Vi falar de café com açúcar aqui e venho, claro, meter a colher.
Suponhamos que há um grupo de pessoas que, sobre um determinado assunto, têm uma determinada opinião. Outros discordam, e de entre os que discordam há uns que pensaram muito nesse assunto e outros que falam sem pensar. O costume.
E suponhamos que o primeiro grupo de pessoas diz o seguinte: "nós chegámos à conclusão de que a nossa opinião é a verdadeira, e portanto somos nós os ortodoxos (esta palavra é feita inteirinha a partir do grego: orthos, o verdadeiro, o correcto, e doxa, opinião); vamos, para facilitar a vida a todos, fazer uma lei a definir isso mesmo".
Gostava de saber se alguém que me leia não sente, lá no fundo no fundo, um princípio de simpatia pelos... heterodoxos?! Mas hetero não quer dizer incorrecto, pois não?
As palavras são coisas muito engraçadas.
Agora queria sugerir que olhassem a imagem que está ao cimo deste textinho; não sei se conseguem ler, na segunda linha, a palavra... bautisei (bom, eu explico: é um assento de baptismo de 1663, escrito por um pároco - supostamente com um mínimo de instrução - de uma freguesia do Norte de Portugal).
Muito mal se escrevia no Norte em 1663, não é? Felizmente, em Coimbra e em Lisboa havia pessoas muito cultas. Ortodoxas até mais não poder ser (normalmente, um bocadinho pedantes, adoravam falar latim); e ortografaram as palavras, ou seja, ensinaram-nos a escrever... tal como pronunciavam em Lisboa, e em Coimbra, as pessoas que adoravam falar latim. Ou seja, correctamente... baptismo, pois.
Quem duvida diga a um galego que pobo se escreve com v.
Quero dizer com isto, fique claro, que este acordo é excelente, uma vez que o português já está, por todo o lado, ortografado. Escreveremos tal como dizem que dizemos, ou como devíamos dizer. O pior é se não dissermos da mesma maneira, se formos labregos. Mas não culpem os políticos pela uniformização do mundo: a coisa começa nos professores, que disso o Estado os encarregou.
De raízes não sei. Mas abençoada seja, sempre, a diversidade insolente dos frutos.
5 comentários:
Obviamente, torna-se aceitável um acordo ortográfico quando outras pessoas que falam a mesma língua têm uma hetero-ortografia, "uma outra verdadeira grafia"...
O mesmo problema se porá se a Igreja Católica se quiser um dia (re)unir à Ortodoxa Grega: terão que definir uma outra ortodoxia...
Apenas algumas reflexões soltas:
1. A história das ortodoxias é em geral a história dos vencedores. Mas não a história da razão.
2. Não significa isso que a razão esteja em geral do lado dos heterodoxos. Se todos nós tendemos a simpatizar com estes, isso deriva mais da emoção...
3. A razão está sempre, em geral, bem distribuída. Quase sempre, um lado tem sempre tanta razão quanto o outro...
4. O que faz pender a balança é, muitas vezes, um grão de areia: o acaso, a sorte, na melhor das hipóteses, a maior vontade, a maior força...
5. É um exercício apaixonante olhar para trás e ver como a nossa vida se definiu numa sucessão de acasos. E a vida dos povos - o que seria de Portugal, por exemplo, se o Sá Carneiro não tivesse morrido como morreu, se Salazar não tivesse caído na cadeira, se o Sidónio Pais não tivesse sido morto? Etc., etc., etc.
Nada tenho contra a diversidade, antes o contrário. Aliás, parece-me, que o AO também não. A questão, que é a de sempre, tem só a ver com a necessidade da ortografia acompanhar a língua, já que esta não se verga a processos administrativos, que é o caso da ortografia.
Gostei do post.
Quanto às ortodoxias, isso é coisa para os filósofos, está aí o Renato.
Filósofos somos todos nós...
Isso é filosofia. ;)
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