O homem não é, ou não é apenas, uma “pura abstracção”, mas um ser concreto, universalmente concreto, um ser que, de resto, será tanto mais universal quanto mais assumir essa sua concretude, a concretude da sua própria circunstância. Dessa circunstância faz axialmente parte a “pátria”, isso que, segundo José Marinho, configura a nossa “fisionomia espiritual”(2). Nessa medida, importa pois assumi-la, tanto mais porque, como escreveu igualmente Marinho, foi “para realizar o universal concreto e real [que] surgiram as pátrias”(3). Ainda nesta esteira, propõe-nos Marinho a distinção entre “universal” e “geral” – nas suas palavras: “O geral tem âmbito mais restrito e insere-se na prossecução de conceitos, o verdadeiro universal está já numa relação da intuição para a ideia e vincula o singular concreto e indefinível com o uno ou o único transcendente.”(4). Daí, enfim, a sua expressa defesa de uma filosofia situadamente portuguesa, não fosse esta “dirigida contra o universalismo abstracto e convencional de escolásticas e enciclopedistas em que têm vivido"(5).
Esta é, contudo, apenas uma possibilidade, não, de modo algum, uma inevitabilidade, nem sequer, muito menos, uma obrigação. Não se trata aqui, com efeito, de instituir um “serviço filosófico obrigatório” de forma a garantir a existência da “filosofia portuguesa”. Esta existirá apenas enquanto existir pelo menos uma pessoa que, de forma inteiramente livre, se assuma na dupla condição de “filósofo” e de “português”.
Que cada um de nós dê pois, se quiser, o passo em frente…
(1) Francisco da Gama Caeiro, in AA.VV., Ao Encontro da Palavra: homenagem a Manuel Antunes, Lisboa, FLUL, 1986, p. 40.
(2) Estudos sobre o pensamento português contemporâneo, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1981, p. 19.
(3) Cf. O Pensamento Filosófico de Leonardo Coimbra e outros textos, “Obras de José Marinho”, vol. IV, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2001, p. 502
(4)Filosofia: ensino ou iniciação?, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Centro de Investigação Pedagógica, 1972, p. 45.
(5) Cf. Filosofia portuguesa e universalidade da filosofia e outros textos, “Obras de José Marinho”, vol. VIII, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2007, p. 553. Essa é, pelo menos, a sua “interpretação”: “…minha interpretação arranca de um sentido da filosofia nacional para uma singularidade de pensar mais autêntica e para uma universalidade mais verdadeira, filosofia [que] se não demonstra por meio de juízos e afirmações, mas por um pensamento que tenha em si próprio o cunho da autêntica universalidade (…).” [ibid., p. 352].
1 comentário:
Sim, com inteligência, objectividade e coragem.
Tenho a impressão certa que há já passos dados...
Um bem-haja à Filosofia Portuguesa, que deve ser corajosamente apreciada e devidamente estimada.
Não é qualquer um filósofo, assim como não é qualquer um poeta.
Há um trabalho de discurso a esculpir.
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