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MIL: Movimento Internacional Lusófono | Nova Águia


Apoiado por muitas das mais relevantes personalidades da nossa sociedade civil, o MIL é um movimento cultural e cívico registado notarialmente no dia quinze de Outubro de 2010, que conta já com mais de uma centena de milhares de adesões de todos os países e regiões do espaço lusófono. Entre os nossos órgãos, eleitos em Assembleia Geral, inclui-se um Conselho Consultivo, constituído por mais de meia centena de pessoas, representando todo o espaço da lusofonia. Defendemos o reforço dos laços entre os países e regiões do espaço lusófono – a todos os níveis: cultural, social, económico e político –, assim procurando cumprir o sonho de Agostinho da Silva: a criação de uma verdadeira comunidade lusófona, numa base de liberdade e fraternidade.
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NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI

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"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

Nenhuma direita se salvará se não for de esquerda no social e no económico; o mesmo para a esquerda, se não for de direita no histórico e no metafísico (in Caderno Três, inédito)

A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo (in Cortina 1, inédito)

Agostinho da Silva

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Entre a Renascença e a Presença...

 

Na vasta e rica bibliografia de Pinharanda Gomes, existe uma obra, intitulada Liberdade de Pensamento e Autonomia de Portugal, onde, para além de uma série de textos do próprio autor relativos à questão da existência de uma “filosofia portuguesa”, se encontra uma igualmente vasta e rica antologia de posições relativamente a essa mesma questão. Como por essa antologia é dado verificar, a maior parte daqueles que a contestam fazem-no, contudo, não questionando o conceito, mas atendendo à nossa história.

Diagnóstico particularmente contundente foi, a este respeito, o de Leonardo Coimbra, aquele, já célebre, em que caracteriza a nossa terra como a “mais antifilosófica do Planeta”, expressão que, não sem alguma ironia, José Marinho considera “feliz e adequada” – dado que, nas suas palavras, “por tal [expressão] não cabe entender terra onde não há filósofos seriamente dotados ou vocações filosóficas evidentes, mas pátria descaroável para homens de espírito quando estes ousam pensar fora ou para além da opinião judiciosa, fora ou para além da tradição formalizada ou do progressismo de importação e imitação, e, para tudo dizer, das intenções e presunções feitas e acabadas das contrapolares ideologias”.

Eis, aliás, a perspectiva que Marinho nos reiterou em múltiplas passagens da sua obra – a título de exemplo, atentemos nestas: “Em poucos países (…) terá o pensamento filosófico, como em Portugal, existência mais intermitente, mais dramático destino.”; “…em toda a idade o filósofo como o poeta, e em geral o homem portador de alto sentido da vida espiritual, é um inadaptado. Na contingência portuguesa, porém, não está ainda visto como essa inadaptação resulta no caso do filósofo particularmente grave.”; “Os portugueses (…) desconfiam dos seus filósofos. Desconfiam de uns porque são poéticos e parecem agora desconfiar de outros porque o não são.”.

Daí ainda o ter denunciado “as condições que tornaram neste país mais difícil ainda que noutros a situação do filósofo” – e o ter falado, nessa medida, da “mesquinhez da nossa terra”, ou da “cerração terrível que em Portugal impede o espírito”, chegando a dizer-nos que “para fazer como pensador grandes coisas, é necessário não ter nascido em Portugal”. Daí ainda o ter caracterizado o povo português como “adverso à filosofia, à grave e séria responsabilidade de filosofar”, tese que concretiza das mais variadas formas em múltiplas passagens da sua obra.

Ainda assim, não deixou José Marinho de se referir à nossa “tradição [filosófica] multissecular, tradição inegável ainda mesmo quando haja de reconhecer-se descontínua, como eu escrevi já, ou difusa e dispersiva, como outros têm escrito”.

De resto, José Marinho afirmou expressamente que “os nossos antepassados desde o século XII não estiveram a dormir em matéria de filosofia”, antes “puseram como puderam a interrogação fundamental e os consequentes problemas”, assim deixando uma tradição “cujo significado e valor hoje se impõe determinar.

Daí ainda, nomeadamente, a sua referência expressa a Pedro Hispano, a partir do qual, como defendeu, “começa uma série ininterrupta de pensadores que vêm até aos nossos dias” – de características, aliás, próximas, senão mesmo comuns.

Em outras passagens da sua obra, enalteceu ainda mais José Marinho o valor da nossa tradição filosófica: “…é extraordinário que, num pequeno povo, tantas virtualidades do espírito e do pensamento, embora por vezes insequentes, se tenham afirmado.”.

Que esse valor não seja ainda em geral reconhecido, eis o que, na sua perspectiva, só pode decorrer da ignorância e/ou da má-fé, dado que, como ele próprio escreveu, “quem de boa mente quiser refazer os caminhos que percorri, ficará sem dúvida surpreendido de numa breve centúria as concepções essenciais de filosofia surgirem uma após outra, com diversa fortuna, na pátria que um dos nossos filósofos mais influentes designou como ‘a terra mais anti-filosófica do planeta’”.

Ainda assim, não deixou o autor de Verdade, Condição e Destino no pensamento português contemporâneo de antecipar esse reconhecimento: “Supomos, mas tal não depende só de nós, que em breve o valor da filosofia portuguesa no quadro do pensamento da nossa Península e em relação ao pensamento europeu aparecerá a toda a luz, já quanto aos temas que melhor soubemos desenvolver, já quanto àqueles que nos não foi dado tratar. Tal será possível, para os portugueses das contrapolares correntes, quando se sublimar o patriotismo exorbitado ou ressentido, quando os extremos da apologia e da negação se transmutarem, quando em filosofia como em tudo o mais os portugueses não carecerem já de obstinar-se em alcançar um primeiro lugar, ocupando activos e despertos o lugar não de todo modesto que lhes coube e tardam em reassumir.”.

A lucidez com que José Marinho formula este voto é a mesma que podemos encontrar na sua visão da história da nossa filosofia. Não é esta uma mera visão laudatória. É antes uma visão que, valorizando devidamente, ainda que por vezes de forma arrebatada, as virtudes, não deixa de assinalar, por vezes até de forma bastante crua, as debilidades. Daí, desde logo, a sua denúncia do escolasticismo que teima em permanecer em nós – “Escolásticos fomos, escolásticos continuamos sendo. Simplesmente, agora não somos já escolásticos à maneira do século XVII (…).”–, daí ainda, na esteira dessa denúncia, esta sua pertinente questão: “Não será com efeito grande ilusão a de supor que antes de estar completa a actualização da nossa cultura, antes de esta ter sido liberta dos últimos vínculos da superstição escolástica, se pode pensar em Portugal alguma coisa de seguro e sério?”.

Na sua visão, é com Amorim Viana que nos começamos a libertar desses “últimos vínculos da superstição escolástica” – não tivesse sido ele “o pensador que procura pela primeira vez garantir a autonomia do pensamento filosófico em Portugal”. Ainda segundo autor de Verdade, Condição e Destino no pensamento português contemporâneo, contudo, é apenas com o movimento da “Renascença Portuguesa” que essa “mais funda transmutação na vida espiritual portuguesa” ocorre – nas suas palavras: “Com a ‘Renascença Portuguesa’, e com tudo quanto se lhe segue em afinidade espiritual ou crítico contraste, surge a mais funda transmutação na vida espiritual portuguesa desde o Renascimento.”. Sendo que, nesta esteira, José Marinho não deixa de sinalizar um “crítico contraste” entre “espírito cósmico e religioso da Renascença” e “o sentido antropológico da Presença”, por mais que, em 1929, numa carta a Adolfo Casais Monteiro, seu colega na Faculdade de Letras do Porto, tivesse revelado alguma esperança quanto ao futuro da Presença. Nas suas palavras: “Diz-me que está trabalhando no seu estudo sôbre Eça e que espera trazê-lo pronto. Venha êle! A intenção de Gaspar Simões parece-me optima, oportuníssima. Uma série de estudos sérios, reflectidos, penetrantes sôbre os nossos escritores esta será a pedra de toque da agremiação ou movimento artístico que pretenda tomar para si o papel de direcção e orientação. Não foi já o papel que eu há muito quiz desempenhasse a Renascença? Entramos numa frase de compreensão e de juízo. O modernismo não será em Portugal mais do que um motivo de obras de valor médio (como o romantismo, naturalismo, realismo, simbolismo e saudosismo) se não trouxer no seio uma crítica e uma filosofia, purgadas já dos defeitos lírico-retórico-eruditos dos tradicionais. E eu julgo que vós outros, os modernistas, ainda não tendes disto uma muito clara consciência. Mas haveis de chegar a ela, sob pena de comprometerdes uma vez ainda as possibilidades que agora se estão a oferecer-nos de tirar o pensamento e a literatura portuguesa dêste pôço que é a nossa vida de espírito, pôço em que eu às vezes me sinto asfixiar, eu e tudo aquilo que o destino quiz trouxesse no meu ser à mesquinha e pobre terra em que nasci.”

Num texto integrado na obra A Poesia de Fernando Pessoa (INCM, 1999, 2ª ed., p. 167), escreveu Adolfo Casais Monteiro o seguinte: “Eu sempre disse ao meu querido José Marinho que ele não entendia nada de poesia; mas, como insiste, di-lo-ei desta vez em letra de forma. Acontece muitas vezes aos que só vêm na poesia o alimento que ela fornece às suas meditações filosóficas (…).” No seguimento desta passagem mordaz, chega ainda a ironizar com a “diatribe [de José Marinho] contra a poesia ‘subjectiva’”, concluindo, em ironia final: “até parece um colaborador da Vértice!”.

Partindo da posição de que parte Adolfo Casais Monteiro, compreende-se esta sua crítica mordaz. No entanto, a posição de que parte José Marinho é, de facto, assaz diferente, infinitamente diferente…. Com efeito, no retorno à nossa mais originária tradição filosófica, propõe-nos José Marinho um caminho outro – um caminho de requalificação do fenómeno estético. Para tanto, procura, desde logo, reabilitar o conceito de “belo”. Não já, contudo, enquanto mero conceito estético – pois que, para Marinho, “o belo” não era apenas um fenómeno estético, mas, mais profundamente, a expressão de um processo ontológico: do processo de realização do ser, mais propriamente, daquele que mais verdadeiramente é em todo o ser, em cada um de nós.

Designou Marinho esse processo como o processo de realização do próprio “espírito”. Daí a sua tese, sintetizadora de todo o seu pensamento estético: “Nada iguala em beleza o fluir espontâneo e perfeito de um espírito.”. É a luz de tal assunção do fenómeno estético que José Marinho considera também o fenómeno artístico – em síntese, poderíamos enunciar a sua tese do seguinte modo: a arte, em todas as suas formas, será expressão do espírito, do seu processo de realização, ou não será. Daí que, no seu entender, o fenómeno artístico, mais propriamente considerado, se consubstanciasse muito mais na pessoa do artista do que na sua obra, na obra de arte.

Nessa medida, não devemos pois procurar a “essência da arte” nas obras mas sim, antes, no processo que lhes subjaz, ou seja, no processo da sua criação. Eis, em suma, o regressivo caminho que José Marinho nos propõe. Porque regressivo, é esse um caminho de desconstrução – de desconstrução da obra de arte enquanto obra. Importa pois, por isso, desconstruí-la, esventrá-la, em busca da seiva, do sangue, que ocultamente a anima – mais profundamente ainda, em busca da mais originária fonte em que todo o processo de criação se inicia. Eis, com efeito, o oculto alcance, o oculto cais, desse regressivo caminho que José Marinho nos prefigura…

1 comentário:

Nova Águia disse...

Precioso texto esse teu «Entre a Renascença e a Presença».
Vale!
Rodrigo Sobral Cunha