O
centro da pandemia está actualmente na Europa. Chega ajuda da Rússia e da China
à Itália. Sinais evidentes de que as democracias ocidentais não estão preparadas
para situações críticas. Preocupadas apenas com eleições, e em dar aos
eleitores aquilo que os seus egos desejam, a fim de se perpetuarem no poder,
descuidam o lado coercivo da governação. Pendem para as liberdades pessoais, em
detrimento do bem colectivo, bem mais complexo que o pessoal. Iludidos em falsa
ideia de desenvolvimento progressivo infinito, esbarram abruptamente com a
realidade. Não despendem com a prevenção, mas antes com regalias, sejam para as
suas vidas pessoais, enquanto governantes, sejam para aqueles que como tal os
legitimam. Endividam-se para dar o que não podem. Só vêem numa dimensão: em
frente, não olham os lados; atrás, só o que lhes convém.
O
Mundo chegou a um ponto crucial da sua existência. Há que parar e meditar.
Parar é inevitável, meditar fica ao nosso arbítrio. Esta pandemia está a
demonstrar à humanidade que, para além da liberdade individual, há a coerção.
Somos livres; porém, também condicionados. Há que perceber que tudo tem limite.
Que a vida individual não é eterna, que as excentricidades dos egos não são o
fundamento da vida humana, que a vida colectiva é muito mais duradoura, e muito
mais séria; que há limites para tudo, até para o prazer, até para a liberdade.
A
«Natureza» para quem não ousa, não quer, ou não sabe, dizer «Deus», está-nos a
mostrar claramente que se continuarmos nesta curva ascendente de leviandade, de
despesismo, de ego-excentricidade, de ganância, iremos sofrer consequências, tanto
mais graves quanto maior a curvatura. Não podemos sacrificar a industria
nacional a uma industria nacionalista, a Chinesa, só porque produz mais barato
e compra bancos, serviços públicos e empresas caídas em situação deficitária
por sucessivas gestões partidárias despesistas e perdulárias. Não podemos
sacrificar o comércio local a um comércio globalizador, o Chinês, só porque nos
compra dívida pública.
Uma
economia asfixiada é como um corpo que não respira, que desfalece e morre. Há
que repensar os moldes da nossa democracia. Há que estabelecer padrões que
garantam a vitalidade das realidades locais. Há que repensar a política
bancária que favorece vilões e vilanias de apregoados génios económicos. Há que
acabar com «paraísos» fiscais, cientes de que o «Paraíso» é uma realidade
exclusiva de um qualquer «outro mundo» que não este. Paradoxalmente, em nome da
liberdade, tornamo-nos cada vez menos livres.
Este
modelo de democracia não mais pode ser plenipotenciário. Para tal, a Constituição
tem de ser repensada por todos os elementos da sociedade; não só os partidos — no
fundo, minorias matemáticas, se considerarmos as abstenções e os votantes dos
outros partidos —, mas também as associações religiosas, corporações,
associações, sindicatos, autarquias, enfim, os «cidadãos», ou melhor, o «povo»,
termo menos reduzido à dimensão de «cidade». Uma ampla discussão nacional.
Pensar não só em nós, não só nos nossos filhos, mas nos nossos netos, bisnetos
e gerações vindouras, herdeiras do bem e do mal que lhes leguemos. Pensar não
só em nós, mas também nos outros, nos povos de além-pátria que, como nós, nas
suas respectivas pátrias, formam a raça humana. Como se pode entregar uma
economia, que deveria ser nacional, a um elemento estranho, ele próprio uma
nação? Uma nação que não esconde a sua pretensão à hegemonia global? O mesmo
para a agricultura, a pesca, a saúde, a tecnologia.
Esta
pandemia está a coagir as pessoas a ficar em casa, em «quarentena». Ora,
«quarentena» é um termo que se aplica a um qualquer número de dias, mas que
deriva de algo muito mais profundo, os «quarenta» dias de isolamento de Moisés
na montanha, ao fim dos quais trouxe as placas da Aliança. A «quarentena» não é
para se passar por ela levianamente. É para que nada volte a ser como era! É um
retiro forçado para nos levar a pensar no que somos, de onde viemos, para onde
vamos, com quem estamos, e sobretudo, o que deixamos.
Vila
Junqueiro (Gurué)
Zambézia,
Moçambique
Mário Vieira
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