por Kátia Catulo
Colegas e familiares asseguram que o professor participou os casos de indisciplina e que a escola de Sintra terá ignorado as queixas.
Na manhã de 9 de Fevereiro, L. V. C. parou o carro no tabuleiro da Ponte 25 de Abril, no sentido Lisboa-Almada. Saiu do Ford Fiesta e saltou para o rio. Há vários meses que o professor de música da Escola Básica 2+3 de Fitares (Sintra), planearia a sua morte. Em Novembro escreveu uma nota no computador de casa a justificar o motivo: "Se o meu destino é sofrer, dando aulas a alunos que não me respeitam e me põem fora de mim, não tendo outras fontes de rendimentos, a única solução apaziguadora será o suicídio".
L. V. C., sociólogo de formação, tinha 51 anos, vivia com os pais em Oeiras, era professor de música contratado e foi colocado este ano lectivo na Escola Básica 2+3 de Fitares, em Sintra. Logo nos primeiros dias terão começado os problemas com um grupo de alunos do 9º ano. A indisciplina na sala de aula foi crescendo todos os dias, chegando ao ponto de não conseguir ser ouvido. Dentro da sala, e ao longo de meses, os alunos chamaram-lhe careca, tiraram-lhe o comando da aparelhagem das mãos, subindo e descendo o volume de som, desligaram a ficha do retroprojector, viraram as imagens projectadas de cabeça para baixo.
Houve vezes em que L. V. C. expulsou os alunos da sala, vezes em que fez participações disciplinares. Foram pelo menos sete as queixas escritas que terá feito à direcção da escola, alertando para o comportamento de um aluno em particular. Colegas e familiares do professor de música asseguram que a direcção não instaurou nenhum processo disciplinar.
O i tentou confirmar esta informação, mas a directora do agrupamento escolar, Cristina Frazão, explicou que só prestaria esclarecimentos mediante autorização da Direcção Regional de Educação de Lisboa. Contactada pelo i, a entidade não respondeu até ao fecho desta edição. A Inspecção-Geral de Educação, também contactada pelo i, remeteu o caso para o Ministério de Educação que, por seu turno, não prestou esclarecimentos.
O i teve acesso a uma das participações feitas pelo professor de música. No dia 15 de Outubro de 2009, L. V. C. dirigiu à direcção da escola uma "participação de ocorrência disciplinar", informando que marcou falta disciplinar a um aluno e propondo que fossem aplicadas "medidas sancionatórias". Invocou vários motivos, entre os quais "afirmações provocatórias", insultos ou resistência do aluno em abandonar a sala.
O professor de música desabafou que não suportava mais dar aulas àquela turma do 9º ano: "Nos últimos meses, já se acanhava perante os seus alunos como se tivesse culpa", explicou ao i um familiar. Atravessar o corredor da escola foi um dos seus pesadelos, é aí que os alunos se concentram quando chove: "Um dia, chamaram-lhe cão." Nos outros dias, deram-lhe "calduços" na nuca à medida que caminhava até à sua sala de aula.
Alguns professores testemunharam a "humilhação" de L. V. C. nos corredores da escola e sabiam que se sentia angustiado por "não ser respeitado pelos alunos". Só não desconfiavam que a angústia se tivesse transformado em desespero. O professor de música não falava com ninguém. Chegava às sete da manhã para preparar a aula. Montava o equipamento de som, carregava os instrumentos musicais da arrecadação até à sala. Deixava tudo pronto e depois entrava no carro: "Ficava ali dentro, de braços cruzados, e só saia para dar a aula." L. V. C. preferia estar no carro em vez de enfrentar uma sala de convívio cheia de colegas: "Era mais frágil do que nós, dava para perceber que não tinha o mesmo estofo."
Sentia os problemas de indisciplina como "autênticos moinhos de vento", conta o psicólogo que o seguiu nos últimos dois anos. L. V. C. tinha acompanhamento psicológico e psiquiátrico e era ainda seguido por uma médica de família: "Todos os técnicos de saúde que o acompanharam aconselharam uma baixa médica porque o seu quadro clínico se agravou", conta o especialista, esclarecendo que o seu paciente "tinha fragilidades psicológicas inerentes a ele próprio". Falhas que se deterioraram. Meses antes da sua morte, pensava com insistência que lhe restava "pouco espaço de manobra".
"Evitava expulsar os alunos porque temia parecer inábil perante a direcção da escola", diz o psicólogo. Fez ainda várias tentativas antes de se sentir encurralado. Mudou os alunos problemáticos de lugar, teve explicações particulares e aprendeu a trabalhar com as novas tecnologias aplicadas à música. Introduziu equipamento multimédia para cativar os adolescentes. Não resultou. Acabaram-se os trunfos. O psicólogo fez uma recomendação à médica de família para passar uma baixa ao seu paciente por "temer o pior". "Tentámos travá-lo, mas ele próprio já não queria parar. Só parou quando se atirou ao Tejo."
Fonte: http://www.ionline.pt/conteudo/50698-professor-musica-atira-se-ao-rio-nao-enfrentar-os-alunos
19 comentários:
Mas que colegas de trabalho de merda que este professor tinha! Que gente de merda que o rodeava! Levava «calduços» no corredor????????
Chamavam-lhe «cão»???????????????????? E a reacção - entre mil e uma baboseiras de toda a gente!- é «não tinha o nosso estofo»??????????????????????????
Volta, Salazar!
P. S. Isto é uma escola em Sintra... Agora imaginem as escolas que servem (é mesmo este o termo que quero empregar, com timbre de bordel!) os bairros problemáticos de Lisboa!
Eu acho que isto já só vai à porrada - e como acho mal culpabilizar de tudo os professores, e também acho mal bater nas criancinhas, resta uma solução: COMEÇAR A DAR PORRADA NOS PAIS - é fácil, faz-se com o regime certo...
... Quem determina como vivem «os pais», o que são, etc, ou seja, aquilo a que se chama «sociedade», é o Estado, ou melhor, o modelo de Estado - o Regime!
Mais uma nota: no 9º ano deveriam estar alunos com 14 anos... Chegam a estar alunos com 20!!!
Não exagero, e tenho-o confirmado por mais do que um professor.
Alguém me consegue explicar porquê????
Não há explicação. Nem resolução...
Não sei o bem o que deve ser feito para modificar este estado de coisas.
Mas tem que se começar pr algum lado, a inércia não leva a lado nenhum.
Existe muito nas escolas a tentativa de esconder actos desta natureza porque são pejudiciais para
a "imagem" da escola.
Colegas?
Isso é o quê?
Esta realidade não é nova, ou pelo menos não o é para a minha geração. Os média, movidos por uma agenda que me é´mais ou menos desconhecida, decidiram nos últimos anos dar realce ao tema (não o digo em tom crítico), coincidindo arredondadamente com a altura em que Socrates começou a mexer nos assuntos dos professores. Um dos primeiros casos a que prestei atenção foi o da rapariga e do telémovel (uma verdadeira brincadeira). Depois incluiu-se o bullying entre os miudos.
Só tenho experiência, dentro do sistema de ensino a ser falado, de aluno. Mas passei por várias escolas. Sempre existiu bullying, e todas as medidas contra ele aumentaram o sofrimento da vítima (aumentaram a represália por parte dos atacantes). A concentração das crianças dirige-se com mais força para a sobrevivência do mais forte e a aprendizagem de se mover nesses círculos com leis da selva do que para a matéria em si, tarefa esta (de a "aprender") que é assimilada pela primeira.
Vi alunos a serem, por alunos outros, apedrejados, atirados de escadas abaixo, e eu próprio era pendurado somente pelas pernas de um terraço alto, para diversão de, a seguir, nervosamente, tentar esmurrar os meus colegas.
Mais tarde a coisa inverte-se, os alunos unem-se mais e procuram testar os professores e a autoridade. Mais do que uma vez vi alunos da minha turma baterem em professores, e, embora fosse eu mesmo arruaceiro, cheguei a estar em plena aula à bolachada com um colega para defender um professor que estava a ser atacado com uma cadeira e que tinha, para agravar, problemas nervosos. O professor não fez nada, mandou simplesmente o meu colega ir lavar a boca (que sangrava). Tinha vergonha de mostrar aos seus que não dominava a turma.
Não acredito na existência do ensino, e desacredito completamente o ensino prévio às faculdades excepto pela sua função socializante. Mas haveria aqui mais a aproveitar, sobre isso tenho algumas ideias.
O maior número de suicídios entre os alunos dá-se nos EUA, há talvez conclusões a extrair do modelo ali presente, não de ensino, mas de vida.
De resto, como dizia o Klatuu, a camaradagem, pois. Suponho que não temos de voltar muito atrás no tempo para a recuperar. O problema é a corrente.
P.S. Sobre os alunos de 20 no 9º, porque ninguém aproveita as apetências desses individuos, ou as suas inclinações (influênciadas pelas vivências nos seus lares, mas tudo é útil se utilizado - é necessária alguma integração pela diferenciação, e não como excepção mas como base). A culpa não está nos professores (na minha opinião é um pensamento bastante ridículo, esse). Neste esquema são todos (os mencionados) piões.
P.S. Mas o Salazar pode e deve permanecer na companhia do Padre António.
errata: peões
Quando eu fui aluno de liceu também havia uma espécie de bulling (mas hoje a coisa já está no nível de mob assault): os «banhos» (sentar os mais pequenitos numa daquelas bicas com uma patilha de repuxo) e as «salgas» (enfiar-lhes ortigas nas calças, «onde faz mais comichão»); para as miúdas também havia «banhos» mas as «salgas» eram substituidas pelas «fileiras» (juntavamo-nos em duas filas no corredor principal e apalpávamo-las).
Fizeram-me a mim. Quando me calhou a mim fazê-las, apanhámos um putozito novo na escola, um loirito que jogava muito bem Master Mind (eu era do Clube); eu também o agarrei; quando o sentámos na bica começou a chorar que nem uma Madalena e foi então que me deu o «amoque» e desatei ao murro e ao pontapé aos gajos que estavam comigo. Acho que foi a partir deste triste episódio que passei a detestar multidões, partidos, facções, etc!
Quanto ao mais. Depois direi mais qualquer coisa, é tarde e ando sem paciência.
Abraços!
P. S. O «Volta, Salazar!» é sarcasmo - mas até ando com a ideia de fazer uma rubrica com esse título, ou algo do género. É uma expressão que cada vez ouço a mais gente, que nada tem que ver com neo-fascismos...
Errata: urtigas.
P. S. Durante toda a minha vida escolar, até à conclusão da minha licenciatura, nunca faltei ao respeito a um professor.
Não poderias, meu Klatuu bonito debaixo dessa armadura e de cutelo na mão, eu sei!
O que se passa hoje nas escolas é sem dúvida motivado pela perda de autoridade dos professores, que deveria ser recuperada com urgência. Isso não passa pelo regresso à palmatória (vi bater em alguns dos meus colegas, há décadas atrás!)e torna-se hoje difícil encontrar solução por um único lado.
O dos alunos seria o mais fácil; mas temos os pais, já filhos de uma revolução que só lhes indicou direitos e finalmente os professores que nem sempre sabem com dar-se ao respeito, porque(?) eles próprios já são «irmãos» desses pais, nascidos depois de Abril. Dos que são ainda da minha geração (com menos 10 anos) e se mantêm no activo, só muito poucos têm já capacidade para lidar com estas novas posturas de alunos e pais.
Há valores que têm de ser mantidos, é evidente. Dantes eram os Salazares, era o medo do Castigo de Deus, fosse qual fosse. A EDUCAÇÃO deveria ter substituído esses males, mas parece que não.
Sou porém uma mulher de fé. A crise, esta crise principalmente de valores, está a acontecer e vai ser preciso outra geração para reverter alguns desacertos. Nada voltará a ser igual, nem deveria, mas a crise vai ajudar a tomar consciência do que se passa.
Investir na educação, mas investir bem, sem dar agora tanto poder a directores de escolas verdadeiramente incompetentes, por exemplo. Sei do que falo.
Há gente potencialmente útil e competentíssima por essas escolas além. Há bons professores nas escolas públicas. Há professores explorados nas escolas particulares.
Há Professores e professores, há Pais e pais, Alunos e alunos.
Deve haver discussão sobre as novas formas de encarar o ensino e a aprendizagem, e o desempenho de uns e outros. Quem tem soluções que as aponte, quem tem vivências e conhecimentos diferentes, deve apresentar, discutir, que da discussão saia alguma luz!
Queria aqui acrescentar que conheço o Referencial de Competências para a Formação de Adultos (nível secundário)das Novas Oportunidades e considero-o um bom documento.
Um abraço aos dois jovens.
Antes de mais nada, subscrevo o que a jawaa disse. "Há Professores e professores, há Pais e pais, Alunos e alunos." Há escolas e escolas, Directores e directores...
Trabalho numa escola que está dentro das cerca de 30 a nível nacional a que o ministério atribuiu o nome "Território Educativo de Intervenção Prioritária" (designação já de si agressiva)... trabalho lá há 14 anos e nunca vi nada como a descrição que fazes do que era o dia a dia deste professor. Fiquei impressionada, palavra. Antes de trabalhar nesta, trabalhei 4 anos numa das mais pobres e degradadas zonas da cidade do Porto (pode não ser Lisboa, mas acreditem que a degradação económica e social era muita). Nessa escola havia elementos de dois gangs rivais que quase diariamente tinham conflitos. Pois nem aí nunca presenciei ou tomei conhecimento de nenhum caso assim. Há, de facto uma crise de valores, muito complicada, já de si, de resolver. E há um Ministério mais preocupado com o reduzir custos, com o quantificar, com o enganar a realidade com as medidas de cosmética e as estatísticas manipuladas, mais do que resolver essa crise. Também acredito (ainda) que a resolução dessa crise passa também pela escola (para além da comunidade e da família),no dia em que deixar de acreditar, mudo de profissão. Mas creio que não estamos na rota certa para esse destino. Não com esta política educativa.
Abraços a todos!
PS: a indiferença é, na minha opinião, algo execrável e responsável por muitas destas situações. O espectador passivo acaba por ter tanta culpa como o agressor nestes casos. É uma escola inteira a merecer ser julgada, não apenas o aluno ou alunos agressores.
Volta, Salazar. Mas volta com quarenta anos feitos... porque se voltasse com treze ou catorze, franzino e caladito como era, levava um arraial de calduços que ficava irreconhecível.
Eu proporia antes volta Lenine, ou Estaline, que tinham um ar mais robusto. Ou Átila. Com o Átila, aposto que os putos num instante ficavam atilados.
Agora mais a sério: dizer que isto se relaciona com o 'regime' é como dizer 'vêem como é pena Portugal ter deixado de ser um país católico?"
A verdade é que em puto andei num colégio de padres e não havia calduços. O director era um bocadito pró sádico, mas a um nível muito mais sofisticado (não físico). E um dia fizemos um passeio muito bonito para ver o Cristo Rei.
Ainda mais a sério, gostei de ler a jawaa e a mariazinha, sim. Mas não acho que isto tenha solução, porque a questão é muito mais funda do que parece - trata-se da perda absoluta dos valores básicos da vida, e disso os Estados contemporâneos estão reféns. Neste momento, só uma recolução poderia mudar as coisas - uma revolução muito mais funda do que o foi a Revolução Francesa. Nada que possa ser feito 'do topo'.
'recolução' não é, ao contrário do que poderia parecere, uma revolução ás arrecuas. Foi mesmo uma gralha, ou será o meu lado miguelista a falar? :)
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