Provavelmente por (de)formação
filosófica, tendemos sempre a avaliar toda e qualquer posição pela sua
coerência lógica. Ainda que, obviamente, a coerência lógica não seja um valor
absoluto – apenas um “exemplo-choque”: Hitler e Estaline foram decerto pessoas
muito coerentes (a ponto de terem sacrificado milhões de vidas humanas em nome
da sua coerência) e não será por isso que as suas posições se tornam
aceitáveis.
Muitas das nossas polémicas no
espaço público não resistem, porém, a esse crivo da avaliação lógica.
Paradigmático exemplo recente disso tem sido a polémica de início de ano em
torno da entrevista de Mário Machado à TVI. É mesmo um exemplo do absurdo
lógico em todo o seu esplendor.
Vamos então por partes: em
primeiro lugar, tem-se questionado a legitimidade da entrevista por causa das
ideias antidemocráticas da pessoa em questão. O argumento é decerto atendível.
Mas, a ser assim, em nome da coerência, também se deverá defender que, por
exemplo, pessoas e/ou instituições que defendam a “ditadura do proletariado”
devem igualmente ser banidas do espaço público. Alguém defende realmente isso?
Não estamos a ver ninguém.
Em segundo lugar, tem-se
questionado a legitimidade da entrevista porque a pessoa em questão cometeu
crimes e foi condenada por isso. O argumento é decerto igualmente atendível (um
conhecido comentador, Daniel Oliveira, usou até o argumento-extra de que a
entrevista teria chocado as famílias das vítimas). Mas, a ser assim, em nome da
coerência, ninguém, por exemplo, das “FP-25 de Abril” pode ser entrevistado.
Decerto, também aqui o argumento-extra das famílias das vítimas pode ser
aduzido.
Sendo que, neste caso em
particular, há um absurdo lógico ainda maior, que não vimos ser devidamente
denunciado: a escolha de Mário Machado para defender o “regresso de Salazar”.
Passando por cima desse absurdo não menor que é pôr a hipótese desse regresso
em pleno século XXI, é de facto absolutamente absurda essa escolha.
Independentemente da opinião que cada um possa ter sobre Salazar, é factual que
ele defendia um Portugal multirracial e transcontinental, em particular em
África. Poderemos decerto depois defender que Salazar estava errado ou que a
sua visão de Portugal tinha passado todos os prazos de validade. Mas, em nome
da verdade histórica, não podemos negar que essa era a sua visão de Portugal.
Mário Machado, assumidamente,
defende o oposto: um Portugal “branco” (no seu caso, literalmente), apenas
europeu, nada africanista. Independentemente da opinião que cada um possa ter
sobre Mário Machado, é evidente que a sua visão de Portugal nada tem a ver com
a de Salazar. Sendo que não estamos aqui a defender nenhuma delas: quanto a
Mário Machado, consideramos que a sua visão de Portugal é errada, porque
anti-lusófona; quanto a Salazar, consideramos que a sua visão de Portugal já no
seu tempo era anacrónica. Mas nem por isso podemos não denunciar esta amálgama
absurda, só justificável por ignorância ou má-fé.
Renato Epifânio
Presidente
do MIL: Movimento Internacional Lusófono
1 comentário:
Trata-se de facto de uma amálgama (político-ideo(i)lógica) absurda, e outras existem... Eis uma «desamalgamação« lúcida, que eu subscrevo.
Entretanto, a comparação com alguém das FP-25 não é virtual: no Blasfémias, Telmo Azevedo Fernandes refere o caso de Luís Gobern Lopes, que pertenceu àquelas, que terá cometido mais crimes do que Mário Machado, que foi amnistiado, entrevistado pela comunicação social... e candidato autárquico no Barreiro pelo Bloco de Esquerda:
https://blasfemias.net/2019/01/06/bloco-de-esquerda-voce-na-tv-tvi/
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