O suplício físico de Jacques de Molay, impotente para produzir nenhum resultado mais que baixamente material, desencadeou sobre a Igreja as forças mágicas que essa acção material era incompetente para dominar, servindo só para as desencadear. E o pior foi que o processo de imolação fosse pelo Fogo, isto é, pelo Elemento da Ordem. Assim, para falar um pouco obscuramente, o que era Adepto Exempto, em vez de passar a Mestre do Templo, foi erguido a Mago, e, apto a pronunciar a Palavra da Era, pronunciou-a como Irmão Negro, e contra a Igreja. Toda a civilização moderna, desde a Reforma aos nossos tempos, no que é oposição à Igreja e conspurcação dela e dos seus princípios, é a vingança encarnada de Jacques de Molay. A fogueira em que foi queimado o Grão-Mestre dos Templários foi o lume que ateou o incêndio em que hoje todos ardemos.
Num ponto, porém, a vingança de Molay, operando por vias inferiores, caiu no mesmo erro em que haviam caído os seus algozes. Foi quando D. Sebastião, AE [Adepto Exempto], foi feito cair em Alcácer Quibir. Caiu pela espada, isto é, pela Terra, e o erro foi o mesmo que o de fazer Molay cair pelo Fogo, porque de igual natureza. No mesmo modo o Adepto Exempto ascendeu a Mago, queimando o grau intermédio, e pronunciou, no tempo dado, a Palavra da Era seguinte.
[actualizámos a ortografia]
Fernando Pessoa, Subsolo (espólio 54-93) in Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética – Fragmentos do espólio, introdução e organização de Yvette K. Centeno, Ed. Presença, Lisboa, 1985, p. 43.
1 comentário:
Curiosissimo texto.
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