Na tarde de 16 de Outubro de 1918, Francisco Correia de Herédia, primeiro e único visconde da Ribeira Grande, foi assassinado. Chegara a ser uma figura importante do Partido Progressista de José Luciano de Castro. Abandonara-o, com José Maria de Alpoim, quando da Dissidência Progressista. Fidalgo cavaleiro da Casa Real, ostentou várias comendas e foi governador dos distritos de Beja, Bragança e Lisboa.
Numa reunião efectuada em sua casa, na Avenida da Liberdade, em 11 de Julho de 1907, foi decidido passar à acção directa contra a ditadura de João Franco. Estavam presentes, para além de Herédia, José Maria de Alpoim, Afonso Costa e Alexandre Braga.
Eram precisas armas. Pagou-as o visconde. Levantou-as, na loja de um carbonário, no começo de Janeiro de 1908. Eram nove carabinas Winchester calibre 351 e um lote de pistolas FN-Browning. Foram escondidas nos Armazéns Leal, na Rua de Santo Antão. Alguma informação terá chegado aos ouvidos do comandante da Polícia, pois mandou revistar a loja. Afonso Costa foi avisado. Enroladas em tapetes, as armas foram levadas no automóvel de Ribeira Brava para a casa de Luís Grandela, irmão do proprietário dos Armazéns Grandela.
A 28 de Janeiro de 1908, os líderes revolucionários aguardaram no Elevador da Biblioteca, a S. Julião, a notícia da morte de João Franco e do triunfo da rebelião. As horas passaram, sem que chegassem boas novas. João Franco não estava em casa e escapou. As entradas e saídas no Elevador deram nas vistas da Polícia. Foram presos mais de 100 conspiradores. Contavam-se entre eles Afonso Costa, Ribeira Brava e Egas Moniz. Alpoim conseguiu fugir, de automóvel, para Espanha.
Quatro dias depois, a 1 de Fevereiro de 1908, Manuel Buíça atirou contra o rei e contra o príncipe D. Luís Filipe com uma carabina Winchester, enquanto Alfredo Costa, com o pé no estribo da carruagem real, fazia fogo com uma pistola Browning. As armas faziam parte do lote que Ribeira Brava pagara e levantara na loja do carbonário Gonçalo Heitor Ferreira.
Em 1910, o visconde ia nos 58 anos. Juntou-se ao Partido Republicano Português e manteve-se sempre chegado a Afonso Costa. Abandonou o título, mas juntou Ribeira Brava aos seus apelidos. Foi eleito Deputado da Nação, como já tinha sido durante a Monarquia. Teve grande influência política na Madeira, de que foi governador.
Em Outubro de 1918, a agitação social contra o governo de Sidónio Pais recrudesceu. Houve tumultos espontâneos e acções organizadas pela oposição democrática.
Na manhã do dia 12, um regimento de Coimbra levantou-se contra o governo. O alferes Sidónio Pais, filho do Presidente, foi perseguido pelas ruas da cidade.
Em Lisboa e no Porto não chegou a acontecer nada. As coisas terão corrido mal aos revoltosos, pois é difícil acreditar que os de Coimbra tentassem deitar abaixo Sidónio sem contarem com apoios importantes no resto do País. Terá sido essa a interpretação do Presidente. Face à ameaça de insurreição generalizada, decretou o estado de sítio. As cadeias encheram-se de democráticos. Ribeira Brava também foi preso.
Quatro dias depois, já não cabiam mais prisioneiros nos calabouços do Governo Civil de Lisboa. As autoridades decidiram transferir uns tantos para os fortes do Campo Entrincheirado (São Julião da Barra, Alto do Duque e Caxias).
Ao fim da tarde do dia 16, cento e cinquenta presos foram reunidos no pátio do Governo Civil. Saíram dali, enquadrados por mais de duzentos e cinquenta guardas armados. Deveriam dirigir-se ao Cais do Sodré, onde os aguardavam um comboio especial.
A coluna atravessou o Largo da Biblioteca e chegou à Rua Vítor Córdon, Ouviu-se um tiro e a confusão estabeleceu-se. Os guardas disparavam para onde estavam virados. Quando o tiroteio cessou, havia no chão sete mortos, entre os quais se contava um guarda. O corpo de Ribeira Brava foi encontrado numa valeta, degolado por um golpe de baioneta. O antigo visconde tinha 66 anos.
No dia seguinte, um comunicado do governo "esclarecia" o incidente. Francisco Herédia recebera, na prisão, uma pistola escondida num tacho de açorda. Procurara fugir, atirando contra os guardas da escolta.
A pistola nunca foi encontrada. Há quem diga que alguém disparou contra a Polícia de uma janela de um bordel da Calçada do Ferragial. A voz do povo fez o seu julgamento: a matança terá sido organizada pela polícia sidonista.
Fonte: República - A Luz e a Sombra, de A. Trabulo.
Fotos: net.
Também publicado em decaedela.
1 comentário:
Quem com ferro mata...
Um caso exemplar de «(justiça) (po)ética republicana».
Enviar um comentário