[…] Depois deste ligeiro trabalho que apresentei a público, sob o título «O Espírito Lusitano ou o Saudosismo» – trabalho que ando a desenvolver – concluí que a Saudade, como síntese do espiritualismo cristão e do naturalismo pagão, por isso que ela contém em si o Desejo e a Dor, a Esperança e a Lembrança – esperança incidindo sobre o passado, lembrança incidindo sobre o futuro – é o próprio espírito lusitano na sua expressão mais íntima, profunda e original.
E concluí também que o nosso Povo, nascido do casamento do sangue semita com o ária, criando a Saudade viva, tornou-se espiritualmente autónomo, e concebeu a ideia-sentimento, fonte da nova e verdadeira Renascença, pois a renascença italiana, de que Goethe, Wagner e Nietzsche são descendentes, é obra individual de alguns artistas de génio; e não realizou a fusão perfeita e viva do Paganismo com o Cristianismo, dado o carácter exclusivamente pagão dos italianos.
Em Portugal essa fusão, isto é, a ideia-mãe da Nova Renascença, fez-se na alma da Raça, é a própria alma do Povo, e, por isso, eternamente viva e criadora.
É certo que só a moderna geração poética revelou plenamente esta verdade, porque o espírito lusitano tem sido guerreado desde séculos por todos os meios – religiosos, literários, artísticos e políticos, e porque chegou, enfim, o momento da sua completa revelação, como sinal da nova obra que Portugal terá de realizar… […]
Teixeira de Pascoaes, in Ainda o Saudosismo e a «Renascença», A Águia, 2ª série, nº12, Porto, 1912.
Esta é parte da herança de Teixeira de Pascoaes, cuja complexidade e fundura não é redutível a apropriações unívocas. Viveu, escreveu e morreu antes de qualquer lusofonia, no desígnio bárdico de cantar uma pátria maior do que os folclores a que os patrioteirismos sempre a apequenam. O Portugal de Pascoaes permanece demasiado vasto para o nanismo intelectual de tantos que o querem transformar em mais um palerma beato: uma grandeza civilizacional em que se uniram as duas margens do Mediterrâneo, a helénica e a semita. A intuição poética visionária de quem sabia ser Portugal o último ouro da grandeza pretérita que ergueu a Civilização Europeia. A obra de Pascoaes é um mapa doado a todos os futuros, o legado dos que se sabem póstumos em vida.
K. N.
Também publicado no blogue O Bar do Ossian.
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