"Deram-me para ensinar, eu ainda era muito jovem, deram-me para ensinar uma classe de meninos do quinto ano, plena adolescência, repetentes, eram sujeitos que nunca tinham estudado, uma turma, sabe, a coisa mais tremenda que eu vi na vida. O meu discurso foi simples. Enquanto o empregado fazia a chamada deles, eles estavam em completa desordem, faziam o que queriam, com aquele rapaz novo como professor, ah, para eles tinha de ser uma coisa… Quando aquilo acabou eu fiz uma coisa simples. Olhei para o número um até ele ficar sério, quando ele ficou sério olhei para o número dois. E fui até ao número 31 da classe, um a um. Quando acabei o silêncio era absoluto naquela aula. Não imagina o que era aquilo. E eu depois disse: os meus amigos vão escolher qual é o processo de ordem que querem, eu tenho dois à escolha – o processo da cavalaria da Guarda Republicana que eu sei aplicar como ninguém e o processo das pessoas estarem contentes umas com as outras e a conversar umas com as outras e a vida se levar alegremente – os meus amigos escolhem e na próxima aula não precisam de dizer, eu olho, vejo como é e aplico aquele que os meus amigos escolheram. Ora, foi uma vida deliciosa até ao fim do ano."MIL: Movimento Internacional Lusófono | Nova Águia
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Nenhuma direita se salvará se não for de esquerda no social e no económico; o mesmo para a esquerda, se não for de direita no histórico e no metafísico (in Caderno Três, inédito)
A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo (in Cortina 1, inédito)
Agostinho da Silvaterça-feira, 29 de dezembro de 2009
Uma "experiência pedagógica que eu fiz no Porto"
"Deram-me para ensinar, eu ainda era muito jovem, deram-me para ensinar uma classe de meninos do quinto ano, plena adolescência, repetentes, eram sujeitos que nunca tinham estudado, uma turma, sabe, a coisa mais tremenda que eu vi na vida. O meu discurso foi simples. Enquanto o empregado fazia a chamada deles, eles estavam em completa desordem, faziam o que queriam, com aquele rapaz novo como professor, ah, para eles tinha de ser uma coisa… Quando aquilo acabou eu fiz uma coisa simples. Olhei para o número um até ele ficar sério, quando ele ficou sério olhei para o número dois. E fui até ao número 31 da classe, um a um. Quando acabei o silêncio era absoluto naquela aula. Não imagina o que era aquilo. E eu depois disse: os meus amigos vão escolher qual é o processo de ordem que querem, eu tenho dois à escolha – o processo da cavalaria da Guarda Republicana que eu sei aplicar como ninguém e o processo das pessoas estarem contentes umas com as outras e a conversar umas com as outras e a vida se levar alegremente – os meus amigos escolhem e na próxima aula não precisam de dizer, eu olho, vejo como é e aplico aquele que os meus amigos escolheram. Ora, foi uma vida deliciosa até ao fim do ano."
5 comentários:
Porque será que na boca (e na pena) de certas pessoas... o Agostinho pedagogo parece sempre um beato pateta ou um paneleiro de totós?? Dá que pensar!
A chefia foi confundida pela 'esquerda' com o uso da força bruta, e pela 'direita' com o 'mérito'. Estes textos daqui a uns anos serão tão enigmáticos como o do Pessoa sobre o Jacques de Molay publicado aqui...
Mas é um gosto ler isto.
Como tenho verificado, a imagem que passou do Agostinho pedagogo é de facto, na versão mais benevolente, a de um lírico sem qualquer noção da realidade. Basta uma passagem como esta para estilhaçar essa imagem...
O problema maior não é contudo esse: o problema maior é que se a situação narrada se passasse hoje, o Agostinho não chegaria ao 3º aluno, quanto mais ao 31º. Quando chegasse ao 2º, levaria logo com um processo disciplinar em cima...
Extraordinário, de facto. Mas não surpreendente...
Os leitores apressados e mitificantes de Agostinho da Silva, no que concerne à questão educativa, parecem sempre querer trocar a perspectiva teórica por uma utopia fácil, esquecendo que a pedagogia é para humanos e não para bestas.
Ora, o «homem nascido à imagem de Deus», se não procurar tornar-se à semelhança do Divino, não passa de besta, como o colibri ou a minhoca (também à imagem de Deus feitos).
O processo pelo qual de transforma a besta homem em humano é, no sentido teológico profundo, a única pedagogia. Este processo não é fácil e exige sacrifícios... a primeira etapa é a domesticação da besta.
Aliás, etapa que é comum tanto a educar meninos como a qualquer via iniciática. E no fundo isso é toda a educação: indicar à besta o caminho da civilização.
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