Num comunicado publicado ontem, o Grupo para a Salvaguarda do Farol da Guia criticou as “contradições” do Instituto Cultural e desafiou o Governo a “assumir medidas decisivas” para reduzir a altura de dois edifícios que estão a prejudicar a integridade visual do Farol da Guia. O Instituto Cultural desvalorizou no sábado as preocupações levantadas pelo grupo numa carta enviada à UNESCO e garantiu atribuir “uma grande importância à protecção da paisagem do Farol da Guia”. Na perspectiva de especialistas contactados pelo Ponto Final, o Governo não está a cumprir o dever de proteger o Farol da Guia enquanto património cultural e histórico de Macau
O Instituto Cultural (IC) não prevê “a necessidade de proceder à avaliação do impacto no património” dos projectos de construção na Avenida Rodrigo Rodrigues, apesar de reconhecer, no mesmo comunicado, que um edifício inacabado na Calçada do Gaio excede, efectivamente, os “requisitos de limite de altura aprovados” por lei. Na semana passada, o Grupo para a Salvaguarda do Farol da Guia endereçou uma carta ao Comité do Património Mundial da UNESCO sobre o risco de destruição da “integridade visual” do farol mais antigo da costa chinesa. Especialistas contactados pelo PONTO FINAL criticaram a resposta do IC, e apontaram para o perigo de descaracterização da paisagem de Macau, caso os pontos de referência da cidade não sejam preservados no futuro.
Numa carta endereçada à UNESCO, o Grupo para a Salvaguarda do Farol da Guia assinalou que “um prédio em construção na Calçada do Gaio” excede “desastrosamente” o limite de 52,5 metros, e que “a restrição de 90 metros de altura para edifícios a serem construídos ao longo da Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues é inadequada para a protecção da integridade visual e das principais linhas de visão do Farol da Guia”. O documento foi enviado ao organismo das Nações Unidas na sequência da apresentação da Planta de Condições Urbanísticas (PCU), por parte da DSSOPT, posta a consulta pública e cujo prazo de apresentação de comentários termina hoje.
“Em relação a esses dois casos concretos deviam ter tido um controlo mais rigoroso. De facto, a altura actual desses dois edifícios tem um real impacto na visibilidade do Farol da Guia”, começou por dizer o arquitecto André Lui, membro da ICOMOS internacional e da ICOMOS China, acrescentando que tem de ser feita “uma avaliação do impacto visual ou impacto ambiental em relação aos dois edifícios em questão”.
No comunicado de sábado, o Instituto Cultural defendeu que “todos os edifícios recém-desenvolvidos” na zona “cumprem os limites de altura” previstos por lei, e que, por isso, não “se prevê a necessidade de proceder à avaliação do impacto do património”. Uma decisão pouco razoável para Sandy Lam San, aluna de mestrado em Conservação de Património da Universidade de São José. “O Governo tem o dever de proteger o património de Macau, se este tipo de iniciativas continuar, as características únicas da cidade podem ser afectadas permanentemente. Não podemos provocar mais danos. O Instituto Cultural justificou-se com a lei para não proceder à avaliação do impacto do património. Não foram razoáveis. Basta ver fotografias da periferia do Farol da Guia desde 1996 para perceber o enorme impacto que as novas construções tiveram na paisagem do Farol da Guia, que, agora, está praticamente tapada por prédios”, assinalou Sandy Lam San.
Farol da Guia, património cultural da região
Uma opinião partilhada por Mário Duque. “O farol há-de ser sempre uma construção que tem uma absoluta necessidade de ser avistável pela sua função”, começou por referir o arquitecto. Apesar de reconhecer que os faróis deixaram de ser cruciais na navegação moderna, as construções em redor do Farol da Guia podem afectar a sua característica cultural e histórica, assinala. “Se esses elementos são considerados de valor e se são considerados património cultural dos sítios, obviamente que destruir-lhes a configuração física corresponde a retirar-lhes o sentido, o valor e a sua própria razão. Os faróis já não são necessários, só que o Farol da Guia tem um significado importante pois foi constituído património cultural da região”, disse Mário Duque.
Para o arquitecto João Palla, as características paisagísticas de Macau podem estar em risco. “Devia haver uma sensibilidade maior àquilo que são as vistas e o sistema de vistas dos diferentes pontos da cidade para pontos focais. Obviamente que o Farol da Guia é um ponto focal que se guia de muitos outros pontos da cidade, assim como a Igreja da Penha, a Fortaleza do Monte. Devia haver um cuidado muito maior à volta destas zonas para não se perder a legibilidade da orografia de Macau”, afirmou.
Na carta enviada à UNESCO, o grupo queixou-se de que, “após 12 longos anos, o Governo da RAEM não cumpriu a sua promessa de reduzir a altura do prédio em construção na Calçada do Gaio” e que, em vez disso, tentou manter a altura do prédio inacabado nos 81 metros, “numa clara violação do limite de altura de 52,5 metros”. “Em nenhum dos relatórios do Governo da RAEM apresentados à UNESCO, essa violação foi mencionada ou explicada”, frisou o Grupo para a Salvaguarda do Farol da Guia.
Na resposta, o IC admitiu que o edifício inacabado na Calçada do Gaio “excede os requisitos de limite de altura do edifício aprovado”, e que, o mesmo, “pode ter um impacto na paisagem do Farol da Guia. No entanto, na sequência de uma avaliação da Academia Chinesa do Património Cultural, encomendada pelo Governo, o IC apontou que “o projecto deve manter a actual altura”. “O IC disse que não havia necessidade de baixar a quota do edifício, o que é uma parvoíce. O mínimo que podiam ter feito era, depois de tantos anos com aquilo parado, terem cortado o edifício pela quota com que deveria ter sido feito o edifício originalmente para não ultrapassar o Farol da Guia”, frisou João Palla em relação ao edifício inacabado na Calçada do Gaio.
Instituto Cultural não assume responsabilidades
Já André Lui estranhou o facto de o Governo ter recorrido a uma avaliação da Academia Chinesa do Património Cultural para concluir os trabalhos de avaliação do impacto no património. “Um grupo profissional da China fez a avaliação, mas porque é necessário vir alguém do interior da China? Em Macau também temos técnicos de avaliação tão bons como os outros”, afirmou o membro da ICOMOS internacional e da ICOMOS China.
Uma situação também assinalada por João Palla. “Porque é que uma Academia Chinesa, que não conhecemos, está a validar coisas aqui em Macau? O problema é haver uma instituição que se substitua ao Instituto Cultural. O Instituto Cultural deveria ser quem dá esse parecer, e está a reconhecer uma academia para dar esse parecer”, referiu o arquitecto.
Em reacção, ontem, ao comunicado do IC, o Grupo para a Salvaguarda do Farol da Guia lamentou a falta de um perito de património cultural “com consciência”, que esteja na disposição de avaliar os projectos de construção ao longo da Avenida Rodrigo Rodrigues, e criticou o secretismo em torno do relatório da Academia Chinesa do Património Cultural. “O IC não deve adoptar, novamente, a política da avestruz diante de uma ameaça iminente, em relação à paisagem e integridade visual do Farol da Guia, Património Cultural da Humanidade, rodeada por uma vizinhança de arranha-céus”. Eduardo Santiago – Macau in “Ponto Final”
Sem comentários:
Enviar um comentário