por Ferreira Fernandes
"Um dia, há muitos anos, entrei num quarto alugado de uma casa do Dafundo. O dono do quarto era solitário e triste, mas eu olhava-o com o fascínio que os homens feitos, como eu já era, só emprestam aos seus heróis da adolescência: Vicente Lucas. O homem que Pelé considerou o melhor defesa que o marcou. No Mundial de 66, ele jogou contra a Hungria, Bulgária, Brasil e Coreia, que ganhámos, e não jogou contra a Inglaterra, que perdemos. Em Lourenço Marques, de onde tinha vindo este negro gentil e de bigode fino, chamavam-lhe "Mandjombo", que queria dizer sortudo. Não era bem assim. Semanas depois do regresso da glória de Inglaterra, Vicente Lucas teve um acidente e ficou cego do olho direito. No quarto do Dafundo, enquanto ele tirava de uma cómoda a camisola que Pelé lhe dedicara e folheava as fotos com o seu irmão Matateu, eu beliscava-me para me lembrar que estava ali com Vicente. O Vicente. Provavelmente nunca serei jornalista, a lâmina fria, o olhar seco, o servidor do público. Seguramente não sou capaz, numa entrevista com Jardel - como li ontem -, com Jardel que estrebucha para sobreviver, com Jardel que falara há pouco de Enke, de lhe perguntar: "Suicídio? Passou-lhe alguma vez pela cabeça..." Se o meu leitor quer saber isso, merda para o leitor."
Tem razão o Ferreira Fernandes. É confrangedor hoje em dia ler a nossa imprensa. Com raras excepções, é uma máquina mediática de cínicos, vaidosos e ressabiados, irmanados no atávico propósito de se oporem a tudo. Como peixe na água, banqueteiam-se com a desapropriação social, moral e ideológica. O seu contributo ou compromisso para com a comunidade e a verdade, é pícaro e digno do anedotário nacional. Fazem do arrivismo uma metodologia e é esta predisposição que ordena as relações da pirâmide social em completo acordo com a arcana lógica do corporativismo.
A minha herança é outra. E, embora não esteja vencido, vejo que estou a ser derrotado pelos que só trabalham pelas benesses que lhes são outorgadas, directa e indirectamente.
Por isso me satisfaz, tanto, encontrar jornalistas como o Ferreira Fernandes. Faz-me confiar que estamos sempre a tempo de começar a exigir uma oposição digna a este estado de coisas para não nos perdermos nele.
4 comentários:
bem visto... é um autêntico circo de vaidades, onde os colunistas tomaram a parte de leão da coisa e se trocam entre si, entre jornais.
este imobilismo e a serventia assim dada às mesmas e eternas "figuras mediáticas" explica aliás a crise tremenda que vive hoje a imprensa e que ditará a prazo a sua morte.
com imensa perda para a Democracia, porque a televisão...
pronto. concordo. não sendo fã do F.F. fico deste artigo e do comentário assertivo. de um PiresF inconformante com os mundanos epifenómenos vigentes.
beijo. ou será obrigatório um abraço MIL?
:)
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:)) beijo, I.
Os Media são propriedade de grandes interesses privados. Os jornalistas não passam de funcionários desses grandes interesses privados. Isto diz tudo sobre a «informação».
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