Excelentíssimos
Senhores,
No seu Discurso do Método, o filósofo francês René Descartes defendeu, de
forma irónica, que “o bom senso é o que há de melhor repartido entre os
humanos”, mas nós, cidadãos lusófonos, sabemos bem que assim não é: somos mesmo
uma das maiores contra-provas vivas dessa tese. E por isso nos entretemos a
procurar reinventar a roda todas as semanas e a discutir questões absolutamente
absurdas mês após mês, sem atender, ano após ano, ao que mais nos deveria
importar. Um exemplo eloquente dessa nossa vocação: segundo o entretanto
noticiado em Portugal, «o Ministério da Educação do Brasil (MEC) eliminou a
obrigatoriedade do estudo da literatura portuguesa na nova Base Nacional
Curricular Comum (BNCC) que está até março em discussão e deve ser posta em
prática em junho. A decisão é considerada por grupos de educadores brasileiros
como "política" e "populista", faz parte de uma série de
propostas, que inclui mudanças nos currículos de Língua Portuguesa e de História
e está a ser alvo de intenso debate no país» (cf. Diário de Notícias, 20.02.2016).
Que uma proposta (tão absurda)
como essa esteja sequer em discussão, isso, por si só, já deveria merecer o
nosso protesto. Mas, atendendo à nossa referida vocação, já nada nos
surpreende. Amiúde, em Portugal, como nos restantes países lusófonos, também
surgem propostas absurdas – na área do ensino e noutras áreas. Mas, ainda que
tarde, o bom senso acaba (quase) sempre por prevalecer. Aguardaremos pois serenamente
que a proposta tenha o destino que merece. E, se nos permitem uma
contra-proposta, sugerimos a seguinte – em vez de se eliminar a obrigatoriedade
do estudo da literatura portuguesa na nova Base Nacional Curricular Comum
(BNCC), estipular a obrigatoriedade do estudos das diversas literaturas
lusófonas, a exemplo da proposta que já fizemos chegar ao Ministério da Educação e Ciência do
Governo de Portugal: introduzir, complementarmente à disciplina de “Cultura e
Línguas Clássicas”, uma disciplina de “Cultura Lusófona”, também no ensino
básico. Como então defendemos, no passado ano, igualmente em Carta Aberta:
«Nesta disciplina deveriam ter lugar as
diversas culturas de todos os países e regiões de língua portuguesa, numa visão
de convergência, acentuando aquilo que nos une sobre aquilo que nos separa, mas
sem qualquer pretensão uniformizadora. A cultura lusófona será tanto mais rica
quanto mais assumir a sua dimensão plural e polifónica, ou, para usar um termo
que tem tudo a ver com a nossa história comum, “mestiça”. Desde já nos
manifestamos disponíveis para colaborar com o Ministério da Educação e Ciência
do Governo de Portugal na definição dos conteúdos programáticos dessa nova
disciplina. Essa necessidade de dar a conhecer as diversas culturas de todos os
países e regiões de língua portuguesa deveria, de resto, atravessar os
diferentes graus de ensino – necessidade tanto mais imperiosa porquanto os
nossos “mass media” continuam, por regra, a ignorar ostensivamente o restante
mundo lusófono, ou apenas a lembrá-lo pelas piores razões. Se só se pode amar
verdadeiramente o que se conhece, é pois tempo de dar realmente a conhecer as
diversas culturas de todos os países e regiões de língua portuguesa. Para,
enfim, podermos amar a valorizar devidamente a nossa comum cultura lusófona.»
Igualmente publicada no jornal "O Diabo" (01.03.2016)
14 comentários:
Lamentável a todos títulos este projeto do governo brasileiro, demonstrativo da sua hostilidade contra Portugal, principalmente desde que é presidido por Dilma, uma inculta "presidenta".
Inteiramente de acordo com o texto proposto.
Cordiais saudações Lusófonas.
Jorge da Paz Rodrigues
Concordo com o conteúdo da carta.
É realmente repudiável esse insensato projeto do governo brasileiro à luz de uma estratégia que vá ao encontro da tradição social lusófona.
Concordo inteiramente com a proposta de uma disciplina de Cultura Lusófona no ensino básico português, tanto mais que muitos alunos em Portugal nasceram no espaço lusófono e para que exista um profícuo diálogo intercultural é muito importante esse conhecimento mútuo.
Saudações cordiais e de fraternidade lusófona.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
Lamento profundamente a proposta do Ministro brasileiro, tendo esperança que não passe e seja repudiada pelos seus colegas do Governo.
Apoio e aplaudo a ideia da criação da disciplina de Cultura Lusófona.
Que o bom-senso saia vitorioso.
Saudações MIL
Carlos Vieira Reis
C/C
. . . . " em vez de se eliminar a obrigatoriedade do estudo da literatura portuguesa na nova Base Nacional Curricular Comum (BNCC), estipular a obrigatoriedade do estudos das diversas literaturas lusófonas, a exemplo da proposta que já fizemos chegar ao Ministério da Educação e Ciência do Governo de Portugal: introduzir, complementarmente à disciplina de “Cultura e Línguas Clássicas”, uma disciplina de “Cultura Lusófona”, também no ensino básico. . . .
Subscrevo integralmente esta «carta aberta» (com excepção de «março» e «junho» no primeiro parágrafo... deveriam estar com maiúsculas).
A referida proposta, apenas a mais recente de uma série de demonstrações de desprezo por parte de uma certa (sem) «classe dirigente» brasileira em relação a Portugal, confirma, como se tal ainda fosse necessário, a falácia monumental por trás da imposição do - ilegal, inútil, ridículo - «Acordo Ortográfico de 1990».
Aliás, e porque no Movimento Internacional Lusófono se preconiza, precisamente, uma «visão de convergência, acentuando aquilo que nos une sobre aquilo que nos separa, mas sem qualquer pretensão uniformizadora» porque «a cultura lusófona será tanto mais rica quanto mais assumir a sua dimensão plural e polifónica, ou, para usar um termo que tem tudo a ver com a nossa história comum, “mestiça”», é que o AO90, pelo autêntico fascismo cultural que lhe está subjacente, constitui algo absolutamente inaceitável.
O país onde todo o mundo quer ser índio e onde os índios quase foram exterminados... Enfim.
Aprovo inteiramente a carta.
Jesus Carlos
Subscrevo.
Subscrevo a carta aberta, em particular a proposta de implementação de uma disciplina de "Cultura Lusófona". Perante a paulatina degradação dos currículos escolares, não apenas no Brasil mas também em Portugal, semelhante medida revela-se necessária e urgente.
“E por isso nos entretemos a procurar reinventar a roda todas as semanas e a discutir questões absolutamente absurdas mês após mês, sem atender, ano após ano, ao que mais nos deveria importar.” – É verdade.
Eu realmente lamento, realmente fico triste com a forma como a educação escolar é tratada aqui no Brasil. Estou de pleno acordo com a carta aberta.
Se o disparate proposto no Brasil servir para por em prática a brilhante ideia, proposta nesta carta aberta, sempre teve uma boa utilidade.
Que seca termos de aturar estas tontices graves de políticos mediocres! A porem-se em bicos de pés, para dar nas vistas. Que seca estas atitudes inúteis só para mostrar serviço!
Parabéns ao nosso presidente Renato Epifânio, por mais esta inteligente e útil atitude. Continuamos com uma excelente presidência!
Caro Renato
O que mais me agrada da carta aberta ao Senhor Ministro é a oferta de ouvir o MIL.
Como dever de cidadania o Senhor Ministro já devia ter respondido que SIM e ter já agendado a data para saber mais sobre cultura Lusofona
Um fraterno abraço
Boa sugestão.
Mas acabar com a obrigatoriedade do ensino da língua e literatura portuguesas vai contra a própria identidade brasileira, que fala e escreve esta língua. Há aqui um paradoxo. E uma falta de «bom senso». No que DESCARTES não tinha razão. Por outro lado, é o Brasil que quer unilateralmente impôr o seu Acordo Ortográfico. Nada disto favorece a Lusofonia. Para terminar: concordo inteiramente com o teor da carta aberta.
VIRGÍLIO CARVALHO (Dr.).
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