A famigerada sentença, e bem apreciada na opinião pública nacional, do Dr. Jorge Sampaio, então Presidente da República, proferida, embora noutra conjuntura internacional e nacional, com tom de sabedoria e de bom senso é bem pertinente nos dias que correm: “Há vida para além do défice!”. Esta frase significou que os tecnocratas, da Europa e do país, se preocupavam excessivamente com o limite de 3% do défice imposto pelas instituições europeias e Portugal estava a transgredir, claramente, esse tecto percentual. Com efeito, pretendeu chamar à atenção para a necessidade da política não se restringir a viver duma estratégia que superlativava a importância da economia, visto que na sua perspectiva humanista a economia deve estar ao serviço do Homem, e não ao invés.
O surrealismo da econometria vai ao ponto de, por exemplo, quantificar monetariamente o valor de um quadro dum génio da pintura. Esta tradução do valor espiritual, de um bem cultural num preço, só pode ser obra de gestores com mentalidades econometristas, pois uma obra de arte, em particular uma obra-prima, tem um valor inestimável em termos de critério monetarista, porque uma obra de arte moldada por uma alma criadora inspirada jamais poderá ser mensurável de uma forma pretensamente objectiva. Posso compreender unicamente a vontade de atribuir um valor monetário, pretensamente objectivo, a uma obra de arte pela razão de haver necessidade de salvaguardar esse património cultural junto de uma entidade Seguradora. Vejo esta menosprezável tendência como um vício dos homens materialistas que não conseguindo vislumbrar o âmago da alma dos bens espirituais procuram a sua descodificação numa linguagem acessível aos homens mais terrenos ou pragmáticos.
Por outro lado, não nos devemos esquecer da influência decisiva que os factores psicológicos têm no curso da vida económica. Deste modo, a economia de uma região, de um país ou do mundo não pode ser reduzida à análise estatística, tal como a vida educativa, sob pena de despojarmos o Homem da sua própria humanidade. Basta pensarmos que emoções como a confiança, a motivação, o desânimo ou o pânico podem ser absolutamente decisivos nas oscilações das actividades produtivas ou financeiras. Lembremo-nos do emblemático “Grande Crash da Bolsa de Nova Yorque”, de 24 de Outubro de 1929, que precipitou o mundo num pessimismo tão fundo que conduziu algumas Nações europeias a agarrarem-se à ilusão salvífica de Estados Autoritários.
Esta linguagem econométrica visa a criação de um pensamento único que facilite a gestão desta sociedade global, no entanto este processo acarreta a modelação de novos preconceitos. É o caso dos países do Sul da Europa que já receberam a alcunha de “PIGS” por parte da imprensa nórdica. Assim, os povos nórdicos encaram como tendencialmente laxistas os povos latinos (Itália, Grécia, Portugal e Espanha), com excepção da Irlanda recentemente agregada ao grupo, o que denota algum menosprezo pela mentalidade e cultura dos países europeus Mediterrânicos. Contudo, estes povos têm-se revelado, salutarmente, zelosos de uma vivência mais livre, criativa e espontânea que não se compagina com uma vida monitorizável, como o desejam os tecnocratas, pelos cegos critérios da estatística. Senão, um dia, pensaremos em pesar a alma, tal como os antigos egípcios acreditavam que, na esfera do divino, sob a presidência de Osíris num tribunal o coração dos mortos era pesado, caso se provasse a sua leveza por rectidão em vida a alma alojada no corpo ganharia direito à eternidade.
A confirmar esta minha percepção estão as distintas, e aparentemente antinómicas, lições axiológicas do Papa Bento XVI e do Dr. Mário Soares que concordando no diagnóstico discordam nas soluções. Na verdade, depreende-se da leitura da Encíclica do Sumo Pontífice “Caridade na Verdade” ( Prior Velho, Edições Paulinas, 2009 ) bem como da obra do Dr. Mário Soares “Um mundo em mudança” ( Lisboa, Editora Temas e Debates, 2009 ) uma critica semelhante às visões econométricas absolutistas, dissociadas de senso humanista. Na realidade, partindo de percepções axiológicas diferentes, ambos entendem o Homem como um Ser Multidimensional e as sociedades como realidades complexas não compagináveis com as “fatiotas” econométricas que os tecnocratas nos querem fazer vestir.
Era bastante sábia a lição do aforismo de Fernando Pessoa que dizia: “tudo vale a pena quando a alma não é pequena!”. Se no tempo do poeta pairava a ideia de Max Weber de reduzir o Homem à burocracia, que tanto assustava o nosso criador, na actualidade o Homem corre o risco de se ver reduzido pela tecnocracia econométrica da sua fonte criadora e libertadora…Na verdade, Pessoa percebeu que a sua vida profissional era demasiado insignificante como manga-de-alpaca e, por isso, deixou-se levar e metamorfosear em vários heterónimos. É bastante interessante saber que, devido ao inestimável valor da sua alma criativa, Roland Barthes julgou, segundo nos conta com bastante humor o Embaixador Francisco Seixas da Costa (texto “Pessoa(s)” no seu Blogue Duas ou três coisas – Notas pouco diárias do Embaixador Português em França in http://www.duas-ou-tres.blogspot.com/), que Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis eram quatro poetas portugueses! Que a máxima Pessoana nos possa servir sempre de alavanca inspiradora…
Nuno Sotto Mayor Ferrão
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