Amanhã, Quinta-feira, 10 de Junho, há missa de corpo presente às 17 h, seguindo-se a saída do Funeral para Viana do Castelo.
O escritor António Manuel Couto Viana morreu ontem aos 87 anos no Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
In “Público” online 8-6-2010
O escritor, que residia há cerca de dez anos na Casa do Artista, em Lisboa, foi internado naquele hospital “nos últimos dias, devido a problemas num pé que se agravaram, vindo a falecer”, disse a mesma fonte.
O último livro de António Manuel Couto Viana, poeta, contista, ensaísta, actor, dramaturgo, encenador e figurinista, foi a poesia de “Ainda não”, com poemas autobiográficos, lançado em Abril. O volume de contos pícaros com o título “O que é que eu tenho Maria Arnalda?” foi editado em Setembro de 2009.
Em tempos mestre de cena do Teatro S. Carlos, Couto Viana pertenceu ao grupo Távola Redonda e esteve ligado à formação de companhias de teatro, designadamente o grupo Gerifalto e o Teatro da Mocidade.
Por intermédio de David Mourão-Ferreira estreou-se como actor e figurinista em 1946 no Teatro Estúdio do Salitre, em Lisboa, mas já anteriormente tinha dado os primeiros passos no teatro de família, o Sá de Miranda, em Viana do Castelo, cidade onde nasceu.
Em 1948, estreou-se na poesia com o livro “O avestruz lírico”, tendo desde então publicado vários títulos.
Destacam-se os referentes à gastronomia: “Em Redor da Mesa” (1972); “Poesias de Reclamo à Casa Brasileira” (1977); “Cozinha Tradicional Portuguesa”, em colaboração com Maria de Lourdes Modesto (1982); “A Musa à Mesa” (1994); “Por Horas de Comidas e Bebidas” (1996) e “Bom Garfo e Bom Copo” (1997).
Mas onde mais se destacou foi na poesia, ao longo de toda a sua vida, bem constatado na obra completa, intitulada “60 Anos de Poesia”, editada pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda, em 2004. Ao longo de um extenso prefácio Fernando Pinto do Amaral salienta a poesia de Couto Viana, em relação Jesus Cristo:
Ouvi a Tua voz – que Te buscasse,
Que eras vida e caminho ardente e santo.
Aqui me tens, Senhor, beijando-Te na face,
Mordido de vergonha, angústia e pranto.
Cruz, lança, espinhos, pregos, fel, vinagre,
Não são adereços para um corpo humano.
Faze em mim, meu Senhor, o Teu milagre.
Sofrer, morrer e ressurgir em cada ano.
Desfolhando os dois volumes da sua obra completa, encontram-se títulos como estes: “O Coração e a Espada” (1951); “A Face Nua” (1954); “Mancha Solar” (1959); “A Rosa Sibilina” (1960); “Desesperadamente Vigilante” e “Pátria Exausta” (1971). Nesta altura já o Poeta se teria apercebido do que ocorria nos territórios africanos e do cansaço dos militares profissionais, ao longo de dez anos de guerra, nas três frentes – Angola, Guiné e Moçambique:
Fujo à sombra dos mitos de aluguer.
Dou quanto tenho por dez réis de Sol.
Não sirvo um deus que jogue futebol:
Sirvo quem jogue a vida pra viver.
Mas isto é nada pra ganhar partido
Dos homens gastos por bandeiras gastas,
Vigilantes de livros e de castas,
Em defesa do mundo dividido.
Por isso, pasmo ter andado tanto,
Sem nada pra vender, pouco pra dar:
Condenado a cantar,
Só por ser do tamanho do meu canto.
Ao longo do 2.º volume do livro que venho citando, ressalta a sua passagem por Macau e dos livros onde se nota um profundo sentimento de desilusão pelas sequelas da “revolução dos cravos”, mas também de esperança em melhores tempos para Portugal.
Lá se encontram títulos como: “Estado Estacionário” (1988); “Café de Subúrbio”, “O Senhor de Si”, e “Até ao Longínquo China Navegou”, todos de 1991; e “Prefiro Pátria às Rosas” (1998). Neste saliento:
- Oferenda ao heroísmo (À Associação de Comandos de Macau)
Que saudades eu tenho desta pátria guerreira
Que defendeu, votiva, com as armas na mão,
O berço do seu filho, o fogo da lareira,
A campa dos seus mortos, a terra do seu pão!
10-6-1987 (…)
Mas o que mais me impressionou, pela força dada na denúncia da vergonhosa descolonização de Timor, foi o soneto que publicou no mesmo livro:
-Timor – Silêncio (À memória de Ruy Cinatti)
- Porque nunca falaste de Timor
Sei que o teu coração lamenta a sorte
Desse povo leal de quem a morte
Pela pátria te causa dor e horror.
Os teus versos não cantam esse amor?
Não encontras em ti nenhum que exorte
À alma pra seguir fiel e forte?
Porque nunca falaste de Timor?
- Porque recordo o ódio desse dia
Em que o traidor, com mão cobarde e fria,
Assassinou uma bandeira e um sonho,
E agora se indigna, escondido
O crime vil que havia cometido
Não falo de Timor, que me envergonho!
25-9-1996
A partir dos anos noventa acompanhei (ido pela mão do meu amigo Joaquim Evónio Vasconcelos), mais de perto a vida deste autor, que frequentava a Tertúlia do Rio da Prata, numa avenida das proximidades do Campo Pequeno e onde se destacava a grande figura de poeta que foi o Ulisses Duarte, já falecido. Então fui apresentar a Couto Viana um poeta algarvio, meu amigo – José Caniné. Não resisto a lembrar o sucedido com este autor, quando publicou o seu segundo livro (“Inquietando”/2005).
Couto Viana “exigiu” ser de novo o prefaciador da obra, como fora da primeira. E quando viu a quadra dedicada a Fernando Pessoa, no seu texto escreveu: “(…) Assim acontece com o quadrista (Caniné). E quantos grandes poetas não conseguem sê-lo. E dou, como exemplo, Fernando Pessoa que, ao querer tentar a modalidade, falhou quase redondamente. (…)”. A quadra em questão, que Couto Viana, à minha frente, “exigiu” a José Caniné a sua publicação no livro, dedicada a Pessoa, foi:
Desculpa lá, ó Fernando,
Mas nas quadras que fizeste,
A navegar por lá ando
Sem ver uma só que preste!
Ainda sobre o conteúdo da sua obra “60 Anos de Poesia”, quero lembrar os nomes de muitos dos seus amigos e autores lá citados (apenas no 2.º volume), quer em dedicatórias, quer na autoria dos prefácios/estudos dos livros publicados, ou noutro tipo de colaboração:
José Amaral, Fernando Lima, Luís Sá Cunha, Emílio Patrício, Nuno Santiago, Marinho de Bastos, Nuno Lima de Carvalho, Carlos Marreiros, Mário Saraiva, António José Christêllo Tavares, Eugénia Aurora, João Bigotte Chorão, José Valle de Figueiredo, Ernesto Guerra da Cal, Mascarenhas Barreto, António Russinho, Joaquim Manuel Magalhães, Juan Soutullo, Fernanda Botelho, Maria Adelaide Couto Viana, Miguel Araújo, José Manuel Capêlo, Fernando de Paços, Teresa Ferrer Paços, Henrique Senna Fernandes, João Sales, Padre Benjamim Videira Pires, Manuel Martins, Conceição Freire, Luísa Rangel, Helena Jardim, Amílcar Martins, Padre Manuel Pintado, Maria Manuela Tovar, António Palma, Miguel Torga, Ulisses Duarte, Amélia Teixeira de Vasconcelos, Maria José Teixeira de Vasconcelos, José Cúcio, Victor Milheirão, João Marcos, Ana Briz, Ferreira de Castro, Frederico Garcia Lorca, Monsenhor Manuel Teixeira, David Mourão Ferreira, Dom Duarte Pio, Maria Manuela Couto Viana, Maria Germana Tanger, Rui Pinto, Pedro Mexia, Paulo Ossião, Vitorino Nemésio, Luís Amaro, Almeida Garret, António Nobre, Sebastião da Gama, Eduíno de Jesus, D. Basílio de Nascimento, Aberto Osório de Castro, Fernando Sylvan, Leonel Neves, Mafalda Granjo, Magda Flor, Miguel de Araújo, Henrique Barrilaro Ruas, José Campos e Sousa, Maria Romana Gonzalez de Lena e Carreño (mãe do autor), Paulo Neruda, Calvo Sotelo, Helena Fernandes, e Rodrigo Emílio.
Entre 1950 e 1954 Couto Viana dirigiu, com David Mourão-Ferreira, Luiz de Macedo e Alberto de Lacerda, os cadernos de poesia Távola Redonda, e mais tarde a revista cultural Graal, tendo ainda feito parte da redacção da revista Tempo Presente (1959-1961).
Couto Viana integrou também a direcção do Teatro de Ensaio (Teatro Monumental) e da Companhia Nacional de Teatro.
Encenou óperas para o Círculo Portuense de Ópera e Companhia Portuguesa de Ópera e foi orientador artístico da Oficina de Teatro da Universidade de Coimbra.
A Banda da Grã Cruz de Mérito, Grão-Cruz da Falange Galega, Grande Oficialato da Ordem do Infante D. Henrique e a Medalha de Mérito Cultural da Cidade de Viana do Castelo foram algumas das condecorações que o escritor recebeu no seu extenso percurso literário.
Ao longo da carreira foi distinguido com vários prémios literários, entre os quais o Prémio Antero de Quental (duas vezes), Prémio Nacional de Poesia, Prémio Fundação Oriente e Prémio Academia das Ciências de Lisboa.
Conselheiro do Conselho de Leitura da Fundação Gulbenkian, Couto Viana encontrava-se a escrever a história da Companhia Nacional de Teatro, de que foi empresário entre 1961 e 1967, disse à Lusa, em Setembro de 2009.
Aquando do 86.º aniversário, no ano passado (não pude comparecer em 2010 por motivos familiares), António Manuel Couto Viana brindou-nos com este interessante poema:
Quem há, aí, que se atreva,
Neste ano 2009,
A exigir-me que inda escreva
E trove?
É que já entrei na idade
De repetir-me ou calar
Adormecer na saudade
Pra nunca mais acordar.
Mas sou rebelde! E prossigo,
Até onde a corda estique:
Qu´rendo a presença do amigo,
Não de quem me modifique.
E aceito os 86,
Numa condição, que é:
Tê-los com livros, papéis,
Amizade, amor e fé!
24-1-2009.
As) António Manuel Couto Viana
Carnaxide, 9-6-2010
Manuel A. Bernardo
3 comentários:
Perdemos um dos grandes poetas contemporaneos, embora (quase nada) compartisse com os seus contemporaneos...
Problema dos contemporâneos. Mais exactamente, da contemporaneidade...
Perdeu-se um grande português... o segundo neste Junho.
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