A depressão atual radica nos problemas daquele modelo de Desenvolvimento económico que os economistas do “pensamento único” Neoliberal e globalista nos venderam como única solução e que durante quase vinte anos pareceu funcionar bem, trazendo prosperidade aos países fornecedores de matérias-primas e de produtos manufacturados e mantendo elevados padrões de vida nos países consumidores, algures no Ocidente. Mas algo estava literalmente “quebrado” no sistema: ainda que fosse possível ir transferindo discreta mas paulatinamente todas as indústrias para o Oriente durante algum tempo, este ermamento industrial haveria de se sentir, mais cedo ou mais tarde, nos países que assim iam evaporando a sua tessitura industrial. É que com as fabricas que partiam, partiam também milhões de empregos e com eles milhões de consumidores. No Oriente, a economia ía crescendo à custa de mão-de-obra abundante e barata, no Ocidente, o consumo ía sendo sustentado por níveis de vida mantidos artificialmente altos por elevados níveis de endividamento. Um dia este recurso sistemático ao crédito iria tornar-se impossível alto para continuar a crescer e as primeiras a sentir esta reversão de fluxo seriam precisamente as empresas do sector financeiro. E foi isso precisamente que aconteceu, em meados de 2008…
Se esta retoma se confirmar, então nada irá mudar… nem a especulação bolsista, nem o mercado de derivados, nem o desregulamento, nem o primado do financeiro sobre o produto, nem sequer a perigosa concentração e fusão entre empresas financeiras! nada mesmo! E o Emprego… ainda vai levar pelo menos um ano a retomar parte dos empregos perdidos em todo o mundo desde 2008, já que apenas se geram novos empregos quando o crescimento do PIB ultrapassa os 2%, valor que nem com esta tímida retoma iminente se alcançará antes de 2010…
O problema maior reside portanto num sistema de Globalização que depende de enormes transferências de bens e equipamentos de um canto para o outro do mundo. Depois de séculos em que o comercio internacional foi considerado acessório e complementar, a partir da década de 90, este tornou-se essencial em quase todo o tipo de produtos. Colheres, facas, cereais, brinquedos, computadores, etc, tudo é fabricado algures no exterior e nada é fabricado localmente. Esse é o paradigma que tem que desaparecer. E enquanto assim não fôr, esta recessão não irá parar de se agravar até criar convulsões sociais e níveis de criminalidade insustentáveis e destrutivas para qualquer sociedade no mundo. No oriente, haverá revoltas sociais porque as fabricas deixaram de fabricar para a exportação ao nível anterior, no ocidente, no ocidente porque os níveis de desemprego serão insustentáveis. Os Bancos que emprestaram desregradamente têm que falir e dar lugar a novas formas de gestão de Capital mais responsáveis e mais locais. Os empregos e as empresas devem refocar-se nos mercados locais, os padrões de endividamento devem reduzir-se dramaticamente, não pela falência dos endividados (empresas ou famílias), mas pela falência dos Bancos que emprestaram sem critério ou razoabilidade. Toda a economia deve abandonar esta obsessão pelo “Global” e reorientar-se para o “Local”, porque ao fim e ao cabo é “localmente” que estão as pessoas, os seus empregos e as suas necessidades! Todos devemos parar de consumir compulsivamente e os economistas e gestores devem esquecer esta obsessão doentia por taxas de crescimento exponenciais e ecologicamente insustentáveis. Esqueçamos aquilo que não podemos ter e concentremo-nos no consumo de bens culturais e na sua produção, já que estes garantem níveis de satisfação muito maiores e mais duradouros do que a última televisão de plasma ou uma viagem à Tailândia. Reformemos uma classe política que se apressou a socorrer os banqueiros que contribuíram generosamente para as suas campanhas eleitorais, mas que deixou metade dos desempregados sem qualquer protecção social. Mudemos o mundo, hoje. Ou iremos acabar com ele. Agora.
5 comentários:
Clavis, ainda bem que trazes este assunto para aqui.
Penso que se tornou rigorosamente verdadeiro o famoso slogan dos estudantes franceses do Maio 68: "Sejamos realistas, exijamos o impossível". O que, de um certo prisma, é assustador.
Estou absolutamente persuadido da insuficiência dos apelos à contenção do consumo, ao 'exemplo' e às boas práticas individuais - o que não significa que não valham a pena: pensar que só vale a pena o que tem sucesso é dar razão de pricípio ao sistema. Mas parecem-me, racionalmente, insuficientíssimas (ponho aqui o 'racionalmente' para deixar lugar ao 'milagre' que me vejo forçado a aspar também... a cada um a sua fé).
Não querendo quase ninguém pensar nisso (refiro-me ao 'público que é publicado'), estamos em situação aparentemente próxima da que se viveu no auge da guerra fria - quando a escalada parecia fora de controle possivel - com a tremenda diferença de que ninguém ocupa, agora, a posição dos velhos Marechais e Almirantes: as rodas dentadas automatizaram-se.
A 'desglobalização' dificilmente será suave.
é verdade. esta questão é sobretudo uma questão de crenças e convicções. Ou de necessidades se um dia houver mesmo um colapso global (económico ou climático)...
mas a contenção das despesas é possível. sei-o por experiência própria. faz não muito tempo, a minha mulher ficou sem emprego e com ela desapareceram metade dos nossos rendimentos mensais. A adaptação foi radical e implicou cortes em todos os setores, mas foi possível e encaixada razoavelmente e sem impacto maior ao fim de alguns meses.
Hoje consumo muito menos do que há 2 anos: cinema, livros, revistas, jogos, gadgets, internet, eu sei lá. E continuo a viver satisfeito.
Tudo é uma questão daquilo que desejamos, suponho eu... e da quantidade desse desejo e da quantificação que fazemos das nossas vidas e necessidades.
Clavis, se todos reduzissemos amanhã o consumo como fizeste, precipitariamos o colapso. Evidentemente.
A discussão lembrou-me a posição do professor Conceição Silva
que diz que (e nisso acredita)o Império
é outro, aquele estruturado sem o capital
e baseado em produções locais cooperativas.
Isso ele discute no anexo do livro Os painéis
de D.Afonso V e o futuro do Brasil.
O professor Conceição Silva acreditava na Providência Divina, e lia o Império a essa luz. Nós - MIL - acreditamos?
Se não - coisa que admito - sou forçado a dizer, contra minha vontade, que não fazemos a mais pálida ideia de como o construir - ou não nos atrevemos sequer a discuti-lo.
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