Mansa colmeia
A que ninguém colhe o mel!…
Miguel Torga
Portugal não só está com um diagnóstico de doença complexa - longe vá o agoiro do prognóstico reservado -, como há já muito que sofre de maleitas sempre mal curadas. Ecografias e outros exames são claros: há muita corrupção de tecidos e obstruções sérias à circulação sanguínea, digo à realização da iniciativa e da inteligência nacionais. Trombos e outras anomalias têm feito grassar micróbios e bactérias que formam zonas nocivas de banalidade, de indigência mental, de falta de irrigação de humanismo nos locais de trabalho e uma progressiva e assustadora ausência (como quem perde glóbulos) de sensibilidade e de bom-senso para as coisas diárias e do verdadeiro sentimento do que é português e lusófono.
O Doutor Fernando Nobre sabe qual a medicação nacional de certos valores que nos podem salvar, ou pelo menos livrar-nos de cair na actual barbárie que já nos arreganha os dentes. Está atento entre o ter e o ser, com a preciosa tecnologia como instrumento dominado e não dominador, com bússolas nossas a indicar caminhos novos. Uma nação é como uma fábrica que tem sobretudo gente dentro. Fernando Nobre pode evitar que o já adiantado escorbuto nacional atinja tanto o corpo como a alma.
É preciso, de uma vez por todas, interiorizarmos que o novo paradigma mundial, ao contrário dos últimos dois séculos, não reclama apenas o cientismo como salvação da espécie humana, mas a reconversão dos valores da humanidade, sabiamente equilibrados com a ética científica e na total responsabilidade do cidadão, de qualquer cidadão, que o direito há-de garantir por todas as formas.
Ora, é no campo do humanismo, da sensibilidade e porventura de outros predicados, que um presidente pode ajudar a conduzir um país. Mas tudo ficaria ainda incompleto se a isto não juntasse convicção. E é fácil de ver que a longa e multifacetada carreira profissional de Fernando Nobre é a de um homem convicto, que está nos antípodas do carreirismo dos actuais políticos portugueses que geralmente nunca tiveram profissão. E, quando ocupam cargos públicos, também não consta que verdadeiramente professem, embora, quando são empossados, leiam um papel para todos ouvirem em directo televisivo.
Fernando Nobre será tão convicto como Presidente da República, como tem sido na sua demanda de ajudar os outros a serem mais felizes e realizados. Poderá haver desígnio maior para um cargo de presidente do que alguém que sempre teve por nobre profissão deixar os outros num estado melhor do que os encontrou?
Podemos, legitimamente, perguntar se sensibilidade e sentido humanista serão suficientes para o desempenho de tão alto cargo. Não nos esqueçamos de todo o seu perfil: tem a seiva, fruto de um esforçado lavrar da vida, esse conhecimento a que Camões chamou «madre experiência».
O diverso, que não disperso, converge em Fernando Nobre numa unidade de tal forma que pode fazer dele o presidente mais singular da república portuguesa. Herdando os genes de um Fernão Mendes Pinto, peregrina ele pelo mundo, não apenas pela curiosidade geográfica ou outra, não por mero protocolo diplomático, mas como resposta ao apelo da dor dos que sofrem num qualquer recanto do mundo onde haja necessidade latejante do ser humano. Ora é aqui que a esperança encarna completamente.
Fernando Nobre é o exemplo do português universal que, como disse Agostinho da Silva, não se conteve e partiu, mas, por sopros e andanças do destino, regressa, ou melhor, está onde é preciso estar. Ele entendeu bem o sentido da frase pessoana «Minha pátria é a língua portuguesa», pois que esta pode transportar a ideia de pátria do chão onde se nasce para um outro, quando então o verbo guarda no tempo e exprime toda a essência de uma cultura. Fernando Nobre respira lusofonia. Não é um lusófono de gabinete. Conhece as variantes e variações do idioma português, sabe dos seus timbres, toca em muitos ramos frondosos nascidos do fértil tronco ou rumor da língua portuguesa. Para bem governar a sua gente, o bíblico rei Salomão rogou ao Criador por sabedoria. Nós pressentimos que Fernando Nobre tenha já em si atributos de confiança, serenidade e isenção, que com toda a certeza sabem ouvir as vozes do Povo. É natural que possa vir a ter também horas de interrogação, podendo sentir ou não necessidade de lembrar-se de Salomão.
Fernando Nobre é a esperança de um «plantador de naus a haver», das que nos levarão «às Índias Espirituais». Não desconhecerá por certo as pedras pontiagudas do mundo, que são muitas, e os muros menos visíveis que o betão. É a adrenalina da esperança que Fernando Nobre está a fazer crescer em nós e no país. Acreditamos que sente a vida intensa desta «mansa colmeia», há muito tempo esquecida, e lhe adivinha nova aventura no século XXI. Cremos que a olha como o fruto mais doce, porque obreira incansável de auréola luminosa na forma perfeita ainda da esfera armilar.
Coimbra, 5 de Outubro de 2010
Eduardo Aroso
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