... Não é algo que, compreensivelmente, costume ser reproduzido pelas instituições políticas e culturais (incluindo a «casa» que tem o seu nome) de um regime que, no último século, também o consagrou – justamente – como o mais importante, o mais influente escritor da modernidade portuguesa. Porém, um dia depois do começo da «celebração» (sem vergonha) dos cem anos em que a Monarquia – maioritariamente democrática – foi derrubada pela República – fundamentalmente ditatorial – sob apelos (sim, fascizantes) de «
união nacional», e no dia em que passa mais um ano sobre o
duplo homicídio que outro tipo de celerados insiste em festejar, convém recordar as certeiras palavras do poeta.
«O observador imparcial chega a uma conclusão inevitável: o país estaria preparado para a anarquia; para a República é que não estava. Grandes são as virtudes (de) coesão nacional e de brandura particular do povo português para que essa anarquia que está nas almas não tenha nunca verdadeiramente transbordado para as coisas!
Bandidos da pior espécie (muitas vezes, pessoalmente, bons rapazes e bons amigos – porque estas contradições, que aliás o não são, existem na vida), gatunos com seu quanto de ideal verdadeiro, anarquistas-natos com grandes patriotismos íntimos, de tudo isto vimos na açorda falsa que se seguiu à implantação do regime a que, por contraste com a Monarquia que o precedera, se decidiu chamar República.
A Monarquia havia abusado das ditaduras; os republicanos passaram a legislar em ditadura, fazendo em ditadura as suas leis mais importantes, e nunca as submetendo a cortes constituintes, ou a qualquer espécie de cortes. A lei do divórcio, as leis de família, a lei de separação da Igreja do Estado — todas foram decretos ditatoriais, todas permanecem hoje, e ainda, decretos ditatoriais.
A Monarquia havia desperdiçado, estúpida e imoralmente, os dinheiros públicos. O país, disse Dias Ferreira, era governado por quadrilhas de ladrões. E a República que veio multiplicou por qualquer coisa — concedamos generosamente que foi só por dois (e basta) — os escândalos financeiros da Monarquia.
A Monarquia, desagradando à Nação, e não saindo espontaneamente, criara um estado revolucionário. A República veio e criou dois ou três estados revolucionários. No tempo da Monarquia, estava ela, a Monarquia, de um lado; do outro estavam, juntos, de simples republicanos a anarquistas, os revolucionários todos. Sobrevinda a República, passaram a ser os republicanos revolucionários entre si, e os monárquicos depostos passaram a ser revolucionários também. A Monarquia não conseguira resolver o problema da ordem; a República instituiu a desordem múltipla.
É alguém capaz de indicar um benefício, por leve que seja, que nos tenha advindo da proclamação da República? Não melhorámos em administração financeira, não melhorámos em administração geral, não temos mais paz, não temos sequer mais liberdade. Na Monarquia era possível insultar por escrito impresso o Rei; na República não era possível, porque era perigoso insultar até verbalmente o Sr. Afonso Costa.
O sociólogo pode reconhecer que a vinda da República teve a vantagem de anarquizar o país, de o encher de intranquilidade permanente, e estas coisas podem designar-se como vantagens porque, quebrando a estagnação, podem preparar qualquer reacção que produza uma causa mais alta e melhor. Mas nem os republicanos pretendiam este resultado nem ele pode surgir senão como reacção contra eles.
E o regime está, na verdade, expresso naquele ignóbil trapo que, imposto por uma reduzidíssima minoria de esfarrapados morais, nos serve de bandeira nacional – trapo contrário à heráldica e à estética porque duas cores se justapõem sem intervenção de um metal e porque é a mais feia coisa que se pode inventar em cor. Está ali contudo a alma do republicanismo português – o encarnado do sangue que derramaram e fizeram derramar, o verde da erva de que por direito mental devem alimentar-se.
Este regime é uma conspurcação espiritual. A Monarquia, ainda que má, tem ao menos de seu o ser decorativa. Será pouco socialmente, será nada nacionalmente. Mas é alguma coisa em comparação com o nada absoluto que a República veio (a) ser.»
5 comentários:
Apenas uma nota quanto ao intróito: não me parece que todos os apelos à "união nacional" sejam necessariamente "fascizantes"; no caso concreto, dados os fautores do apelo, é simplesmente ridículo. Quase tão ridículo como o facto de continuarem a pôr o Pessoa na lapela. Das duas, uma: ou não o leram, ou não o entenderam...
Sim, Renato, fascizante: em Portugal qualquer apelo à «união nacional» ou à «união de todos os portugueses», se não se refere à selecção nacional de futebol, traz sempre «água no bico», implica uma conotação... inquietante. Neste caso, «em torno dos valores da República», e nós sabemos que «valores» são esses - ontem (há 100 anos) como hoje encontramos paralelismos: pré-falência económico-financeira, culto(s) da(s) personalidade(s) do(s) chefe(s), manipulações maçónicas, censura e intimidação da imprensa e dos opositores, violência (ontem a política, hoje a criminal, resultado de leis iníquas e da desadequação e da desmoralização das polícias).
Sobre Pessoa, há uma «terceira via»: eles leram-no e entenderam-no, mas optaram por, convenientemente, ignorar este aspecto do seu pensamento. Afinal, o autor de «Mensagem» é um «berloque» que fica bem ostentar. Não foi o único: Alfredo Keil era monárquico, não compôs «A Portuguesa» contra a Monarquia, opôs-se à sua apropriação por parte dos republicanos, mas de nada lhe serviu...
Só um pormenor, quanto às "manipulações maçónicas": a maçonaria é uma instituição que como tudo na vida pode servir para o bem ou ser instrumentalizada para servir interesses pessoais e particulares!
Aliás ela foi criada para a libertação do Homem, ela prevê nas suas alegorias a construção, a defesa da Vida e a harmonia entre os Homens derivada na tolerância e consubstanciada no acto iniciático. Veja-se a defesa que Pessoa dela fez, com carta enviada à Assembleia da República, quando Salazar promulga a Lei de Proibição de movimentos associativos de índole secreta ou discreta!
Dizer que a maçonaria é má, nefasta e provocadora de sofrimento pessoal e social, é por exemplo o mesmo que dizer que a ciência é má, nefasta e provocadora de sofrimento pessoal e social. Ela tanto criou as melhores ferramentas do mundo moderno como as piores armas de destruição!
Não se pode confundir carbonária com maçonaria mesmo que tenha havido membros a pertencer a ambas. Na minha opinião quem foi carbonário nunca foi maçom!
Peço alguma contenção quando se fala amiúde em coisas que talvez não conheçamos tão bem, simplesmente por estarmos de fora...
Caro Eurico Ribeiro, eu «contenho-me» quando e sobre o que muito bem entendo. Mas já que, aparentemente, conhece tão bem os meandros da dita organização «discreta» (também é dos que usa avental?), esclareça-nos. Porém, para mim basta ouvir o que regularmente diz António Reis para eu reafirmar que há manipulações.
Bem já venho um pouco atrasado aos comentários.
Quanto ao avental, neste momento talvez use de quando em vez na cozinha ou o da bricolage... Relembro-lhe que eu lhe referi o facto de "estarmos de fora" no plural. Para meio entendedor... No entanto e pelo facto de fazer esse tipo de insinuações ao invés de discutir os pontos, cabe dizer que o que o move não é ir ao cerne das coisas mas usar do descontentamento e das falhas da sociedade para se ir divertindo em discussões que não levam virtualmente a nada. Se quiser podemos ter uma discussão sobre o avental! Se lhe der gozo, mas sobre isso do meu lado seria um desprazer para si, pois não me lembro de muita coisa a dizer sobre isso!
Leva-me a pensar que se a sociedade "fosse um dia perfeita" seria uma tragédia para pessoas como você! De onde retiraria o prazer de criticar e de dizer mal e de culpar A, B ou C, pelos problemas encontrados? Seria uma chatice!
Agora se quer ir ao fundo das coisas (até onde nos é permitido ir, bem entendido), comece por coisas simples e por si mesmo: Quem sou eu? O que faço aqui? Para onde vou? Quando conseguir esboçar uma resposta (e digo esboçar, pois seria uma arrogância querer ir mais além) a estas três questões básicas, perceberá que as suas aflições deixam de o ser e perderão todo o sentido... perceberá que todas as organizações são boas ou más na exacta proporção das pessoas boas ou más que as constituem! Perceberá ainda que nem há pessoas boas nem más, mas sim pessoas conscientes de si e inconscientes (a consciência que leva ao Amor Incondicional, a única Força agregadora do Universo) e nada disto tem a ver com a cultura ou nível intelectual, que por vezes só atrapalha à verdadeira ascese pessoal! É um pesado lastro o conhecimento que não se transforma em Sabedoria... e que nos prende ao chão!
Agora perguntar-me se uso, usei ou usarei avental, penso que é escusado e abusivo, pois eu nada lhe perguntei sobre o que usa, usou ou usará no futuro.
Perceba-me que quando lhe aconselhei (e não pedi nem exigi, aliás vivemos numa sociedade de livre pensamento e opinião, graças a Deus e àquelas organizações conspirativas como a tal Maçonaria)... mas dizia eu quando aconselhei contenção, é apenas no seu interesse, se quiser marcar posição daquela maioria que têm exactamente a mesma opinião que você e que desconhecem os factos daquilo que falam e generalizam tudo porque dá menos trabalho!
E olhe se quiser saber mais e com opinião própria e não do diz que disse, sempre se pode candidatar a membro. É só falar ao António Reis...
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