As relações entre Portugal e o Brasil estão mais centradas nas afinidades histórico-culturais do que na obtenção de resultados políticos concretos, ou como escreveu a CIA em 1986, são “amigáveis, mas de importância secundária para cada país”.
Esta é uma das conclusões de um estudo dos acadêmicos Andrés Malamud e Pedro Seabra, inserido no livro “O Essencial da Política Portuguesa”, que traça uma radiografia do passado e presente da democracia portuguesa ao longo de 900 páginas, da autoria 68 pesquisadores portugueses e estrangeiros, que foi lançado na quinta-feira, dois dias antes da cimeira luso-brasileira de Lisboa.
Os autores aproveitam um documento da CIA (um dos serviços de informações do Estados Unidos), datado de 1986, para caracterizar o estado atual do relacionamento entre Portugal e o Brasil, alegando que a “maior parte dos aspetos referidos permaneceu substancialmente inalterada” desde que foi redigido.
“Embora os líderes dos dois países falem de vez em quando em trabalhar em conjunto para expandir os seus laços econômicos com as ex-colônias portuguesas em África, o mais frequente é competirem entre si nesses países”, referia o documento da CIA.
Andrés Malamud e Pedro Seabra terminam o texto com uma conclusão semelhante: “Ao continuar a enaltecer-se as afinidades político-culturais em detrimento de dividendos políticos concretos, é apenas expectável que as relações entre Portugal e Brasil proporcionem mais conforto do que propriamente inovação”.
A análise dos investigadores indica que “as ligações históricas têm funcionado frequentemente como amortecedor, e não como motor, de uma agenda comum substantiva”.
Apesar de “o estatuto de Portugal no Brasil e vice-versa” continuarem “a merecer elogios regulares nos círculos políticos e acadêmicos”, a situação nas camadas populares é bem diferente.
“No Brasil, as piadas com portugueses equivalem às piadas com polacos nos Estados Unidos, troçando da suposta pouca inteligência dos migrantes rurais estereotipados de Portugal. Por sua vez, as jovens brasileiras – e os trabalhadores brasileiros do sexo masculino – são comummente estigmatizadas na sociedade portuguesa”, referem os autores.
Os autores não deixam de assinalar que nos anos de 1990, “os brasileiros tornaram-se a maior comunidade imigrante em Portugal, sendo consistentemente considerada a mais próxima pela opinião pública portuguesa”.
Andrés Malamud e Pedro Seabra consideram, contudo, que as relações entre os dois países “melhoraram quando os governos portugueses começaram a olhar seriamente para as oportunidades econômicas oferecidas pela democratização brasileira”, lembrando que, em 1995, o então primeiro-ministro António Guterres aditou a “Opção Brasil” como meta programática e nos cinco anos que se seguiram, até 2000, “Portugal passou de 21.º investidor estrangeiro do Brasil para 3.º”, recuando rapidamente para o 14º lugar em 2003.
Um ponto positivo no relacionamento entre os dois países foi alcançado em 2000 com a assinatura do tratado bilateral de Porto Seguro que “estabeleceu a reciprocidade quanto à aquisição de cidadania e direitos políticos, bem como à regularização dos trabalhadores”.
“Este acordo veio confirmar o estatuto privilegiado de que gozam os cidadãos brasileiros em Portugal relativamente a outros estrangeiros não europeus, emulando assim os benefícios que foram alargados aos portugueses no Brasil em décadas anteriores”, assinalam.
A estabilidade alcançada por Portugal com a entrada na moeda única europeia – o euro – “contribuiu para redirecionar a maior parte do investimento estrangeiro português para a Europa”, mas a situação “mudaria novamente após a crise do euro, que teve impacto em Portugal após 2011 e levou a uma privatização frenética das empresas públicas”.
“Embora houvesse empresas brasileiras entre os potenciais compradores preferenciais, Portugal optou em grande parte por capital angolano e chinês. O potencial comercial existente entre os dois países mal se manteve à tona em 2019, o Brasil foi o 11.º mercado das exportações portuguesas, com uma quota de 1,3%, enquanto Portugal desapareceu para segundo plano como 38.º destino dos produtos brasileiros”, indicam, citando como fonte a AICEP.
Por outro lado, os investigadores consideram que “as cimeiras de alto nível têm fornecido o enquadramento político para o aumento dos contatos, apesar de serem cada vez menos frequentes”.
Dão o exemplo do acordo ortográfico assinado em 1990, embora considerando que “a controvérsia em torno da sua frouxa implementação eclipsou grande parte da unanimidade enaltecida na época”.
Abordam também a criação da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) que foi impulsionada pelos antigos Presidentes Mário Soares e Fernando Henrique Cardoso, apesar de todos os obstáculos, mas que “não isolou os dois países da competição por oportunidades setoriais noutros parceiros africanos lusófonos, nem de eventuais desacordos relativos à própria gestão” da comunidade.
Ainda assim, Andrés Malamud e Pedro Seabra consideram que este fórum tem “permitido a partilha de apoio a candidaturas a altos cargos em várias organizações internacionais, promovendo a posição externa de cada país”.
Ao mesmo tempo, os autores do estudo indicam que “o objetivo há muito cobiçado de aproximar o Brasil da Europa por intermédio de Lisboa passou por desenvolvimentos significativos”.
“A formalização da parceria estratégica Brasil-UE coincidiu com a percepção do estatuto crescente do Brasil no estrangeiro e recebeu considerável apoio de Portugal, numa tentativa de reforçar a sua reputação de construtor de pontes. Desde então, Portugal manteve-se forme na pressão para a conclusão de um acordo de comércio livre entre a UE e o Mercosul como última componente que falta na relação transatlântica”, apontam. In “Mundo Lusíada” – Brasil com “Lusa”
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