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MIL: Movimento Internacional Lusófono | Nova Águia


Apoiado por muitas das mais relevantes personalidades da nossa sociedade civil, o MIL é um movimento cultural e cívico registado notarialmente no dia quinze de Outubro de 2010, que conta já com mais de uma centena de milhares de adesões de todos os países e regiões do espaço lusófono. Entre os nossos órgãos, eleitos em Assembleia Geral, inclui-se um Conselho Consultivo, constituído por mais de meia centena de pessoas, representando todo o espaço da lusofonia. Defendemos o reforço dos laços entre os países e regiões do espaço lusófono – a todos os níveis: cultural, social, económico e político –, assim procurando cumprir o sonho de Agostinho da Silva: a criação de uma verdadeira comunidade lusófona, numa base de liberdade e fraternidade.
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NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI

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"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

Nenhuma direita se salvará se não for de esquerda no social e no económico; o mesmo para a esquerda, se não for de direita no histórico e no metafísico (in Caderno Três, inédito)

A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo (in Cortina 1, inédito)

Agostinho da Silva

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

A FILOSOFIA COMO EXPRESSÃO DA VIDA ESPIRITUAL DUMA CULTURA


Francisco da Gama Caeiro, falecido em 1994, teve um papel marcante em vários planos. Gostaríamos aqui de salientar o seu papel na promoção de múltiplos estudos universitários sobre a tradição filosófica portuguesa – assim ajudando a pôr fim a um absurdo diferendo entre a Filosofia Portuguesa e a Universidade –, e, sobretudo, sem esquecer o seu papel na criação do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira – a instituição que, há mais de vinte anos, mais tem promovido o diálogo filosófico e cultural entre Portugal, o Brasil e o restante espaço lusófono –, o seu papel na defesa conceptual da ligação entre Filosofia, Língua, História, Geografia e Cultura. De resto, Francisco da Gama Caeiro é o autor da melhor definição de Filosofia que lemos até hoje: “a filosofia surge-nos, em concreto, como expressão da vida espiritual duma Cultura”[1].
Para tal, iremos aqui, de forma breve, reconstituir uma controvérsia, sobre a noção de “filosofia portuguesa”, entre Francisco da Gama Caeiro e Manuel Antunes[2]. Este, num ensaio intitulado “Haverá filosofias nacionais?”, desenvolveu aquela que foi até hoje, a nosso ver, a mais consistente argumentação contra o conceito de “filosofia nacional” e, nessa medida, contra a noção de “filosofia portuguesa”. Como tese, defendeu este nosso pensador que a filosofia, enquanto “ciência”, ainda que “sui generis, sem dúvida”, “do universal enquanto universal”, não pode ser “nacionalizada”, sob pena de se negar a si própria – daí a sua lapidar conclusão: “se é nacional não é filosofia e se é filosofia não é nacional”[3].
Para sustentar esta tese, procurou desconstruir os principais argumentos que sustentam a tese contrária – designadamente, o argumento da “situação espácio-temporal”, segundo o qual toda a obra humana reflecte sempre, ainda que da forma mais refractária, a “situação concreta” em que o homem vive, e o argumento da “língua”, que sustenta que, sendo todo o idioma “uma filosofia inteira em potência e em germe”, o homem acaba sempre por expressar uma “filosofia” quando se expressa num determinado idioma. Assim, a respeito do primeiro, escreveu que “o homem que é filósofo, precisamente enquanto filósofo, procurará pôr entre parêntesis as condições concretas espaciais para se erguer ao universal”[4]. Já a respeito do segundo, deu o exemplo “dos que, sendo de determinado país ou determinado mundo, não utilizaram a língua desse país ou desse mundo”[5].
No volume de “Homenagem a Manuel Antunes”, escreveu Francisco da Gama Caeiro um ensaio que não só responde devidamente a estas objecções – que, de resto, relativiza, a ponto de afirmar a “convicção de que, em rigor, os supostos teóricos que legitimariam as filosofias nacionais, são admitidos pelo A., muito embora a possibilidade da mesma seja refutada no aludido artigo”[6] – como desenvolve uma das mais consistentes argumentações a favor do conceito de “filosofia nacional” e, nessa medida, a favor da noção de “filosofia portuguesa”. Nesse seu ensaio, intitulado “A Noção de Filosofia na Obra de Manuel Antunes: em torno do problema das Filosofias Nacionais”[7], equaciona Gama Caeiro este problema à luz de uma “dupla perspectiva, remetendo uma para a velha aporia do Uno e do Múltiplo, tão velha como o próprio filosofar – e outra, não menos fundamental, para a relação entre filosofia e cultura”.
Assim, a respeito da primeira, defendeu que a relação não se resolve “no plano de recíproca exclusão, ou sequer do primado, de um termo relativamente a outro”[8]. A respeito da segunda, defendeu igualmente uma posição harmonizante, segundo a qual de modo algum a Filosofia, para se afirmar, necessita de negar a cultura no âmbito da qual brota. Pelo contrário, segundo a já aqui referida definição de Filosofia de Francisco da Gama Caeiro, “a filosofia surge-nos, em concreto, como expressão da vida espiritual duma Cultura”. E por isso ela será tanto mais “Filosofia” quanto mais assumir essa sua “anterioridade constitutiva”[9]. Daí, de resto, o desafio que, num seu outro texto, Francisco da Gama Caeiro lançou a todos nós, portugueses, o “desafio da autonomia mental” – nas suas palavras: “Povo culturalmente adulto, [o povo português] só conseguirá verdadeiramente emancipar-se quando se libertar de duas inflexões esterilizadoras do seu pensamento, opostas por um estranho jogo dialéctico: a da servidão alienígena e a da apologética nacionalista.”[10].
Eis o “jogo dialéctico” que José Marinho igualmente denunciou, ao ter-se expressamente demarcado tanto dos cultores do “apressado conceito de cidadão do mundo e de universalidade do pensamento” – contra os quais pertinentemente adverte que “a cidadania mais ampla não se alcança sem trânsito pelas formas mais modestas”[11] –, como, no extremo oposto, dos “cultores da filosofia paroquial que se julga intérprete do universo”, que “batem palmas desde que se fale de filosofia portuguesa”[12]. Eis, com efeito, igualmente a nosso ver, o “jogo” que tem oposto aqueles que defendem a “filosofia portuguesa” apenas pelo facto de ser – de se proclamar – “portuguesa” e aqueles que, precisamente pela mesma razão, a negam. Por ser este, em grande medida, um “jogo viciado”, recusamo-nos a entrar nele. Se nele entrássemos, iríamos fatalmente alimentar o “círculo vicioso” que se tem gerado em torno da própria existência da “filosofia portuguesa”.
Efectivamente, tanto a posição daqueles que a negam pode ser justificada pela posição daqueles que a afirmam, como o inverso, conforme, aliás, reconheceu o “insuspeito” Eduardo Lourenço, ao ter considerado “o famigerado movimento da célebre ‘filosofia portuguesa’ (…) uma reacção, em boa parte justificada, contra o pendor mimetista e o consequente descaso que ele implica de inatenção a nós próprios”[13]. Na mesma direcção escreveu, aliás, Marinho, a respeito do “nacionalismo” e do “patriotismo”: “…o chamado patriotismo ou o nacionalismo, como hoje se diz com diverso conteúdo de significação, não são uma coisa injustificada e sem profundas razões de ser./ Surgiram e exasperam-se nos tempos recentes, por íntima e dialéctica necessidade, em oposição à tendência para considerar o homem em abstracto e ordenar toda a vida do homem em relação a essa abstracção.”[14]. Foi, de resto, à luz desta perspectiva que Gama Caeiro situou “o processo que legitima as filosofias nacionais”: “Se admitirmos que o homem é, de algum modo, a sua circunstância – a circunstância orgânica (a par de outras, a família, a sociedade, etc.) é a Pátria ou a Nação.”[15].

Em grande medida, essa é igualmente a nossa perspectiva. Julgamos, com efeito, que o homem não é, ou não é apenas, essa “pura abstracção”, mas um ser concreto, universalmente concreto, um ser que, de resto, será tanto mais universal quanto mais assumir essa sua concretude, a concretude da sua própria circunstância. Dessa circunstância faz organicamente parte, como referiu Gama Caeiro, a “pátria”, isso que, segundo José Marinho, configura a nossa “fisionomia espiritual”[16]. Nessa medida, importa pois assumi-la, tanto mais porque, como escreveu ainda Marinho, foi “para realizar o universal concreto e real [que] surgiram as pátrias”[17]. Esta é, contudo, apenas uma possibilidade, não, de modo algum, uma inevitabilidade, nem sequer, muito menos, uma obrigação. Não se trata aqui, com efeito, de instituir um “serviço filosófico obrigatório” de forma a garantir a existência de uma “filosofia portuguesa”, ou melhor, diríamos hoje, de uma “filosofia lusófona”, extensiva a todos aqueles que pensam, falam e escrevem na nossa língua comum. Esta existirá apenas enquanto existir pelo menos uma pessoa que, de forma inteiramente livre, se assuma na dupla condição de “filósofo” e de “lusófono”. Eis o que continuará, decerto, a acontecer, assim sigamos o insigne exemplo destes nossos Mestres.




[1] Cf. “A Noção de Filosofia na Obra de Manuel Antunes”, in AA.VV., Ao Encontro da Palavra: homenagem a Manuel Antunes, Lisboa, FLUL, 1986, p. 21.
[2] Não esquecendo outros autores: em particular, José Marinho, dada a sua posição sobre esta temática, que problematizámos na nossa dissertação de doutoramento Fundamentos e Firmamentos do pensamento português contemporâneo – uma perspectiva a partir da visão de José Marinho (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2004). Cf., igualmente, o nosso estudo: Via aberta: de Marinho a Pessoa, da Finisterra ao Oriente (Zéfiro, 2009).
[3] Cf. Do Espírito do Tempo, Lisboa, Ática, 1960, p. 134.
[4] Cf. ibid., p. 137.
[5] Ibid., pp. 138-139.
[6] Cf. AA.VV., Ao Encontro da Palavra…, ed. cit., p. 39. Tal “convicção” alicerça-se numa leitura evolutiva da obra de Manuel Antunes, leitura essa que, aliás, o próprio Manuel Antunes em grande medida autorizou, designadamente por via destas suas palavras: “Ulterior reflexão conduziu o A. a admitir o Volkgeist.” [Do Espírito do Tempo, ed. cit., pp. 131-132].
[7] Obviamente, poderíamos eleger outros textos que abordam a mesma temática – em particular, um texto intitulado “O pensamento português nos próximos 25 anos” (in Dispersos, prefácio de Pedro Calafate, organização de Maria de Lourdes Sirgado Ganho, Lisboa, IN-CM, 1999, pp. 229-249), de que gostamos bastante. No entanto, o nosso intento foi reconstituir aqui o seu diálogo com Manuel Antunes. Daí a nossa escolha.
[8] Cf. AA.VV., Ao Encontro da Palavra…, ed. cit., p. 19.
[9] Cf. ibid., p. 22.
[10] “O Pensamento Português”, in AA.VV., Que Cultura em Portugal nos próximos 25 anos?, Lisboa, Verbo, 1984, p. 21.
[11] Cf. O Pensamento Filosófico de Leonardo Coimbra e outros textos, “Obras de José Marinho”, vol. IV, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2001, p. 495. Por isso escreveu ainda: “Ser cidadão do mundo, essa confiante aspiração dos estóicos, está a caminho de ser uma terrível banalidade.” [Filosofia portuguesa e universalidade da filosofia e outros textos, “Obras de José Marinho”, vol. VIII, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2007, p. 48].
[12] Cf. ibid., p. 509.
[13] Cf. O Labirinto da Saudade: psicanálise mítica do pensamento português, Lisboa, D. Quixote, 1982 (2ª), p. 73.
[14] O Pensamento Filosófico de Leonardo Coimbra e outros textos, “Obras de José Marinho”, vol. IV, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2001, p. 516.
[15] AA.VV., Ao Encontro da Palavra…, ed. cit., p. 40.
[16] Cf., a título de exemplo, Estudos sobre o pensamento português contemporâneo, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1981, p. 19: “Os povos, como nascentes e manifestações terrestres do espírito, têm iniludível fisionomia espiritual, embora esta se configure de modo menos apreensível que o expressivo rosto dos homens singulares.”.
[17] Cf. O Pensamento Filosófico de Leonardo Coimbra e outros textos, ed. cit., p. 502.

2 comentários:

José Lança-Coelho disse...

Muito bem escrito, amigo Renato. Tiraste-me uma dúvida metafísica de cima com o teu ensaio, pois a mim custava-me que o meu Mestre Manuel Antunes, não aceitasse a existência de filosofias nacionais, o que aconteceu posteriormente, a tê-lo negado.

um abraço do


José Lança-Coelho

Artur Manso disse...

Amigo Renato
Aqui está uma óptima análise sobre problema tão complexo. subscrevo inteiramente os teus argumentos, mesmo que, como sabes, não concorde com a existência de filosofias nacionais, seguindo Manuel Antunes um dos espíritos mais esclarecidos do século XX e também um visionário. Mas dizer que não há filosofias nacionais, não é o mesmo que eliminar um pensamento genuinamente nacional, ou neste caso, lusófono. Aí acompanho-te. há uma especificidade do pensamento lusófono que não é confundível com aquilo que aprendemos a designar de filosofia. Se a filosofia é um conhecimento (ou ciência) em relação à ciência também não dizemos que há uma ciência americana, francesa, portuguesa, inglesa...
Esta é uma questão a que teremos que ir voltando... e discutindo...
ab
artur