"Vamos continuar a depender dos credores, vamos ter de continuar a satisfazer as exigências dos credores. Podemos achar as condições injustas, ou que não deviam ser estas. Mas nós não temos condições de lhes impor a eles condições. Eles têm a liberdade de nos emprestar ou não emprestar, nós não temos essa liberdade. Nós, por força do caminho que escolhemos, a única liberdade que temos é de continuar a pedir emprestado", disse.
O economista, que apontava o problema da dívida pública e externa como um dos pontos fulcrais da economia, considerou que, para "sossegar os credores" e "convencê-los a emprestar", a solução passa por, "pelo menos, conseguir estabilizar o rácio entre a dívida e o que produzimos internamente".
Vítor Bento explicou que, com a crise, muitos países aumentaram as suas dívidas para níveis elevados e começa a ser mais escassa a capacidade do mercado para satisfazer todas as necessidades de financiamento. Com maior número de países com dívidas muito elevadas, aumenta também a probabilidade alguém não pagar.
"Os credores e os analistas, perante este aumento da probabilidade de que alguém não vai pagar, vão individualmente analisar quem é que tem mais probabilidade de não pagar, e aí, por razões mais ou menos óbvias, nós ficamos nesse radar, e portanto nós tornámo-nos num foco de atenção"
Vítor Bento explicou que, com a integração na zona euro (passando para o Banco Central Europeu as direcções da política monetária) os países deixaram de ter ao seu dispor o aumento do dinheiro em circulação como forma de pagar as suas dívidas, sendo que antes dessa altura "as pessoas ficavam com a ilusão de que haveria sempre dinheiro para pagar". Agora, "nós só podemos ter novos empréstimos se alguém nos emprestar. Esta é que é uma realidade nova (...) Deixando de haver a rotatividade do banco central, é preciso que nos queiram emprestar, e para nos quererem emprestar é natural que nos imponham condições".
Fonte: Económico
Convém parar para pensar, e pensar politicamente, coisa que ainda não tenho por certa ser o mesmo que pensar economicamente:
1. O endividamento em Portugal - portanto, a necessidade de pedir permanentemente dinheiro emprestado - refere-se ao Estado mas também aos cidadãos (para este efeito, sabe-se lá porquê, usa-se a piedosa expressão 'famílias'); em Maio de 2009, a imprensa noticiava que o endividamento dos particulares era entre nós o segundo mais elevado da Europa, em média (portanto, calma com a ideia de que 'os ladrões' andam a assaltar os cofres do Estado).
2. Acabou, portanto, um certo sentido da velha ideia de 'soberania', que só se manteve enquanto cada Estado podia mandar imprimir moeda falsa na respectiva Casa da Moeda e pô-la a circular como se de dinheiro verdadeiro se tratasse (alguns ainda se lembrarão de situações de hiper-inflação por exemplo na América do Sul, e essa inflação é o modo de o sistema voltar ao equilíbrio, por assim dizer).
3. Mas a situação não é muito diferente daquela que vivemos em 1890, com o Ultimato Inglês (curiosamente, as pessoas parecem agora pacatíssimas, a Carbonária deve estar desactivada): por mais chapéus que se atirem ao ar e desfiles se façam com a bandeira verde-rubra ao alto, as grandes decisões políticas não estão nas mãos de uma maioria democrática. Os 'mercados' são mais arrogantes do que um príncipe francês do tempo de Luis XIV.
3. Aparece já na imprensa e na 'blogosfera' (nome mais feio não há) um discurso curioso, com uma função disciplinadora: há que (nem que seja para combater Sócrates) entrar num percurso ascético, poupadinho e severo, à imagem dos 'pais' Salazar ou Cavaco e da sua rigidez ético-financeira. Ou isso, ou a tripa-forra, o deboche, a gatunagem, enfim a 'esquerda' se dermos à palavra o estranho significado que vai tendo neste blog. Não se pode é sacrificar a 'classe média' (onde todo o aprendiz de político julga ver o grosso do seu futuro eleitorado), as 'famílias' (piscadela de olhos aos católicos), os 'jovens licenciados forçados a expatriar-se' (interrompo a escrita para limpar uma furtiva lágrima). Não se pode é dar 'má imagem'.
4. O Estado precisa de dinheiro e como tal anunciou 'mexidas' nas ilegíveis e incompreensíveis regras 'do IRS'. Menos deduções, diz-se. Um agravamento, na prática, para quem ganhe mais de quinhentos e cinquenta euros por mês, diz-se (deve ser isso a 'classe média'). Curiosamente, os lucros com a especulação bolsista mantém-se com uma tributação zero - não vão os 'mercados' (os mesmos que emprestam dinheiro e fixam as regras) achar-nos com tendência para o bolchevique.
5. E portanto, meus amigos, cuidado: nada de nos opormos às 'necessidades' de expansão das grandes empresas. Nestas circunstâncias políticas, negar o licenciamento de um hipermercado, recusar a construção de uma barragem pela EDP, pôr em dúvida a aprovação de um campo de golfe ou de um aldeamento turístico em cima de uma falésia, protestar contra a situação das dezenas de milhares de pessoas que têm contratos de trabalho e que são forçadas a reconhecer que não os têm (os 'precários'), pôr a hipótese de beliscar as 'oportunidades de negócio' (principalmente se forem em Angola), chamar a atenção para uma política urbana que desertifica os centros das cidades e transforma em guetos as periferias, que tudo sacrifica aos automóveis e ao consumo industrializado, que não vê em nove décimos do território mais do que um espaço para a hotelaria de luxo, tudo isso já não é apenas ser o habitual burro: é ser, de uma vez por todas, anti-patriótico.
6. De facto, diante dos mercados e da realidade, não há esquerda nem direita. Há quem manda e quem é mandado. E há, é claro, mais tarde ou mais cedo, a impensavelmente burra revolta das plebes.
7. Ah, o pesado fardo do homem em branco.
3 comentários:
Não me digas que com o frio Inverno o Marx foi parar à lareira...
E tens que recuperar a memória de quando não havia cartões de crédito, e as «famílias» investiam em contas a prazo e títulos que abatiam no IRS...
Além de que o dinheiro, o de agora e o de ontem, é todo falso... Acho que o Sapiens começou por cambiar couves por alcagoitas, ou pedras, ou caganitas de coelho - tudo com um cifrão.
Abraço!
P. S. Lá cabeçudo é... mas muito francamente (sabes que sou), acho que o gajo só diz merda.
Quem, o Marx?! :)
Não - aí o conselheiro Alien... E devemos ter mais conselheiros como ele! (Acho que essa raça de cabeçudos também deve ter aterrado na Grécia...)
P. S. Quanto é que ganha esse gajo?
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