Desapossando-se desse cidadão, filho de judeus expulsos por D. Manuel, Portugal antecipou o pagamento de uma boa indemnização à Holanda pela perda do Brasil.
Como a distância de trezentos anos modifica na perspectiva da História a proporção das coisas! Quem nos dissesse no século XVI que o obscuro e desprezível judeu, pai de Espinosa, ao emigrar de Lisboa, nos arrebatava uma riqueza comparável à dos imensos territórios do país brasileiro teria o ar de um utopista em delírio. E, todavia, o que hoje vemos é que o império do Brasil, depois de tanto sangue derramado e de tanto oiro despendido para o manter por algum tempo sob a dominação honorária da nossa bandeira, desapareceu para nós sem outro vestígio mais que o cansaço, a corrupção e a tristeza que imprime no enfranquecimento das gerações e na decadência das raças a memória das suas glórias extintas e das suas riquezas desbaratadas; ao passo que Espinosa, tornado holandês pela intolerância do nosso despotismo católico, funda no país a que rejeitámos a base de um novo critério que põe a Holanda à frente de todo o grande movimento filosófico do mundo moderno. Entre os grandes pensadores que no século XVII deitaram abaixo toda a velha construção da psicologia, abrindo caminho novo ao regime experimental da nossa era, foi esse português de Amsterdão, magro, sóbrio, moreno, nervoso, terno, namorado – legítimo português por todos os caracteres fisiológicos – quem mais poderosamente manejou ideias, renovou e fortaleceu inteligências, elevando proporcionalmente no seu meio social o nível da dignidade humana, e criando em toda a parte, pela penetração e pela independência do seu génio, novas e fecundíssimas correntes de investigação e de processo, na filosofia, na moral, na política, na arte. atraindo magneticamente e arrastando na sua órbita lumiosa toda uma constelação de espíritos, entre os quais veremos sucessivamente irradiar Leibniz, Malebranche, Voltaire, Lessing, Goethe, Byron, Novalis, Hegel, Schopenhauer, Hartamann, Bukle, Draper, Quetelet, Spencer, todos aqueles enfim que uma vez perguntaram a si mesmos, num intuito moral, num intuito político, num intuito pedagógico ou num intuito estético, se as acções humanas são livres ou são necessárias [...]
Ramalho Ortigão, Holanda, 1883
1 comentário:
O pai de Espinosa pode ter partido de Lisboa, mas era da Vidigueira, terra alentejana.
No tempo de Ramalho desconhecia-se o que se sabe hoje, devendo-se esta divulgação ao saudoso
Amigo Joaquim de Montezuma de Carvalho, filho do prof. Joaquim de Carvalho estudioso de Espinosa.
Cumprimentos
Eduardo Aroso
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