E se decidíssemos que a chefia do Estado fosse electiva, por um prazo de quatro anos apenas renovável uma vez, podendo de cada vez candidatar-se ao cargo qualquer descendente masculino ou feminino do senhor Dom João IV (e apenas os que o fossem), ficando todos esses possíveis candidatos (salvo renúncia definitiva aos seus direitos) impedidos de se inscrever num qualquer partido político, estaríamos em república ou em monarquia?
E se decidíssemos apenas que as alterações da Constituição não poderiam continuar a ser feitas pelo Parlamento, isto é, que a Constituição não mais seria o produto ocasional de uma maioria (reforçada) parlamentar mas sim uma clara Lei Fundamental, aperfeiçoada a cada momento por um Tribunal Constitucional independente (que clarifica o alcance das regras, em particular as que definem direitos fundamentais dos cidadãos) e, em certos casos - que se espera sejam muito raros - aditada por uma nova regra (a exemplo das "Emendas" à Constituição Norte-Americana, que deixam intocado o património constitucional que já existe)?
E se decidíssemos que o centro da soberania não está numa pessoa (para dar exemplos estrangeiros, em Isabel Windsor ou em Nicolas Sarkozy) mas numa entidade que não é simbólica mas é o próprio Símbolo (podemos chamar-lhe "Coroa" como na tradição inglesa e na húngara) simultaneamente visível e invisível, corpórea e imaterial, diferente do Governo porque não governa, diferente do Estado porque não se limita a um território nem se confunde com uma burocracia, diferente da lei porque não evolui, diferente do monarca (eleito ou hereditário) porque não é humana, diferente de todos e de cada um de nós porque a sua quieta e silenciosa diferença nos assegura a igualdade e nos protege na liberdade?
Dito de outro modo, se a frágil e fundíssima papoula fosse, por paradoxo, reconhecida e aclamada como mistério e dedicação, cor e coroação visível, no efémero e no eterno, do sangue dos mortos e da liberdade dos vivos?
E se, sob o vermelho vivíssimo e quieto da papoula, o verde da dedicação à terra e o azul da dedicação do mar nos dissessem de como fazer do nosso país uma terra comum, isto é, uma terra em que os mundos que transportamos em nós se manifestassem e conversassem (mesmo no conflito, que é uma das formas de comunicação dos mundos), e nunca um espaço vazio em que as coisas devoram a sua própria linguagem, como é próprio do que abomina a vida?
1 comentário:
As duas primeiras hipóteses - diga-se em ajuda ao leitor distraído, que abunda - destinam-se apenas a convidar a ultrapassar o estreito quadro "Dom Carlos ou Buíça?" a que tanta gente ainda reduz a questão.
Às vezes penso que ao olharmos para os Descobrimentos se devia olhar simbolicamente para o Estreito de Magalhães, mais do que para a quieta e amorosa Índia. Encontrar passagem onde parece haver bloqueio e parede, e aprender que o estreito é porta para um mundo novo. E talvez por isso, lugar da tempestade maior.
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