Uma das marcas maiores do
pensamento filosófico contemporâneo, em particular no Ocidente, tem sido a
erosão do conceito de humanidade. Para algum pensamento dito “pós-moderno”,
isso chega mesmo a ser um expresso desiderato – fazendo, pois, do conceito de
humanidade um alvo a abater.
No universo mais alargado do
discurso mediático, se não chega a haver esse expresso desiderato, nota-se,
pelo menos, essa erosão do conceito de humanidade, como se já ninguém sentisse
a motivação necessária para o defender.
Razões para tal, há decerto
muitas. De forma expressa ou tácita, o conceito de humanidade foi-se tornando
cada vez mais responsável, ou co-responsável, por um modelo civilizacional que
também cada vez menos gente defende – o dito modelo civilizacional europeu e
ocidental, alegadamente responsável por todos os males no mundo, nos mais
diversos planos: social, económico, político e ecológico.
No plano político, de resto, é
particularmente significativa a emergência de partidos ditos animalistas, que,
mais do que defenderem os “direitos dos animais”, se caracterizam por um
discurso assumidamente “anti-especista”, leia-se, anti-espécie humana. Como se,
de facto, não existisse, ou não devesse existir, a espécie humana, como se, de
facto, não existisse, ou não devesse existir, o conceito de humanidade.
Nalguns casos, chega-se mesmo
a suspirar por um mundo sem humanidade, como se o planeta Terra fosse realmente
o paraíso celeste antes da emergência do humano. Essa visão angelical da
natureza – substantivamente falsa e grosseira – articula-se, amiúde, com uma
rejeição, mais ou menos assumida, de tudo aquilo que caracteriza a emergência
do humano: a linguagem, o pensamento, a própria cultura. Como se a cultura
fosse algo de “contra-natura”, algo que só se pode afirmar contra a natureza.
Como se o conceito de humanidade fosse, por si só, algo de negativo, senão
mesmo um sinónimo de destruição.
Impõe-se, por tudo isso, neste
século XXI, um pensamento assumidamente neo-humanista. Um pensamento que, fazendo
a devida crítica de todos os males de que historicamente fomos responsáveis
enquanto humanos – não só contra a natureza, mas, desde logo, contra nós
próprios –, não chegue ao extremo de negar o próprio conceito de humanidade.
Será isso impossível? Como diria Agostinho da Silva: “só há homem, quando se
faz o impossível; o possível todos os bichos fazem” (in Sete Cartas a um Jovem Filósofo).
A tarefa, porém, não é fácil:
para tanto, importa desconstruir toda uma mundividência que se desdobra entre,
por exemplo, os desenhos animados de Walt Disney (em que não há, de facto,
qualquer diferença substantiva entre humanos e animais) e algum discurso
filosófico aparentemente muito sofisticado, mas que, no essencial, se funda no
mesmo equívoco. Tudo isto em prol de uma visão cosmológica em que o humano terá
de ter, de novo, o seu lugar. Ao contrário do que alguns pretendem, uma visão
holística do mundo não é necessariamente anti-humanista. A nosso ver, no século
XXI, esse é um dos maiores equívocos que, filosoficamente, importa desfazer.
Intróito da Conferência a apresentar no Congresso
Internacional “Filosofia e Literatura: Fidelino de Figueiredo – um homem na sua
humanidade”, Cátedra Fidelino de Figueiredo/ Universidade de São Paulo, 14-18
de Março de 2016. Para mais informações: www.fidelinodefigueiredo.blogspot.pt
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