Acabo de ler a declaração sobre Saramago, por parte do MIL, que também sou eu.
És grande, Milhafre, faço-te uma vénia, mas não gostei de rever-me em ti. De que tens medo, Milhafre, quem fala em teu nome?
O MIL tem de ser maior que Portugal, tem de ser grande quando é preciso e aquele parágrafo infeliz «Isto apesar de, no seu percurso cívico e político, José Saramago ter tomado atitudes nem sempre condizentes com a sua condição de português com responsabilidades inerentes ao seu estatuto de escritor de uma língua que lhe deu voz e que é pertença de toda a Comunidade Lusófona» fez-me estremecer as asas.
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade que me ata ao leme,
«El-Rei D. João Segundo!»
Um escritor é também um ser humano e como tal tem defeitos e qualidades. D. João Segundo? Quem foi o homem, que mandou executar, exilar famílias inteiras, assassinou pelas suas próprias mãos um irmão de sua mulher, depois dizer eu sou o senhor dos senhores, não o servo dos servos, quem foi o homem que fez tudo para manter o poder e ficar depois na história como Príncipe-Perfeito, grande entre os maiores porque teve a visão de conquistar um espaço maior para Portugal?
Saramago foi polémico no que escreveu, no que disse, no que fez. A História há-de julgá-lo a seu tempo. Mas foi ele que conseguiu o prémio maior para as Letras Portuguesas, almejado por muitos, mortos e vivos, ele, o pobre, o humilde, o deserdado da fortuna, o humilhado, o comunista. Foi ele que construiu uma obra grande decerto, nem tanto à feição de todos, mas um escritor tem direitos, que raio! Um escritor tem o direito de escrever o que lhe dá na real gana, tem direitos para além de obrigações. Deus que é Deus – para os homens que acreditam, porque eu não passo de um mosquito – não agradou a todos, um grande homem é sempre grande precisamente porque cria polémica.
Amou, sentiu-se amado e não foi preconceituoso. Foi humilhado no seu país por homens como ele, homens incultos, temerosos de serem excomungados, como se vivessem na Idade Média. Quem não se sente não é filho de boa gente e ele partiu para onde foi feliz, onde encontrou a paisagem que lhe encheu os olhos e a alma, onde pôde plantar uma oliveira no seu jardim para não esquecer a terra que lhe deu o ser e onde pediu para ser sepultado. É isso que importa. No fundo, ele não renegou o seu país, ele o enobreceu, ele divulgou por todos os cantos do mundo a língua que é nossa, a língua que o MIL hasteia e agita com honra!
É uma vergonha – isso sim! – que o nosso Presidente da República não esteja presente nas exéquias porque questões pessoais fazem-lhe esquecer que representa um PAÍS e que isso é mais importante do que as férias com a família; é uma vergonha que nas Canárias, no Brasil, se decrete luto por três dias e em Portugal apenas dois. Porque ele não merece. Porque ele precisa de ser castigado por procedimentos menos airosos aqui ou além (quem não pecou, que atire a primeira pedra!), porque ele era comunista e os comunistas comem criancinhas ao pequeno-almoço. Porque ele amou uma espanhola. Porque ele escolheu para viver uma ilha que não pertencia ao seu país.
Ele foi reconhecidamente um homem grande da Língua Portuguesa porque a divulgou para o mundo, pese a quem não se revê na sua escrita, no seu estilo ou nos seus ideais. Ele trouxe o primeiro Prémio Nobel para Portugal por inteiro e Portugal está em dívida para com ele. Honrem-no, não sejam mesquinhos. Provem-lhe que são grandes e dêem-lhe o lugar que merece no Panteão Nacional.
Milhafre, eu humildemente te saúdo.
Piquei. Fuuuuuuiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
Miruii
1 comentário:
Caro Miruii
Eu tenho respeito pelo Saramago - apreciações literárias à parte, foi, como se costuma dizer, um homem que se fez a si próprio, a pulso.
Dito isto, não podemos escamotear algumas atitudes suas. Daí o teor da Declaração que emitimos, que nos pareceu equilibrada. De resto, ainda agora recebi os parabéns por ela. Mas respeito a sua opinião.
Abraço MIL
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