Se a política
requer, continuamente, à sociedade, mudanças de comportamento, fica
também clara para a sociedade a necessidade de construir uma renovação
dentro do próprio sistema político.
Se a iniciativa política
solicita mudanças de comportamento à
sociedade, a sociedade clama, por sua vez, por profundos câmbios no
modo político.
Ao ganharmos perspetiva histórica
sabemos que as épocas fazem prescrever, renovar ou criar
diferentes entendimentos. Porém, a natureza humana não mudou
muito nos últimos 2500 anos...
Mais recentemente, somos herdeiros das grandes polémicas da modernização ao longo
do século XVIII e das alternativas dramáticas que então se puseram no século
XIX, somos herdeiros do triunfo do positivismo na sua expressão política.
Desde o século XIX ainda coexiste uma ideia mítica de Europa, a Europa de Prometeu, a Europa
Cristã, a Europa Centro do Mundo.
Necessário,
pois, se torna remontar a alguns dos preconceitos políticos
mais prejudiciais, que têm impedido até a própria
discussão ao nível da representação política.
O primeiro preconceito é
determinista e historicista. Defendem algumas ideologias que a história tem
um motor independente da ação humana pessoal, e com o autoritarismo e a
violência operaram ruturas para impor
uma ordem ideológica, pela força e pela demagogia,
apresentando-se como síntese de um
processo histórico, última eminência da expressão social. O golpe
Republicano de 5 de Outubro de 1910 em Portugal é disto exemplo, pois havia
mais liberdade de expressão e uma democracia mais ampla em comparação com o
novo regime republicano e, no entanto, a ideologia republicana seria o
determinado futuro para a humanidade... Apesar de hoje os países que
apresentam melhores índices de bem estar serem monárquicos.
O
segundo preconceito está na relação
que se estabelece entre a noção de progresso e modernização
com uma ideologia ou com uma forma política. Sempre promoveu-se no
passado político o desenvolvimento social (pelo aumento da
literacia, da mobilidade social, da empregabilidade e do tratamento da doença)
pelas monarquias, sem exceção, independentemente das tendências ideológicas do seu contexto,
humanista e empirista, absolutista ou liberal, como pelo regime republicano. A
finalidade política centra-se no desenvolvimento social,
privilegiando algumas funções sociais, mas não
se pode confundir o esforço de desenvolvimento social
com uma forma de regime, mas, sim, com a participação
cívica que o regime permite.
Os positivistas, fossem os então
republicanos e todos os progressivistas do século XIX, pensavam que o
progresso seria inelutável. Nós sabemos, depois das guerras mundiais do século XX
e do Holocausto, que não é assim.
Contrário
ao pluralismo das ideias e à representação
plural das sociedades, o progressivismo fecha a história
numa única enformação ideológica,
e sucede ser ele mesmo inviabilizador de novos paradigmas.
A humanidade não é um dado
concreto imediato. É uma conquista dos humanos que participam no
processo e na aventura de ser no tempo e nas suas comunidades e sociedades. A modernização gerou
as principais dinâmicas do mundo contemporâneo, mas
não tem por que comportar a ideia radical da contenda e da rutura com o
passado. Aliás, a maior parte das nossas instituições
democráticas, de assistência social,
de ensino e ciência, de saúde, de cultura, ou foram
fundadas durante monarquia constitucional ou assentam naquelas fundações,
assim como o movimento associativo teve em vários períodos
históricos desempenhos sociais e políticos imprescindíveis, sobretudo nos
centros urbanos, verificando-se, em períodos de convulsões, a enorme expansão de
associações de variadas tipologias.
A
Constituição, o Parlamento, a Democracia, as Escolas, as
Universidade, os Tribunais, os Seguros, as Misericórdias,
os Hospitais, os Teatros, mas também o ensino obrigatório,
as estradas, a imprensa, o telégrafo, os comboios, a luz elétrica,
a livre expressão e a circulação de ideias, são
acolhimentos e promoções de um regime atuante e
acolhedor do sentido de desenvolvimento social, traço
que sempre pode confirmar-se pelas instituições criadas tanto no antigo
como no novo regime, antes e a partir de 1822, em consonância
com as inquietações de época e com as dinâmicas
europeias.
A introdução de novas técnicas, produções e saberes, a alteração relativa a estilos de vida com melhor saúde,
higiene e projetos de vida em aberto - a mobilidade social, o aumento da
literacia, são produtos da ação humana, sobretudo
orientadas a partir de instituições... a mobilidade social não é uma
inevitabilidade.
As ideologias
que cindem o passado do futuro serviram de suporte a uma abordagem revolucionária
que muitos e maus frutos deu, em sofrimento e perda de vidas humanas.
A tentação de
reduzir a complexidade da nossa vivência social a uma equação
simples sempre produziu enormes males. As dificuldades de representação política do
presente, resultam sobretudo do discurso economicista, sempre otimista,
discurso que não tem conseguido ser suportado na prática. O
otimismo político gera sempre mais dívida
para as famílias – e, finalmente, o aniquilamento de sua
autonomia e de seu potencial de desenvolvimento humano.
As circunstâncias
atuais apelam a um vigor do campo do político para o primeiro plano, com especial foco
num discurso com perspetiva histórica, isto é, com perspetiva temporal
profunda, onde sempre podemos encontrar maior claridade sobre os objetivos, o
funcionamento das instituições, com uma instância que concite e
evidencie consensos democráticos e estratégicos.
A sociedade clama forte como um
grito, por um profundo câmbio político, onde se recupere a consideração e a
confiança nos atores institucionais.
Pedro Furtado
Correia
Maria Fernanda
Carvalho Afonso
1 comentário:
Todas as eventuais boas intenções e boas ideias deste texto são praticamente invalidadas pela sua utilização do AO90, exemplo máximo de uma certa perversidade do progressismo (e elemento fundamental do autoritarismo anti-histórico do republicanismo português) que supostamente se queria denunciar.
Enviar um comentário