*É um Lusófono com L grande? Então adira ao MIL: vamos criar a Comunidade Lusófona!*

MIL: Movimento Internacional Lusófono | Nova Águia


Apoiado por muitas das mais relevantes personalidades da nossa sociedade civil, o MIL é um movimento cultural e cívico registado notarialmente no dia quinze de Outubro de 2010, que conta já com mais de uma centena de milhares de adesões de todos os países e regiões do espaço lusófono. Entre os nossos órgãos, eleitos em Assembleia Geral, inclui-se um Conselho Consultivo, constituído por mais de meia centena de pessoas, representando todo o espaço da lusofonia. Defendemos o reforço dos laços entre os países e regiões do espaço lusófono – a todos os níveis: cultural, social, económico e político –, assim procurando cumprir o sonho de Agostinho da Silva: a criação de uma verdadeira comunidade lusófona, numa base de liberdade e fraternidade.
SEDE: Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa)
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NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI

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Desde 2008"a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".

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"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

Nenhuma direita se salvará se não for de esquerda no social e no económico; o mesmo para a esquerda, se não for de direita no histórico e no metafísico (in Caderno Três, inédito)

A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo (in Cortina 1, inédito)

Agostinho da Silva

domingo, 31 de janeiro de 2010

31 de Janeiro

O 31 de Janeiro constituía o tema favorito do sargento João Madruga. Embora tivesse acabado mal, fora a manhã mais bonita da sua existência. Madruga meteu na boca a última garfada de carne, limpou os lábios ao guardanapo, bebeu mais um gole de vinho tinto, e começou.
– Nós fomos para a revolução prontos para matar e morrer, mas aquilo quase não passou de um desfile. Às duas da manhã, saímos para a rua com dois regimentos. Estava nevoeiro e fazia frio. Eu estava colocado em Caçadores 9, que tinha o quartel na Rua de S. Bento. Juntámo-nos no Campo de Santo Ovídio com o pessoal de Infantaria 10 e com muitos soldados da Guarda-Fiscal, uns a pé, outros a cavalo. Os sargentos eram unidos e estavam do nosso lado, mas poucos oficiais nos quiseram acompanhar. Vieram apenas o capitão Leitão, o tenente Coelho e o alferes Malheiro.
Na madrugada do dia 31, os oficiais talassas conseguiram impedir o Regimento de Infantaria 18 de se juntar a nós. No entanto, alguns chefes militares não tinham ideias muito claras. Nem queriam estar contra Deus nem contra o Diabo. Houve ainda oficiais superiores que nem souberam, até ser dia, que estávamos na rua. Bom, quando nos pusemos em marcha, íamos cheios de ilusões. Julgávamos que era só chegar fogo a palha seca. Deitávamos os primeiros foguetes e a festa começava...
Não aconteceu assim, embora tivéssemos chegado a dispor de superioridade militar. O Governo ficou com a Guarda Municipal e com a artilharia da Foz e da Serra do Pilar. O destacamento de Cavalaria 6 andava por ali, sem saber para que lado cair. Contávamos que bastasse ter os regimentos na rua para que surgissem generais ou coronéis dispostos a comandar-nos. Não apareceram. Nem os civis que se juntaram a nós foram tantos como esperávamos. O Partido Republicano andava muito dividido e teve pouco a ver com a revolução.
Não se combatia. Esperava-se. A Guarda Municipal retirou quando viu chegar o Regimento de Infantaria 10, mas voltou a ganhar ânimo e foi rodeando as nossas tropas em Santo Ovídio. O subchefe do Estado-Maior da guarnição do Porto, tenente-coronel Magalhães, atreveu-se a entrar a cavalo no Campo, sem que alguém o impedisse. Quis falar com o capitão Leitão. Levaram-no junto dele. Magalhães tentou convencer o capitão a desistir da revolta, mas o homem era teimoso e estava decidido a seguir em frente.
De manhã cedo, um grupo de estudantes veio juntar-se a nós, dando vivas à República. A malta animou-se. Esperava-se que o Regimento de Infantaria 18 acabasse por aderir ao levantamento. As praças lá permitiram que os civis arrombassem uma porta. Santos Cardoso, um fala-barato em que poucos revoltosos confiavam, entrou no quartel acompanhado do actor Miguel Verdial e começou a arengar aos oficias. A acreditar no que o homem dizia, o rei já tinha fugido para um navio e navegava àquela hora para Inglaterra. Fora proclamada a República! O governo ameaçava expulsar do Exército os oficiais que se lhe opusessem.
A palestra surtiu algum efeito e a confusão instalou-se no Regimento.
Entretanto, a banda de Infantaria 10 desceu a Rua de Almada, a tocar “A portuguesa”. Nós e os civis íamos atrás. Não estávamos alinhados para o combate, mas para um desfile. Ocupámos a Praça de D. Pedro por volta das seis da manhã. A nossa bandeira foi hasteada na Câmara Municipal do Porto. Houve discursos. Ninguém os ouviu, mas não fazia mal. Era a República! Tínhamos governo e tudo!
As horas passaram. A tropa tinha fome. Estavam ali 600 homens, e pouco pão se pôde arranjar. Fui conversando com os colegas. Demos conta que não havia propriamente um plano militar e que nenhum ponto estratégico tinha sido ainda tomado. Começámos a preocupar-nos.
Os nossos oficiais resolveram então formar uma coluna. Subimos a Rua de Santo António em direcção à Batalha. A banda pôs-se outra vez à frente, a dar música ao povo.
A Guarda Municipal tinha-se posicionado no adro da Igreja de Santo Ildefonso. Já não estava sozinha. Do lado do Teatro de S. João, alinhava o destacamento de Cavalaria 6, que acabara por se inclinar para o campo dos talassas. Do outro lado, havia uma centena de praças da Guarda-Fiscal. A Guarda-Fiscal estava dividida. Metade alinhou connosco e metade com o Governo. Os municipais, não. Eram quase todos monárquicos. A nossa coluna não pretendia lutar, mas sim chamar para o nosso lado o resto da tropa. Acreditávamos que tanto a população como os soldados queriam mesmo a República. A essa hora, ainda dispúnhamos de vantagem em termos de efectivos. Dificilmente a Guarda Municipal seria capaz de enfrentar dois regimentos do Exército. A ser um ataque, estaria a ser conduzido de forma idiota. Marchávamos em coluna de quatro e subíamos uma rua íngreme, direitinhos às balas do inimigo. Os civis iam-se misturando connosco.
Alguns populares correram à frente da banda e insultaram os soldados da Municipal. Os gajos estavam cheios de medo e dispararam alguns tiros. Foi a debandada. Os civis correram rua abaixo pelo meio da formação, desorganizando completamente a nossa coluna. Alguns militares fugiram também, abandonando as armas. Quando conseguimos reunir de novo a tropa, éramos apenas 150 a defender a República. Retirámos para os Paços do Concelho.
Aos poucos, as tropas governamentais foram aparecendo. As peças trazidas da Serra do Pilar foram apontadas para nós. Era impossível oferecer resistência. Por volta das dez e meia da manhã, acabámos por desistir. A República durara três horas.

Excerto do romance 1910 (António Trabulo, Editorial Cristo Negro, Lisboa)

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