*É um Lusófono com L grande? Então adira ao MIL: vamos criar a Comunidade Lusófona!*

MIL: Movimento Internacional Lusófono | Nova Águia


Apoiado por muitas das mais relevantes personalidades da nossa sociedade civil, o MIL é um movimento cultural e cívico registado notarialmente no dia quinze de Outubro de 2010, que conta já com mais de uma centena de milhares de adesões de todos os países e regiões do espaço lusófono. Entre os nossos órgãos, eleitos em Assembleia Geral, inclui-se um Conselho Consultivo, constituído por mais de meia centena de pessoas, representando todo o espaço da lusofonia. Defendemos o reforço dos laços entre os países e regiões do espaço lusófono – a todos os níveis: cultural, social, económico e político –, assim procurando cumprir o sonho de Agostinho da Silva: a criação de uma verdadeira comunidade lusófona, numa base de liberdade e fraternidade.
SEDE: Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa)
NIB: 0036 0283 99100034521 85; NIF: 509 580 432
Caso pretenda aderir ao MIL, envie-nos um e-mail: adesao@movimentolusofono.org (indicar nome e área de residência). Para outros assuntos: info@movimentolusofono.org. Contacto por telefone: 967044286.

NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI

Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra).

Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa).

Desde 2008"a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".

Colecção Nova Águia: https://www.zefiro.pt/category/zefiro-nova-aguia

Outras obras promovidas pelo MIL: https://millivros.webnode.com/

"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

Nenhuma direita se salvará se não for de esquerda no social e no económico; o mesmo para a esquerda, se não for de direita no histórico e no metafísico (in Caderno Três, inédito)

A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo (in Cortina 1, inédito)

Agostinho da Silva
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quarta-feira, 17 de novembro de 2021

A terceira como uma primeira


Pelo terceiro ano consecutivo a cidade do Porto vai ser a capital da história alternativa em Portugal. E é como uma primeira vez, porque aos encontros de 2019 e 2020 sucede-se agora a Primeira Conferência Internacional «E se?» de História Mundial, que decorrerá entre 24 e 26 de Novembro na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, com transmissão em directo e em linha. Antes, a 22, e com término também a 26, começará o evento paralelo Semana Cultural da Hipótese-Dias da História Alternativa, que terá lugar na sala Casa Comum da Reitoria da UP.
À semelhança do que aconteceu nos dois anos anteriores, a realização da iniciativa é comandada pela Invicta Imaginária, colectivo criativo responsável pelo projecto Winepunk. E são três os comités que a superintendem: um organizador e dois científicos, um dos quais honorífico – onde o meu nome está incluído devido à minha participação no primeiro encontro, juntamente com os de João Seixas, Luís Corredoura e Luís Filipe Silva, entre outros. O convite generoso e honroso partiu de Ana da Silveira Moura, mais uma vez a principal figura e força criadora e dinamizadora da iniciativa, que explicou em mensagem aos membros deste comité qual será a sua função: «O Honors Scientific Committee, que vocês constituem, é a alma  que mantém o caminho integro na conferência. Todos vocês estiveram presentes ou na primeira edição do meeting WhatIf, ou na segunda, e moldaram aquilo no qual ele se tornou. Mais, a grande maioria são autores de História Alternativa, tendo assim a análise crítica e a criatividade em sinergia na vossa perspectiva. Enquanto do Scientific Committee, eu espero um processo de análise das submissões, do Honors Scientific Committee o que é pedido é que seja o corpo senatorial, o fiel da balança quando existirem dúvidas, a voz conselheira.»
Este ano, e felizmente, não existiram dúvidas, pois o comité científico honorífico não foi chamado a pronunciar-se sobre as comunicações que foram propostas. E que incluem títulos e temas como: «Uso de histórias alternativas em mercadologia – Construindo melhores negócios»; «E se Ricardo Jorge não tivesse existido? Teria o Porto resistido à praga de 1899 e se desenvolvido como uma cidade moderna?»; «Como será Lisboa em 2000? As previsões de Mello de Matos em 1906»; «Pelo Rei, país e Lenine – Ficção contrafactual na primeira república portuguesa»; «Reengenharia do processo de negócio usando histórias alternativas»; «A história alternativa do Alto Palatinado – Um exemplo para novas perspectivas de história local». Na lista de oradores, conferencistas e moderadores encontram-se os nomes de Alfredo Behrens, Alice Nogueira Alves, Ana Silveira Moura, Anna Amsler, Bastian Vergnon, Catarina Martins, Cynthia Maria Montaudon, Fátima Lambert, Ingrid Nineth Pinto, João Ventura, Maria João Fonseca, Mário Mesquita, Nelson Zagalo, Paulo Luís Almeida, Pedro Amado, Rui Macário Ribeiro, Sérgio Neto, Sofia Sousa, Tiago Assis e Tomás Vieira Silva.     
As comunicações apresentadas deverão ser incluídas e publicadas, em 2022, no segundo número da revista digital Hypothesis Historia Periodical, cujo primeiro contém as de 2020 – outro projecto que surge como resultado e como (muito útil) instrumento deste grande projecto dedicado à HA e que tem tentado, e conseguido, aproximar e conciliar a vertente criativa (literária, cultural) com a vertente científica.  

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Sobre civilização, no Público

A partir de hoje, no sítio na Internet do jornal Público, está o meu artigo «Sim, é uma questão de civilização». Um excerto: «Ninguém será mais culpado pela manutenção e até agravamento desta peculiar forma de obscurantismo no nosso país do que Jorge Sampaio, que em 2002, enquanto Presidente da Repúbica, pugnou publicamente pela “re-legalização”, que se concretizou, da variante mais ofensiva, mais degradante, da “festa brava” que é a morte do touro na arena, em Barrancos e não só. Tema verdadeiramente fracturante no nosso país, a tauromaquia assume especial importância no Ribatejo; e, nesta região, há um concelho em especial que se tem auto-prejudicado por privilegiar reiteradamente essa actividade: o de Vila Franca de Xira.»

terça-feira, 30 de março de 2010

Em defesa do Museu Nacional de Arqueologia

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Declaração e abaixo-assinado adoptado pela Assembleia-Geral da Comissão Nacional Portuguesa do Conselho Internacional dos Museus (ICOM)

EM DEFESA DO MUSEU NACIONAL DE ARQUEOLOGIA

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Quando há cerca de um ano o anterior Governo colocou a hipótese da transferência do Museu Nacional de Arqueologia (MNA) para a Cordoaria nacional, o seu Grupo de Amigos (GAMNA) chamou logo a atenção para os riscos inerentes, dos quais o mais importante é o da segurança geotécnica do local e do próprio edificado da Cordoaria, para aí se poderem albergar as colecções do Museu Nacional português com colecções mais volumosas e com o maior número de peças classificadas como “tesouros nacionais”.

Após as últimas eleições pareceu ser traçado um caminho que permitia encarar com seriedade esta intenção política. A ministra da Cultura afirmou à imprensa que fora pedido ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) um parecer acerca das referidas condições geotécnicas e que seria feito projecto de arquitectura coerente, respeitador tanto da Cordoaria Nacional como do programa do Museu. Ao mesmo tempo garantiu que esse complexo seria totalmente afecto ao MNA, sem a instalação antecipada de outros serviços no local. Sendo assim, deixaria também de ser necessário alienar espaços do MNA nos Jerónimos, a título de garantia da ocupação antecipada da Cordoaria.

Causa, pois, profunda estranheza a sucessão de acontecimentos das últimas semanas, os quais vão ao ponto de comprometer ou até inviabilizar a continuidade da gestão do Director do Museu, que nos cumpre elogiar pelo dinamismo que lhe conseguiu imprimir e de cujos interesses se constitui, perante todos nós, em legítimo garante.

O estudo tranquilizador que se dizia ter sido pedido ao LNEC, deu afinal lugar a parecer meramente pessoal do técnico convidado para o efeito. O GAMNA, encomendou estudo alternativo, que vai em sentido contrário. O Director do Museu recolheu, ele próprio, outros pareceres, dos mais reputados especialistas da área da engenharia sísmica, que igualmente
corroboram e ampliam as preocupações existentes. É agora óbvia a necessidade da realização de um programa de sondagens e de verificações in loco, devidamente controlado por entidade idónea, de modo a poder definir com rigor a situação da Cordoaria em matéria de riscos sísmicos, maremoto, efeito de maré, inundação e infiltração de águas salgadas. A recente tragédia ocorrida na Madeira, onde se perdeu quase por completo o acervo do Museu do Açúcar, devido a inundação, aí está para nos lembrar como não pode haver facilidade e ligeireza neste tipo de decisões.

Enquanto não estiver garantida a segurança geotécnica da instalação do MNA na Cordoaria Nacional e enquanto não forem realizados os adequados estudos de planeamento urbano e circulação viária, importa manter todas as condições de operacionalidade do Museu nos Jerónimos. Neste sentido consideramos incompreensível a alienação pretendida da “torre oca” a curto prazo, até porque uma tal opção iria comprometer definitivamente qualquer hipótese
futura de regressar a planos de remodelação e ampliação do MNA nos Jerónimos, conforme foi a opção consistente de sucessivos Governos, até há dois anos. O MNA merece todo o respeito e não pode ser considerado como mero estorvo num local onde aparentemente se quer fazer um novo Museu.

O poder político não pode actuar ignorando os pareceres técnicos qualificados e agindo contra o sentimento de todos os que amam o património e os museus. Apelamos ao bom senso do Governo, afirmando desde já a nossa disposição para apoiar o GAMNA na adopção de todas as medidas cívicas e legais necessárias para que seja defendida, como merece, a instituição mais
do que centenária fundada pelo Doutor Leite de Vasconcelos, o antigo “museu do homem português” e actual Museu Nacional de Arqueologia.

Lisboa, em 29 de Março de 2010.

terça-feira, 23 de março de 2010

Abutres no tecto de um Estado que não vigia o ninho...

23 Março 2010 - 00h30
Espólio do poeta
Leilão de bens de Cesariny em Lisboa

Parte dos bens que pertenceram ao artista português Mário Cesariny – um dos expoentes do surrealismo em Portugal –, incluindo manuscritos, originais, livros anotados, fotos legendadas e cartas trocadas com grandes vultos da intelectualidade da época, vão a leilão hoje, amanhã e quinta-feira no Hotel Fénix, em Lisboa, a partir das 21h30.

Do espólio que revela o que o poeta e pintor falecido em 2006 pensava sobre ética, política e arte, constam cartas do escritor mexicano Octavio Paz, do poeta e historiador Franklin Rosemont e do pintor britânico Philip West.

Nos leilões serão ainda disponibilizadas uma colecção de cartazes políticos dos anos 60 e 70, 14 serigrafias de Lurdes de Castro e uma colecção com fotos raras sobre os primórdios da aviação em Portugal, com Gago Coutinho e Sacadura Cabral. Todos os bens estarão em exposição das 15h00 às 19h00, durante os três dias.

A.M.R.

Fonte:
Correio da Manhã

sábado, 30 de janeiro de 2010

Econometria e cultura - Breves considerações sobre a obsessão mundial com econometria

Está, deveras, na moda o uso das estatísticas nas sociedades deste mundo global. Afigura-se-nos, claro, que a actual economia de “capitalismo de casino”, como é catalogada por alguns autores, tem abusado da utilização dos métodos da econometria para comparar actividades produtivas de países, designadamente através de agências de rating, sistemas de ensino, mediante os conhecidos relatórios PISA da OCDE, audiências televisivas de programas e de canais, como aliás o Dr. Mário Soares lucidamente denunciou ainda recentemente ao escrever sobre os fracassos das previsões económicas como muito bem realçou o Professor José Medeiros Ferreira (texto “A credibilidade dos organismos técnicos II” in http://www.cortex-frontal.blogspot.com/). Pelo contrário, alguns autores fazem-nos crer que a ciência económica, mesmo escorada na mais exigente econometria, não é uma ciência exacta e uma visão global pede sempre pressupostos ideológicos. Aliás, alguns autores interessantes do blogue ladrões de bicicletas (in http://www.ladroesdebicicletas.blogspot.com/) têm demonstrado à saciedade a veracidade deste princípio básico da ciência económica.

A famigerada sentença, e bem apreciada na opinião pública nacional, do Dr. Jorge Sampaio, então Presidente da República, proferida, embora noutra conjuntura internacional e nacional, com tom de sabedoria e de bom senso é bem pertinente nos dias que correm: “Há vida para além do défice!”. Esta frase significou que os tecnocratas, da Europa e do país, se preocupavam excessivamente com o limite de 3% do défice imposto pelas instituições europeias e Portugal estava a transgredir, claramente, esse tecto percentual. Com efeito, pretendeu chamar à atenção para a necessidade da política não se restringir a viver duma estratégia que superlativava a importância da economia, visto que na sua perspectiva humanista a economia deve estar ao serviço do Homem, e não ao invés.

O surrealismo da econometria vai ao ponto de, por exemplo, quantificar monetariamente o valor de um quadro dum génio da pintura. Esta tradução do valor espiritual, de um bem cultural num preço, só pode ser obra de gestores com mentalidades econometristas, pois uma obra de arte, em particular uma obra-prima, tem um valor inestimável em termos de critério monetarista, porque uma obra de arte moldada por uma alma criadora inspirada jamais poderá ser mensurável de uma forma pretensamente objectiva. Posso compreender unicamente a vontade de atribuir um valor monetário, pretensamente objectivo, a uma obra de arte pela razão de haver necessidade de salvaguardar esse património cultural junto de uma entidade Seguradora. Vejo esta menosprezável tendência como um vício dos homens materialistas que não conseguindo vislumbrar o âmago da alma dos bens espirituais procuram a sua descodificação numa linguagem acessível aos homens mais terrenos ou pragmáticos.

Por outro lado, não nos devemos esquecer da influência decisiva que os factores psicológicos têm no curso da vida económica. Deste modo, a economia de uma região, de um país ou do mundo não pode ser reduzida à análise estatística, tal como a vida educativa, sob pena de despojarmos o Homem da sua própria humanidade. Basta pensarmos que emoções como a confiança, a motivação, o desânimo ou o pânico podem ser absolutamente decisivos nas oscilações das actividades produtivas ou financeiras. Lembremo-nos do emblemático “Grande Crash da Bolsa de Nova Yorque”, de 24 de Outubro de 1929, que precipitou o mundo num pessimismo tão fundo que conduziu algumas Nações europeias a agarrarem-se à ilusão salvífica de Estados Autoritários.

Esta linguagem econométrica visa a criação de um pensamento único que facilite a gestão desta sociedade global, no entanto este processo acarreta a modelação de novos preconceitos. É o caso dos países do Sul da Europa que já receberam a alcunha de “PIGS” por parte da imprensa nórdica. Assim, os povos nórdicos encaram como tendencialmente laxistas os povos latinos (Itália, Grécia, Portugal e Espanha), com excepção da Irlanda recentemente agregada ao grupo, o que denota algum menosprezo pela mentalidade e cultura dos países europeus Mediterrânicos. Contudo, estes povos têm-se revelado, salutarmente, zelosos de uma vivência mais livre, criativa e espontânea que não se compagina com uma vida monitorizável, como o desejam os tecnocratas, pelos cegos critérios da estatística. Senão, um dia, pensaremos em pesar a alma, tal como os antigos egípcios acreditavam que, na esfera do divino, sob a presidência de Osíris num tribunal o coração dos mortos era pesado, caso se provasse a sua leveza por rectidão em vida a alma alojada no corpo ganharia direito à eternidade.

A confirmar esta minha percepção estão as distintas, e aparentemente antinómicas, lições axiológicas do Papa Bento XVI e do Dr. Mário Soares que concordando no diagnóstico discordam nas soluções. Na verdade, depreende-se da leitura da Encíclica do Sumo Pontífice “Caridade na Verdade” ( Prior Velho, Edições Paulinas, 2009 ) bem como da obra do Dr. Mário Soares “Um mundo em mudança” ( Lisboa, Editora Temas e Debates, 2009 ) uma critica semelhante às visões econométricas absolutistas, dissociadas de senso humanista. Na realidade, partindo de percepções axiológicas diferentes, ambos entendem o Homem como um Ser Multidimensional e as sociedades como realidades complexas não compagináveis com as “fatiotas” econométricas que os tecnocratas nos querem fazer vestir.

Era bastante sábia a lição do aforismo de Fernando Pessoa que dizia: “tudo vale a pena quando a alma não é pequena!”. Se no tempo do poeta pairava a ideia de Max Weber de reduzir o Homem à burocracia, que tanto assustava o nosso criador, na actualidade o Homem corre o risco de se ver reduzido pela tecnocracia econométrica da sua fonte criadora e libertadora…Na verdade, Pessoa percebeu que a sua vida profissional era demasiado insignificante como manga-de-alpaca e, por isso, deixou-se levar e metamorfosear em vários heterónimos. É bastante interessante saber que, devido ao inestimável valor da sua alma criativa, Roland Barthes julgou, segundo nos conta com bastante humor o Embaixador Francisco Seixas da Costa (texto “Pessoa(s)” no seu Blogue Duas ou três coisas – Notas pouco diárias do Embaixador Português em França in http://www.duas-ou-tres.blogspot.com/), que Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis eram quatro poetas portugueses! Que a máxima Pessoana nos possa servir sempre de alavanca inspiradora…

Nuno Sotto Mayor Ferrão

sábado, 2 de janeiro de 2010

A situação cultural de hoje...

A Pele e a Terra

Se me perguntam qual é a situação cultural em Portugal neste momento, respondo com outra pergunta: a que é que chamamos cultura, hoje?
Porque essa palavra, esse conceito, não tem o mesmo significado para todos – sobretudo hoje, em que se ouve falar de «cultura de responsabilidade», «de civismo», «de transparência», disto e daquilo, como se afinal tudo fosse ou pudesse ser cultura. Como se a cultura fosse um somatório de comportamentos ou de princípios morais e éticos.
O que não é forçosamente errado – é simplesmente diferente da noção de cultura que nos foi incutida desde o século XIX: a cultura era sobretudo o campo das artes, das letras e das ciências; culto era o sujeito capaz de se deixar encantar com um certa ária de ópera, uma cantata de Bach, um soneto de Camões, uma página de Cervantes, Balzac ou Eça, uma escultura grega, um quadro de Rembrandt, etc. – e de os saber reconhecer e identificar.
A cultura é uma invenção europeia, como quase tudo, e também ela teve de sofrer as vicissitudes da História deste nosso continente. Convém lembrar aos mais esquecidos que em Outubro de 1914, com a I Guerra Mundial já a mostrar a sua inédita capacidade de destruição, um jornal de Berlim publica um célebre manifesto no qual noventa e três sábios de renome mundial, entre eles diversos prémios Nobel, defendiam a causa alemã como sendo a que representava a «Kultur», em contraste com as tendências corruptoras da «Zivilisation» moderna, mecânica e sem alma, representada nesse conflito pelas forças aliadas contra a tal Alemanha culta.
É igualmente oportuno lembrar o que escreveu George Steiner num livrinho precioso intitulado «No Castelo do Barba Azul – Algumas Notas para a Redefinição de Cultura»:
«Poucas tentativas se fizeram no sentido de ligar o fenómeno de primeira grandeza da barbárie do século XX a uma teoria mais geral da cultura. Foram raros os que puseram ou sondaram a questão das íntimas relações existentes entre as formas do inumano e a matriz ambiente contemporânea da civilização avançada. Mas o certo é que a barbárie que sofremos reflecte, em numerosos pontos precisos, a cultura de onde brotou e quis profanar. A arte, as investigações intelectuais, o desenvolvimento das ciências da natureza, múltiplos sectores de actividade universitária floresceram numa estreita proximidade espacial e temporal relativamente aos campos de extermínio. (...) Porque é que as tradições humanistas e os modelos de comportamento correspondentes se revelaram defesas tão frágeis contra a bestialidade política? De facto, seriam uma defesa, ou será mais realista identificarmos na cultura humanista apelos expressos ao autoritarismo e à barbárie? Não vejo como um debate sobre a definição de cultura e sobre a viabilidade da ideia de valores morais possa evitar estas questões. Uma teoria da cultura, uma análise da nossa situação de hoje, que não logre considerar no seu eixo as modalidades do terror que levou à morte, por meio da guerra, da fome e do massacre deliberado, cerca de setenta milhões de seres humanos na Europa e na Rússia, entre o início da Primeira Guerra Mundial e o fim da Segunda, não pode deixar de me parecer irresponsável.»
«Compreendemos hoje que as manifestações extremas da histeria colectiva e da selvajaria de massa podem coexistir com uma conservação e até um desenvolvimento simultâneos das instituições, organismos burocráticos e códigos profissionais da alta cultura. Por outras palavras, as bibliotecas, museus, teatros, universidades, centros de investigação, nos quais e através dos quais a transmissão das humanidades e das ciências tem fundamentalmente lugar, podem prosperar na vizinhança dos campos de concentração.»
E o mesmo Steiner a lembrar-nos que os torcionários e manipuladores das câmaras de gás eram muitas vezes conhecedores ávidos ou mesmo executantes das composições de Bach e Mozart, ou admiradores e estudiosos de Goethe e Rilke.
A essas observações, escritas em 1971 mas que continuam actualíssimas, podemos nós acrescentar que nesses mesmos anos 40, mas do outro lado da barricada, se inventou o «bombardeamento cultural» («cultural bombing») -- os bombardeiros aliados arrasaram sistematicamente alvos culturais alemães, como a Biblioteca Nacional de Munique (500 mil livros destruídos) ou a biblioteca universitária de Hamburgo (625 mil livros) – no total, cerca de oito milhões de livros consumidos pelo fogo. Apenas alguns exemplos desse catastrófico cenário de destruição, a que a cultura não escapou.
E tudo isso faz parte da nossa herança, por mais que nos doa. Ou por mais que tudo façamos para o ocultar na «cultura de amnésia» hoje vigente -- porque a memória só é exigida aos nossos computadores... Os mesmos computadores em que brincamos com jogos de guerra, aliás. Isto porque, já agora, também vigora hoje uma «cultura de virtualidade» em que nada é real (até nos tocar na pele) e tudo é «faz de conta».
A grande vencedora dos dois maiores conflitos mundiais foi a cultura americana. E um dos dados dessa mesma cultura é o espectáculo, sob as formas do cinema e da televisão, obviamente, mas também das outras artes e sobretudo dos nossos comportamentos: não preciso de ser realmente isto ou aquilo, basta que pareça (e apareça) assim aos olhos dos outros, numa cultura em que tudo se mostra e deve ser mostrado («público» e «privado» confundem-se). Se eu não aparecer na televisão, nos jornais, nas revistas, na Internet, é como se não existisse: estou social e culturalmente morto. Apareço (e pareço), logo existo...
Outra vencedora, e de matriz americana, do violento século XX foi a informação, tantas vezes confundida com a cultura. E confundindo mesmo os espíritos mais perspicazes, como o mediático Umberto Eco: «Cultura não é saber quando morreu Napoleão. Cultura significa saber como vou descobrir isso em dois minutos» ... Mas, digo eu, esse saber não é sabedoria nem é cultura, continua a ser informação. Uma informação omnipresente na nossa sociedade maioritariamente urbana, através da televisão, da rádio, dos jornais (cada vez menos), da Internet, da publicidade – palavras e imagens competindo entre si para nos darem conta do que se passa à nossa volta. Mas dentro de nós, quem nos diz como somos e estamos?
Todos nós conhecemos pessoas famosas por serem «cultas», exemplares nos diversos ramos da cultura erudita, mas que, quando nos aproximamos delas, se revelam seres humanos pouco edificantes, às vezes execráveis, ou simplesmente tão desinteressantes que nos levam a perguntar: mas como é que uma pessoa assim conseguiu criar uma obra tão bela...? Pessoalmente, tendo passado por demasiadas experiências penosas desse tipo, considero que estamos perante um dos enormes mistérios da criação...
É como se a tal cultura fosse apenas uma pele, ou uma capa, um acessório alugado num guarda-roupa cultural, e destinado a figurar neste baile de máscaras global.
«Global» -- aí está outra palavra que faz parte do nosso vocabulário cultural contemporâneo. E com toda a razão: a cultura que temos hoje é sobretudo global, ou seja, de matriz americana. Tal como outrora todos os caminhos (aliás, estradas romanas) iam dar a Roma, também hoje os nossos modelos vêm da América – mesmo o «multiculturalismo» veio de lá ...
Nesse aspecto a informação disponível é muito útil para fazermos estas comparações e sabermos a quantas andamos e o que nos querem impingir sob a capa da «originalidade». E que alimenta a chamada «indústria cultural», expressão horripilante que também nos chegou dos EUA, evidentemente (ainda está por fazer o rol dos malefícios da industrialização ...)
Um dos modelos culturais que hoje impera é o do horror disfarçado com o rótulo de «arte» e vendido por bom preço, graças ao nome que aparece na assinatura (os nomes, hoje, não têm significado espiritual – têm valor de mercado!) Sempre que me acontece entrar numa galeria ou até mesmo em casa de alguém e deparar-me com essas monstruosidades, além da dor que isso me provoca, dou por mim a perguntar: como é que se pode ter uma coisas destas diante dos olhos e não gritar, não adoecer, não ficar furioso com a humanidade...?
Talvez o Steiner tenha razão quando comenta: «Se fitarmos o medonho com demasiada insistência, acabamos por nos sentir insolitamente atraídos pelo medonho. Por vias estranhas, o horror mobiliza-nos a atenção, e concede às nossas capacidades limitadas uma ressonância de artifício.»
Tudo isso se aplica naturalmente ao caso cultural do nosso País, acerca do qual se deve ainda perguntar se a cultura que temos é mesmo nossa, se contém algo que seja especificamente português, ou se é apenas «global», como agora é moda e imperativo.
Nestes cem anos da «Águia», vem a propósito referir o que um dos seus vultos maiores, Teixeira de Pascoaes, escrevia em «Arte de Ser Português»:
«Ser português é também uma arte, e uma arte de grande alcance nacional, e, por isso, bem digna de cultura. (...) O fim desta Arte é a renascença de Portugal, tentada pela reintegração dos portugueses no carácter que por tradição e herança lhes pertence, para que eles ganhem uma nova actividade moral e social, subordinada a um novo objectivo comum superior. Em duas palavras: colocar a nossa Pátria ressurgida em frente do nosso Destino.»
Pascoaes escreveu esta cartilha cívica para ser ensinada nas escolas fundadas pela República. Agora que se assinalam cem anos da implantação dessa mesma República, o que faremos com este testamento espiritual do poeta, até agora nunca posto em prática?
Um outro poeta da mesma geração, Pessoa, afirmou que a cultura é um fenómeno espiritual e que a pátria era a nossa língua. Face a esses dados que fazem parte do nosso legado, que pátria é a nossa, quando a língua que hoje temos está reduzida a um léxico mínimo e a uma invasão de palavras e expressões americanas, usadas no original ou traduzidas à letra? Exemplos: timing, opinion makers, media (lido como «mídia»), outdoors, glamour, target, staff, procedimentos, corporações, janela de oportunidade, ícone, agendas, basicamente, interacção, pró-activo, no fim do dia, postura – e assim por diante...
O Pascoaes (sempre ele!), na mesma obra de 1915, definiu as características da alma portuguesa como sendo: termos uma língua e instituições próprias, uma História e antepassados exemplares, paisagem, gastronomia, igualmente próprias, e uma relação particular com o mar. Ora a língua está gravemente ferida, as instituições foram copiadas dos outros, a História é desprezada ou mal ensinada, os antepassados são meros desconhecidos, os monumentos estão a cair, a gastronomia ainda resiste apesar de ameaçada pela «nova cozinha» vinda do estrangeiro, a relação com o mar só subsiste nos pescadores que nos restam. Esse mar que foi o nosso deserto de nómadas e através do qual chegámos aos Orientes ... E hoje? Onde vamos? Fazemos turismo (os que podem) ou emigramos (à força, outra vez). Nem sequer conhecemos este País nem o seu património, nem a sua História. Geralmente são estrangeiros aqueles que nos mostram as riquezas que temos – e depois nós ficamos muito admirados...
Creio que a cultura não pode ser desligada da agricultura, no sentido em que qualquer cultura nasce da relação com uma certa terra e aqueles que a habitaram antes e habitam agora, e que a lavram misturando o seu suor com o húmus. Cultiva-se o espírito como se cultiva a terra. A cultura de um povo constitui a identidade de um certo grupo humano situado num determinado território ao longo de um certo período.
Creio, igualmente, que a chamada cultura, sempre ligada com a curiosidade e com o gosto de aprender, é o que nos permite ligar todas as coisas entre elas até formarem um tecido – como quem faz tapeçaria. É um entrelaçado ou um acto de amor.
Creio, finalmente, que a Bíblia está certa quando apela ao homem justo, e não ao homem culto; ao estudo, e não à enciclopédia; ao coração amoroso, e não à biblioteca recheada. Porque a sabedoria vem do coração, é coisa íntima, e a cultura, como sabemos, é demasiadas vezes uma simples pele, fina e frágil.
Afinal de contas, de que me serve ser «culto» se não cultivar esta terra que eu sou? Cultivá-la de modo a que dê frutos que alimentem os outros, os que têm fome.
De que me serve a cultura se ela não fizer de mim um ser humano melhor?
Mas claro que ingénuos como eu nunca terão cotação no tal mercado global.

António Carlos Carvalho