O abismo entre o que o Cristianismo proclama como sua verdade e a realidade quotidiana acentuou-se de tal forma, no nosso tempo, que as consciências mais sensíveis acabaram por entrar em crise; e quantas, não chegando a aperceber-se do fundo do problema, isto é, de que se tinha chegado apenas ao termo de uma evolução, se afastaram desiludidos e frustrados, buscando em misteriologias orientais, no nihilismo ou no culto da violência, um refúgio para a sua angústia e um caminho para o seu desespero.Como foi possível um tal declínio e como explicar esta crise?
Cremos que foi a própria evolução do capitalismo materialista que veio pôr em evidência o erro do materialismo como concepção do mundo e da vida. Conhecem-se as condições desumanas em que o desenvolvimento do capitalismo se processou: sob o signo do materialismo e absolutamente à margem da doutrina e das advertências dos cristãos não corrompidos pelo sistema. A ideologia materialista, apoiada, porém, em realidades palpitantes, que apresentava como suas vitórias, tais como as espectaculares conquistas da ciência e da técnica, desviou uma grande parte dos cristãos para o seu campo, comprometendo-os e corrompendo-os.
[...] O capitalismo do Ocidente aproxima-se cada vez mais do socialismo, por não ter outra solução para resolver as suas contradições internas, uma vez que se recusa, como aquele, a considerar a pessoa humana como sujeito de todas as coisas, reduzindo-a a simples objecto da ciência económica. Por isso, tanto o capitalismo do Ocidente como o capitalismo de Estado do Oriente, em nome da prosperidade económica em que situam a felicidade humana, escravizam o homem e põem em perigo a sua sobrevivência com a destruição sistemática e já alarmante da própria natureza. Na concepção materialista, o homem concreto é substituído por um homem abstracto que não existe. A liberdade da pessoa humana e as liberdades que lhe são inerentes deixam de ter sentido naquelas duas formas de concepção materialista, pois nelas o homem concreto fica reduzido a um simples produto da economia.
Na ordem prática, o capitalismo de Estado e o capitalismo dos grupos financeiros só diferem em alguns dos processos de tornar efectiva a prática da concepção materialista do mundo e da vida que lhes serve de fundamento. Em tudo o resto são irmãos gémeos que disputam o poder mundial para imporem, pela violência ou pela massificação, a sua concepção da vida. Dois imperialismos materialistas que se enfrentam, abusando ambos da boa fé e das legítimas aspirações dos homens a um mundo mais próspero e mais justo.
Fernando Pacheco de Amorim, Portugal Traído (1975)
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