, que catapultou a sua reputação militar entre os seus camaradas de armas.

É interessante saber que Sarmento Rodrigues foi lançado na vida político-administrativa ultramarina pelo Professor Marcello Caetano, na altura Ministro das Colónias, após ter escrito alguns artigos na “Revista Militar” sobre estratégias da administração ultramarina e ter frequentado com notoriedade os primeiros anos do Curso de Administração da Escola Superior Colonial. Por outro lado, Sarmento Rodrigues, já como Ministro das Colónias, no início dos anos 50, aquilatando o valor intelectual do, jovem e promissor, jurista Adriano Moreira colocou-o a trabalhar consigo, tendo-lhe encomendado a realização do estudo intitulado “O problema prisional do Ultramar”. Este trabalho de investigação veio a receber o Prémio Abílio Lopes do Rego, em 1953, atribuído pela Academia das Ciências de Lisboa.

Convém sublinhar que Sarmento Rodrigues foi uma das figuras públicas que mais impulsionou, durante o Estado Novo, a celebração das Descobertas marítimas portuguesas do século XV[6] ao apoiar investigadores como Avelino Teixeira da Mota, Armando Cortesão e Charles Boxer (que o chega a tratar em carta que lhe dirigiu de “seu anjo da guarda”)[7] e ao promover iniciativas em prol da memória colectiva com as Comemorações do V Centenário do Descobrimento marítimo da Guiné em 1947, enquanto Governador da colónia, e ao presidir em 1960, como Director da Escola Naval de Guerra, em Lisboa ao IV Colóquio Internacional de História Marítima e também em idêntico cargo à Comissão Ultramarina das Comemorações do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique que, designadamente, edificou o emblemático monumento do Padrão dos Descobrimentos, que se tornará um dos “ex-libris” da cidade, que já tinha existido numa versão prévia, em materiais efémeros, durante a Exposição do Mundo Português de 1940[8].

A sua fulgurante carreira política teve considerável eco na opinião pública, pela aura carismática que o envolveu, como aliás a imprensa da época nos mostra. Com efeito, Sarmento Rodrigues desempenhou os cargos de Governador da Guiné de 1945 a 1949, de Ministro das Colónias/ do Ultramar de 1950 a 1955 e de Governador-geral de Moçambique de 1961 a 1964, sob proposta do Ministro, do Ultramar, Adriano Moreira. Neste posto assistiu, com preocupação e com sentido de polemista, ao alastrar da guerra colonial a este território, apesar do seu carisma junto de grande parte das populações de Moçambique.

Como Ministro das Colónias, Sarmento Rodrigues, perante o adverso contexto internacional descolonizador, que enfrentou no pós-guerra, sustentou como ideólogo iniciando a edificação, de forma incipiente devido à intransigência do Presidente do Conselho de Ministros – António de Oliveira Salazar, como já o defendi academicamente, do “sistema jurídico-ideológico federal-lusotropicalista” delineado como estratégia governativa para apaziguar os sentimentos anticolonialistas das populações dos territórios, rebaptizados, de ultramarinos que desembocou na consagração transitória, em 1953, do regime do indigenato. Na verdade, foi já o Professor Adriano Moreira em 1961, como Ministro do Ultramar, a pôr fim a este discriminatório regime jurídico das populações africanas do país.

Na verdade, este “sistema federal-lusotropicalista” consagrou uma tentativa de harmonização entre o princípio da descentralização da administração ultramarina, que tão grande indignação deixou em Armindo Monteiro[9], ex-Ministro das Colónias, e o mecanismo de centralização política. Em concomitância, apadrinhou a doutrina Lusotropicalista de Gilberto Freyre[10] que se incorporou na ideologia colonial do Estado Novo. Com efeito, a nação portuguesa passou a ser concebida como um território que se estendia do “Minho a Timor” e com esta estratégia política criaram-se as condições doutrinárias para uma tendencial igualdade de oportunidades e de direitos entre instituições e populações, ultramarinas e metropolitanas, e, simultaneamente, incentivou-se o intercâmbio cultural e técnico entre o Ultramar e a Metrópole[11].

Cumpre, agora, elucidar os fundamentos pelos quais Sarmento Rodrigues foi politicamente “ostracizado” pelo regime Salazarista nos anos 60. Ele ingressou na Loja Renascença da Maçonaria Portuguesa em 1923, conjuntamente com José Gomes Ferreira, embora durante a vigência deste regime político tenha permanecido, formalmente, afastado dela. Contudo, as suas posições liberais, dentro do regime, e os seus contactos com muitos oposicionistas da ditadura fizeram com que fosse, principalmente, na década de 1960 atentamente vigiado pela PIDE[12].

Este seu perfil liberal, inspirado na matriz ideológica Republicana, tornou-o ansiado e pensado, por muitas relevantes figuras públicas, como o desejado Presidente da República em 1965[13] para transfigurar o “statu quo” político, tendo existido, efectivamente, um movimento de pré-candidatura. No entanto, pelo seu círculo de influências a Polícia Internacional de Defesa do Estado suspeitava-o Grão-Mestre da Maçonaria Portuguesa (como surge explícito nos documentos históricos da PIDE/DGS) e conluiado com uma corrente conspirativa contra o regime, daí que António Oliveira Salazar o tenha impedido, nessa altura, de continuar a exercer cargos políticos.

Em pleno contexto da guerra colonial, no seu início, teve, também, algumas afirmações ideológicas polémicas para os parâmetros conservadores da ala “ortodoxa” do regime. Deste modo, em 31 de Outubro de 1962, numa reunião extraordinária do Conselho Ultramarino, Sarmento Rodrigues sustentou o reforço da descentralização ultramarina, dentro da sua concepção federalista, mediante o fortalecimento das competências dos Governadores-gerais das nossas grandes colónias[14] e chegou, mesmo, a equacionar a hipótese de que num futuro, mais ou menos distante, a capital de Portugal pudesse vir a passar para Angola ou Moçambique[15].

Sarmento Rodrigues foi também um benemérito nas ajudas que prestou ao desenvolvimento da sua terra natal, fortemente marcada pela interioridade transmontana. Para esse efeito, levou importantes figuras do regime e da cultura portuguesa a visitar a localidade de Freixo de Espada-à-Cinta e alojou-as na sua casa. Assim, conseguiu, com estes esforços “diplomáticos”, que a sua vila ficasse mais bem servida de redes viárias e que o Património Histórico-Cultural local fosse preservado. Designadamente, garantiu que a bela Igreja Matriz, de traça Manuelina, tenha sido restaurada sob o impulso de Baltazar de Castro[16].

Além da sua vasta experiência de marinheiro e de político, Sarmento Rodrigues foi publicamente reconhecido pelo seu valor intelectual, tendo publicado várias dezenas de livros e opúsculos e inúmeros artigos em jornais e revistas nacionais e estrangeiras. Alguns autores de prestígio da cultura portuguesa dedicaram-lhe livros seus[17]. Deste modo, teve um notável percurso intelectual como, aliás, nos evidenciam as suas publicações e as suas infindáveis conferências e discursos, proferidos em vários países, marcados por aprofundados conhecimentos históricos, literários, navais e políticos, como tivemos oportunidade de constatar, compulsando parte do espólio bibliográfico da sua Biblioteca, e como nos testemunhou vivamente o Professor Doutor Adriano Moreira[18].

A sua envergadura intelectual foi determinada pela extensa vivência humanista, cheia de nobilitantes experiências profissionais, de variados contactos com eminentes figuras da Cultura portuguesa, de vastas leituras e de muito labor na produção de textos. Assim, os seus textos, que tanto nos aparecem num estilo mais literário nos seus discursos políticos como num estilo mais técnico nas suas conferências, nacionais e internacionais, tiveram uma indesmentível projecção pública que lhe auferiu um imenso carisma junto da sociedade portuguesa.

Com efeito, numa segunda fase da sua vida, a partir de 1942 com cerca de 43 anos, começou a publicar diversos textos enriquecendo o seu notável percurso académico[19]. Foi, nesta fase de amadurecimento intelectual, que no ano lectivo de 1949-1950 exerceu funções docentes na Escola Superior Colonial, que nos anos de 1957 a 1961 ocupou o lugar de Director da Escola Naval de Guerra, que em 1960 e em 1969 se tornou, respectivamente, membro correspondente e, depois, efectivo da Academia das Ciências de Lisboa, que em 1970 se converteu em Presidente do Centro de Estudos de Marinha, que em 1977 foi agraciado com o título de membro honorário do Instituto de Estudos Políticos do Liechtenstein e, por fim, culminando este valoroso trajecto académico tornou-se primeiro Presidente da Academia de Marinha em 1978.

Efectivamente, o Almirante Sarmento Rodrigues alcançou, no terceiro quartel do século XX, um invulgar prestígio nacional e internacional junto da opinião pública[20], daí que tenha recebido em vida inúmeras condecorações, títulos honoríficos, homenagens[21] e missões diplomáticas de natureza científica, como o exercício da Vice-Presidência do Congresso Internacional de Roma para a Coordenação das pesquisas científicas em África em 1958, ou equivalentes incumbências de carácter oficial, como quando foi enviado como Embaixador extraordinário de Portugal à independência da República do Congo em 1960.

Em conclusão, é legítimo reconhecer que o Almirante Sarmento Rodrigues merece ser recordado como uma personalidade de invulgar envergadura e um distinto cidadão da República Portuguesa[22], de firmadas qualidades de acção e de pensamento, que se inscreveu por direito próprio nas páginas da História de Portugal do século XX[23].

Na verdade, revelou excepcionais capacidades e competências de coordenação de indivíduos nos serviços públicos que prestou, de mobilização de saberes e de vontades de pessoas com distintas mundividências ideológicas e que, não obstante, se tenha confrontado com algum insucesso por não ter conseguido concretizar, cabalmente, o seu projecto de renovação do sistema imperial português, entre 1950 e 1964, devido à simultaneidade dos “ventos internacionais da História” e às intransigentes posições do Presidente do Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar, e da ala mais conservadora do Estado Novo.

Contudo, apesar destas contrariedades conjunturais, do ponto de vista cultural e estrutural soube somar retumbantes sucessos, selados pela opinião pública, ao desenvolver e colaborar em organismos de estudo[24], impulsionar investigadores de história marítima, dirigir e participar em instituições e congressos científicos em prol das suas grandes paixões públicas: a Marinha de Guerra e o Ultramar[25].


[1] Nuno de Sotto-Mayor Quaresma Mendes Ferrão, O pensamento colonial de Sarmento Rodrigues enquanto Ministro do Ultramar (1950-1955), Lisboa, Dissertação de Mestrado em História Contemporânea apresentado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, policopiado, 1998.
[2] Idem, Aspectos da vida e obra do Almirante Sarmento Rodrigues (1899-1979), Mirandela, Edição Câmara Municipal de Freixo de Espada-à-Cinta, 1999.
[3] AAVV, Almirante Sarmento Rodrigues 1899-1979 – Testemunhos e inéditos, Lisboa, Edições Inapa, 1999.
[4] Manuel Maria Sarmento Rodrigues, O Nosso Navio, Lisboa, Edição Contra-torpedeiro Lima, 1955.
[5] Idem, A Batalha do Atlântico – estudo estratégico, Lisboa, Edição Parceria António Maria Pereira, 1942.
[6] Sarmento Rodrigues revelou neste aspecto de estimular a divulgação da História de Portugal e as actividades de celebração de acontecimentos históricos relevantes do país um sentimento nacionalista bem vincado.
[7] “Carta de Charles Boxer a Sarmento Rodrigues de 19 de Junho de 1955”, in Espólio Almirante Sarmento Rodrigues, Pasta 4290002, ig. 149-151 no Arquivo da Fundação Mário Soares.
[8] Nuno de Sotto-Mayor Quaresma Mendes Ferrão, O Padrão dos Descobrimentos à luz da ideologia e da mentalidade do Estado Novo, Lisboa, Trabalho no âmbito da cadeira de licenciatura História da Arte Contemporânea, Edição policopiada, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1992.
[9] Pedro Aires Oliveira, Armindo Monteiro – uma biografia política, Lisboa, Bertrand, 2000.
[10] Vide Gilberto Freyre, Aventura e rotina, Lisboa, Edições Livros do Brasil, 1953.
[11] Vide Manuel Maria Sarmento Rodrigues, Unidade da Nação Portuguesa, Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1956, 2 vols. e Nuno Sotto Mayor Quaresma Mendes Ferrão, Aspectos da vida e obra do Almirante Sarmento Rodrigues (1899-1979), Mirandela, Edição da Câmara Municipal de Freixo de Espada-à-Cinta, 1999, pp. 75-127.
[12] Processos nº 5671 – S.R., 203-CI(1) e nº 11174 CI (2) de Manuel Maria Sarmento Rodrigues do Arquivo da PIDE/DGS, in Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
[13] Adriano Moreira, A espuma do tempo – Memórias do tempo de vésperas, Coimbra, Edições Almedina, 2008, pp. 287-288.
[14] É provável que Sarmento Rodrigues estivesse a recordar-se da dinâmica administrativa que, o seu amigo, José Norton de Matos teve como Alto-Comissário de Angola no início dos anos 20. Cf. José Norton, “Alto-comissário para Angola”, in Norton de Matos – biografia, Lisboa, Editora Bertrand, 2002, pp. 275-281.
[15] “Discurso do Governador-geral de Moçambique, Almirante Manuel Maria Sarmento Rodrigues”, in Revisão da Lei Orgânica do Ultramar – Reunião Extraordinária do Conselho Ultramarino, Lisboa, Academia Internacional da Cultura Portuguesa, 1988, pp. 284-290.
[16] Este facto simbólico motivou-me a escolher como imagem da capa da minha obra biográfica sobre Sarmento Rodrigues uma elegante porta lateral Manuelina da Igreja Matriz de Freixo de Espada-à-Cinta. Vide Nuno de Sotto-Mayor Quaresma Mendes Ferrão, Aspectos da vida e obra do Almirante Sarmento Rodrigues (1899-1979), Mirandela, Edição da Câmara Municipal de Freixo de Espada-à-Cinta, 1999.
[17] Como autores que lhe dedicaram livros, dos anos 40 aos anos 60, destaco: o jornalista Norberto Lopes, o investigador Filipe Gastão de Almeida, o sociólogo Gilberto Freyre, o investigador Avelino Teixeira da Mota, o jornalista e escritor Urbano Tavares Rodrigues, e os investigadores Visconde de Lagoa, José Júlio Gonçalves e João Augusto Silva.
[18] “Entrevista de Nuno Ferrão ao Professor Doutor Adriano Moreira a 6 de Julho de 1995”, in O pensamento colonial de Sarmento Rodrigues enquanto Ministro das Colónias (1950-1955), Lisboa, Edição policopiada, Tese de Mestrado em História Contemporânea, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1997, pp. 210-216.
[19] Na primeira fase da sua vida, até ao ano de 1941, foi, essencialmente, um experiente marinheiro e exerceu, de forma fugaz, o cargo de ajudante de campo do Governador do Estado da Índia em 1925-1926 e em 1928 o lugar de Secretário do Ministro dos Negócios Estrangeiros.
[20] A sua reputação na opinião pública europeia, talvez, só seja comparável em termos de dimensão de prestígio internacional com a que granjeou o Dr. Mário Soares no último quartel do século XX, já em pleno regime democrático.
[21] Entre as abundantes condecorações recebidas, que nos evidenciam a sua reputação internacional, devo destacar: a Grã-Cruz da Ordem de S. Gregório Magno, atribuída pela Santa Sé; o título de Comendador da Legião de Honra de França, atribuído pelo Estado Francês; o título de Oficial da Ordem do Império Britânico, atribuído pelo Estado Inglês, etc.
[22] Na verdade, as Comemorações Centenárias do seu nascimento, em 1999, realizadas em Freixo de Espada-à-Cinta, na Academia das Ciências, na Sociedade de Geografia e no Museu da Marinha em Lisboa contaram com a presença de altos dignitários da República Portuguesa como o Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, o então Presidente da Assembleia da República - António de Almeida Santos, o ex - Presidente da República Mário Soares, distintos académicos como o então Presidente da Academia Portuguesa da História - Joaquim Veríssimo Serrão, o Professor Doutor Adriano Moreira, o então reitor da Universidade Autónoma - Justino Mendes de Almeida e muitos outros notáveis que será exaustivo enumerar.
[23] Luís Manuel Farinha, “Manuel Maria Sarmento Rodrigues (1899-1979)”, in Dicionário de História do Estado Novo, dir. Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, vol. II, Venda Nova, Bertrand Editora, p. 851.
[24] Como exemplos desses organismos de estudo, que impulsionou ou colaborou, importa assinalar os seguintes: o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa que criou como Governador da colónia; o Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta de Investigações do Ultramar em que colaborou como membro; o Grupo de Estudos do Ultramar a que presidiu em 1959; o Centro de Estudos de Marinha a que presidiu e que foi transformado na Academia de Marinha, etc.
[25] Contra-Almirante António Peixoto Correia, “Notas sobre a acção do Vice-Almirante Sarmento Rodrigues na Marinha e na Guiné”, in Revista Militar, nº 1, Janeiro de 1980, pp. 24-30. Aliás, Sarmento Rodrigues, nesta paixão pela sua profissão, escreveu um opúsculo injustamente esquecido, já que lhe serviu de referência inspiradora, sobre um grande marinheiro inglês – o Almirante Nelson (Vide Manuel Maria Sarmento Rodrigues, A vida heróica de Nelson, Lisboa, Edição Ministério da Marinha, 1955).

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

As âncoras portuguesas estudadas pelo NIO em Goa

http://bit.ly/5Gn0hl

Foi também um mestrando deste Instituto Nacional de Oceanografia (Goa) que há alguns anos descobriu o segredo da natureza que permitiu a Vasco da Gama entrar na costa do Malabar na época das monções! Não era a perícia dos navegadores portugueses como até então explicava a historiografia nacionalista portuguesa.