“Demonstrar a ânsia de aventura de um pequeno povo pelo seu isolamento atlântico é fácil. Traçar-lhe o comportamento em justificações místicas de destino e de mensagem, pior é; quando muito, coisa para português meter numa filosofia que não tem.”
“Bem sabemos, entre mãe e madrasta, a terra de origem desconhece muitas vezes o filho universal. Mas antes a ignorância do que o saber errado. Antes o silêncio eloquente do que a concessão tolerante de uma memória sem total consciência da dimensão do homem que nela se evoca. E menos ainda festejar em escritor ribatejano um português de projecção internacional.”
“O tempo aqui, tempo português, é uma função mais que todas ambígua porque se refere a uma realidade abstractatizada, inconfundível. Tempo onde dificilmente ocorre o acontecimento vertical, incontroverso. Tempo entre a notícia e o boato; das muitas justificações, do que circula e não se vê; e que obriga o romancista a sucessivas abordagens dos heróis, focando-os em vários ângulos, deslocando-os, procurando sincronismos, suspensões. Um tempo que se distorce por formas de pressão que nada têm a ver com o stress que avassala as sociedades de alta industrialização.”
“(…)Eles (CEE) sabem que somos um país mentido, um país oficialmente agrícola que importa mais de metade da agricultura de que necessita para sobreviver, mas sabem também a nossa costa e cobiçam-na como um dos melhores viveiros de peixe do mundo. Portugal não morre enquanto tiver o pescador e a mulher como produtos de exportação, diz Raul Brandão por outras palavras. E justifica: É ela a mulher quem nos salva parindo filhos atrás de filhos para a emigração. Creio que só assim, parindo e gemendo, é que se equilibra a balança comercial.”
José Cardoso Pires, Dispersos, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2005
Imagem: José Cardoso Pires pintado por Júlio Pomar
1 comentário:
Bem lembrado...
Abraço MIL.
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