Deus da Cascata, Nuno Cerqueira, 2006
Quinto Fragmento
28 - Deve expulsar-se da verdade prática do dia-a-dia e da verdade filosófica tudo o que for limitativo, ao ponto da expulsão prática da não-prática do infinito, ou melhor, das abordagens do ilimitado que estão com a procrastinação.
29 - Nenhum homem civilizado rejeita um prazer (ou necessita de rejeitar um prazer), mas também nenhum homem civilizado está na possibilidade de colocar em risco a sua alma.
30 - Dois os moinhos civilizacionais, um o valor, outro o poder, e um terceiro que, chegado o grande Carnaval ao Ocidente, toma sempre, discretamente, a forma e o lugar do valor e do poder, a que se chama de encenação.
31 - A encenação da cultura ocidental tem-se feito ver no tema subtilmente mas omnipresentemente encenado da morte, o niilismo absorvendo pelo negativo no geral o negativo em particular e pelo negativismo global o negativismo individual, absorvendo toda (não toda) a possibilidade de uma revolução positiva e consciente.
33 - Em todos os tempos (em muitos dos tempos) a civilização procurou elevação, a verdade universal em oposição à relatividade, interessando a busca pelo infalível, que a sabedoria impusesse limites à ignorância, e que o superior julgasse. Hoje, a civilização procura aprofundar-se; só a relatividade é universal, interessa buscar o ponto em que tudo e cada objecto é falível, a ignorância, porque é maior o número dos ignorantes, impõe-se como superior à sabedoria, e o inferior vinga-se do superior. De futuro, irromperá de cada indivíduo um Deus (algures dentro da cultura ocidental, irrompeu dentro de cada indivíduo um Deus). A agonia dos homens é contra este Deus, que, no seu individualismo, não deixa de roer todas as fundações do ego. O cego guia o cego (o vidente guia o vidente), todos em direcção ao Abismo que conhecem por instinto.
34 - A maior proeza do poder foi a sua ocultação, essa é a natureza do presente simulacro democrático, com a sua maioria calada. Por outro lado, os homens, os poderosos e os não poderosos, são papeis que a mercadoria encena, e por isso nenhum é poderoso ou miserável em nome próprio. O que possibilita este estado de coisas é a incerteza que o homem sente de alguma vez vir a morrer.
35 - O sistema bancário é uma forma organizada de endividar o homem pela sua imaginação, a virtualidade é, e nisto o paradoxo, a maneira mais pungente de materialismo.
André Consciência
3 comentários:
Nem penses que não os leio; não só o faço, como medito. O Agostinho teria gostado de te conhecer... tens mais fundura que a maior parte dos gajos que para aqui andam, e com idade para serem teus pais. O que é um sarcasmo justo... ;)
Abraço lusitano!
O 35 receberia também um aplauso do Pound, e de muitos da sua geração.
... a usura é imoral, por isso mesmo, porque despotencia o homem, endividando-o nos seus sonhos...
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