Como já tivemos a oportunidade de salientar, Agostinho da Silva (1906-1994)
atribui ao Brasil um papel primacial na plenificação de Portugal – daí, desde
logo, esta sua exortação: “…que tome o Brasil inteiramente sobre si, como parte
de seu destino histórico, a tarefa de, guardando o que Portugal teve de melhor
e não pôde plenamente realizar e juntando-lhe todos os outros elementos
universais que entraram em sua grande síntese, oferecer ao mundo um modelo de
vida em que se entrelaçam numa perfeita harmonia os fundamentais impulsos
humanos de produzir beleza, de amar os homens e de louvar a Deus (…).”.
Eis a visão que nos reiterará em outros textos seus, como iremos, de
passagem, referir. O primeiro desses textos intitula-se “Considerando o Quinto
Império” e foi publicado no periódico Tempo
Presente, em 1960. Nele, faz-nos a retrospectiva da história de Portugal,
desde logo, dos dois nossos maiores erros históricos: o de termos “abandonado”
a Galiza e o de termos querido “conservar” Ceuta, sacrificando, para tal, o
Infante D. Fernando. Eis, reitera-nos, o que nos fez desviar dos mares, dos
“mares sobre que flutua o Espírito”, paras as terras, do ser para o ter… Neste
texto, aparece o Brasil enquanto possibilidade de correcção desse desvio, de
“começar de novo, de começar o recomeço: nunca mais abandonando noivas [como a
Galiza]; nunca mais querendo terras em lugar de mares, nunca mais excluindo religiões”.
O segundo desses textos que aqui brevemente referimos intitula-se
“Presença de Portugal” e foi publicado, à parte, enquanto opúsculo, em 1962.
Nele, narra Agostinho da Silva a sua experiência na fundação da Universidade de
Brasília, em particular, do Centro Brasileiro de Estudos Portugueses, que aí
criou, com o intuito, expressamente afirmado, de reatar, no Brasil, o que, em
Portugal, “ficou interrompido nos séculos XV e XVI” – nas suas palavras,
“aquela possibilidade de se compreender toda a gente nunca deixando de ser o
que se é, ponto importante porque isso fez a grandeza de Portugal no século XV,
em grande parte do século XVI e em tanto momento isolado da sua História”.
O terceiro desses textos intitula-se “Ensaio para uma Teoria do Brasil”
e foi publicado no periódico Espiral,
em 1965. Se, no anterior, o Brasil era apenas, ou, pelo menos, sobretudo,
perspectivado enquanto reatamento, historicamente interrompido, de Portugal,
neste o Brasil é perspectivado em si próprio, fazendo Agostinho da Silva a
apologia das suas insuspeitas capacidades, nomeadamente, como refere, de forma
eloquente, da sua “capacidade de [vir a] liderar o futuro humano, quando se
desembaraçar de tudo quanto lhe foi útil na educação europeia e exercer, com o
esplendor e a vigorosa força de criação que pode demonstrar, as suas
capacidades de simpatia humana, de imaginação artística, de sincretismo
religioso, de calma aceitação do destino, de inteligência psicológica, de
ironia, de apetência de viver, de sentido da contemplação e do tempo”.
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