Não me vou deter muito no primeiro, relativamente ao qual só conheço bem a situação portuguesa (não a do Brasil); por cá, os livros parecem feitos para construir casas sólidas, e não para as rechear; têm o mesmo gigantesco tamanho, e as mesmas deprimentes cores nas capas: são 'produtos', e não obras, competindo entre si pela atenção fugaz do consumidor como se fossem detergentes ou cereais de pequeno-almoço (geralmente, alimentam menos). As grandes colecções generalistas de bolso que chegaram a editar centenas de títulos (longe, no entanto, dos vinte mil 'livres de poche' franceses, e não vale a pena referir o mundo de língua inglesa) acabaram ingloriamente; as específicas, em que brilhava o formato e a genial imagem dos 'vampiros' policiais, foram substituídas por séries caríssimas e não manuseáveis. Os bolsos andam vazios, e nem livros há para lhes dar uso.
A wikipédia é um caso mais subtil, e mais sério. Não se trata do número de entradas, mas da sua qualidade, definida pelo modo como os seus abençoados criadores a conceberam: uma enciclopédia universal feita por todos, em diálogo e crítica permanente, ao modo como avançou a ciência que transformou o mundo. Trata-se de uma coisa tão simples como encontrar ou não, nos mais variados assuntos, aqueles avisozinhos que dão nota de "conteúdo controverso", de afirmações não suportadas por referências, de um determinado parágrafo parecer descontextualizado; trata-se de uma coisa tão importante como o hábito de argumentar, justificar os argumentos, construir um texto explícito e preciso, criticar e contrapôr, em vez de apenas ser o primeiro selvagem a ocupar uma terra vazia. O hábito de indicar as fontes, por exemplo.
Uma visitinha às páginas sobre Napoleão pode bastar para perceber melhor isto (deve ser escolhido um tema de interesse universal, claro), mas é fácil encontrar milhares de outros casos: a página francesa (e de França foi ele imperador) tem neste momento 44 notas e referências; a inglesa tem 184; a portuguesa tem 15, e está de parabéns: usualmente, lemos um mais ou menos interessante texto corrido, aliás geralmente traduzido - e mal.
Duzentos milhões de falantes: todos nós.
2 comentários:
LOL! Mesmo agora desabafei no Arrastão que tenho saudades de quando não havia a Wikipedia - falam por lá de Israelitas e Palestinianos... Um must! Até arrepia a inteligência de um escaravelho... :)
às vezes, na wikipédia, tenho saudades do Pisca Pisca.
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