O pássaro era um enviado. Ou um emissário, como quiserem chamar-lhe.
Aproximou-se da terra em voo poderoso, mas discreto. A firmeza das asas com imperceptível movimento permitia-lhe planar sem vento.
Aproximou-se dos rios, das casas e das gentes.
Desta vez queria ser olhado, gostaria que o vissem, que se sentissem observados, que percebessem da existência, no céu, de uma vontade, uma curiosidade ou um desejo pela ordem na terra.
Mas estavam todos tão ocupados nos seus negócios, seus medos e paixões, pressas e obsessões que ainda que descesse em voo picado e lhes beliscasse as pálpebras, mesmo assim não dariam por ele.
Percorreu ruas, sobrevoou estádios, seguiu barcos em percursos de rios. Inutilmente.
Aproximou-se então do sítio menos recomendável, aquele sobre o qual lhe tinham dado as piores informações: lugar de ladrões e pequenos negociantes, desgraçados e artistas pobres, rufias e mulheres da rua, imigrantes e drogados, bêbedos e marginais... aproximou-se, primeiro com cepticismo, esperava, no meio de tanta azáfama, um total alheamento, um não querer saber do céu. Mas era curioso como apesar do caos aparente, tantos objectos espalhados pelo chão, havia nos olhares dos que procuravam pelo meio da imensa e surpreendente variedade das mais inesperadas coisas, um olhar ainda humano, um procurar ainda atento, um silêncio pelo meio do burburinho baixo das vozes, uma lentidão por entre o movimento dos corpos, um saber estar.
Foi no meio do improvável local que lhe haviam descrito e nomeado como "Feira da Ladra", que o enviado encontrou, finalmente, o precioso elemento perdido e com paciência o foi recolhendo no meio das penas para, sobrevoando o resto da cidade, poder espalhar pelas zonas mais doentes de civilização, o tão precioso, refrescante, raro e cobiçado tempo. Sem preço.
1 comentário:
Abraço, Risoleta.
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