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MIL: Movimento Internacional Lusófono | Nova Águia


Apoiado por muitas das mais relevantes personalidades da nossa sociedade civil, o MIL é um movimento cultural e cívico registado notarialmente no dia quinze de Outubro de 2010, que conta já com mais de uma centena de milhares de adesões de todos os países e regiões do espaço lusófono. Entre os nossos órgãos, eleitos em Assembleia Geral, inclui-se um Conselho Consultivo, constituído por mais de meia centena de pessoas, representando todo o espaço da lusofonia. Defendemos o reforço dos laços entre os países e regiões do espaço lusófono – a todos os níveis: cultural, social, económico e político –, assim procurando cumprir o sonho de Agostinho da Silva: a criação de uma verdadeira comunidade lusófona, numa base de liberdade e fraternidade.
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"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

Nenhuma direita se salvará se não for de esquerda no social e no económico; o mesmo para a esquerda, se não for de direita no histórico e no metafísico (in Caderno Três, inédito)

A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo (in Cortina 1, inédito)

Agostinho da Silva

segunda-feira, 5 de junho de 2023

Vultos evocantes da tradição joaquimita

 


Num gesto que alguns poderão considerar inspirado em Joaquim de Flora, prefigurou José Marinho o advento de uma “religião do Espírito”, que caracteriza ora como uma ultrapassagem da “religião cristã”, ora como a própria “religião cristã” na sua mais apurada expressão. Eis, decerto, a consideração que António Quadros subscreveria, não tivesse ele defendido que a doutrina das três idades “em nenhum lugar deitou raízes tão fundas como no nosso país e na nossa cultura”.

Não só, como faz questão de frisar, no nosso país e na nossa cultura. Daí, desde logo, a sua referência à Divina Comédia de Dante que, como salienta, é mesmo “por alguns considerada como apocalipse joaquimita”. Daí ainda a sua referência a Lessing e a Comte – cuja lei positivista dos três estados “dir-se-ia uma imitação a contrario sensu da teologia da história do Abade de Flora” –, daí ainda a sua referência a Fichte e a Hegel – cuja filosofia da história “pode ser considerada como uma tradução filosófica e moderna da teoria de Joaquim de Flora” –, daí ainda, enfim, a sua referência a Schelling e ao próprio Marx.

Apesar de ter influenciado, de uma forma ou de outra, todos esses filósofos, entende António Quadros que é “na obra dos filósofos que dominaram os dois últimos séculos da nossa cultura” que a influência de Joaquim de Flora mais se faz sentir, exemplificando essa sua tese com a referência que faz às obras de Agostinho da Silva, Álvaro Ribeiro, Fernando Pessoa e Jaime Cortesão – o primeiro “pela via de uma metanóia mítica e mística”, o segundo “pela via filosófica e pedagógica”, o terceiro “pela via alquímico-poética”, o quarto “pela via historiográfica”.           

Não contestamos aqui nenhum dos exemplos que nos dá António Quadros – ainda que não na mesma medida, concordamos com todos eles, particularmente no caso de Agostinho da Silva, que, aliás, na nossa perspectiva, foi, dos quatro, aquele que mais expressamente valorizou o legado joaquimita, tendo mesmo chegado a afirmar a seu respeito o seguinte: “O Joaquim de Flora achou uma solução para o caso, que é haver Trindade ao mesmo tempo, simultânea, jogando com a eternidade e o tempo. A eternidade e o tempo são distinções nossas, mas na realidade não há distinção nenhuma (…). Pode ser que no mundo tudo se passe estando tudo no absoluto (…), e se há uma História no tempo, a História tem que ter uma época do Pai, uma época do Filho e uma época do Espírito Santo.”.

De resto, a sua teorização do Quinto Império tem óbvias ressonâncias joaquimitas, como, aliás, o próprio o assume – daí, a título de exemplo, estas suas palavras: “…Portugal e Camões perdem a vida por um mundo, sempre de futuro e nunca de passado, um mundo em que finalmente se conciliassem, se unissem num só corpo de doutrina Aristóteles e Platão: em que o ideal fosse, ao mesmo tempo, do mundo dos sentidos. O que talvez só possa vir naquele reino do Espírito Santo que Joaquim de Flora, sem humildade perante a Igreja e portanto hereticamente, cria vir a ser a terceira e última idade da História.”. Daí ainda, enfim, a este respeito, a sua tese de que o Quinto Império “apenas haverá se não existir um 5º Imperador”, mais do que isso, se não existir “império nenhum”, dado que “o Reino de Deus surgirá pela transformação interior do homem”, de cada um de nós, estando nessa medida o “Paraíso” na “alma”, “não na natureza ou na sociedade”.

A acrescentar algum nome à lista de António Quadros, acrescentaríamos, de imediato, o de Raul Leal, não tivesse sido ele, nas palavras de Pinharanda Gomes, “irmão espiritual de Joaquim de Flora” – para além de “companheiro visionário de Bandarra, ouvinte exaltado de António Vieira e confrade de Morus e Campanella” –, tendo chegado inclusivamente a imaginar-se “a encarnação de Henoch, profeta do Espírito Santo”. Finalmente, equacionaríamos ainda o nome de José Marinho, por mais problemática que seja a sua inserção na linhagem cristã – por mais que heterodoxa – de Joaquim de Flora. A sua filosofia da história parece-nos ter, porém, óbvios traços joaquimitas. Nas palavras do próprio José Marinho, com efeito, encontramo-nos actualmente no “extremo da cisão entre o homem e o Universo, entre o homem e Deus”, “na mais aguda fase de disjunção na consciência humana entre o homem-humano e o divino, entre imanência e transcendência”, ou seja, em suma, “na última fase do humanismo”. Dessa “situação de extrema separatividade” devemos ter, como nos alerta, plena consciência, nas suas palavras, a “consciência plena da crise” – daí ainda a sua referência à “hora extrema que estamos vivendo”.

Se esta é ou não a hora que anuncia a “idade do Espírito”, Marinho não nos diz. Fala-nos, no entanto, de uma “noite genesíaca”, de um “novo ciclo”, de uma “nova era”. Fala-nos, porém, de uma “nova humanidade”. Fala-nos, todavia, de uma nova religião, da “religião do Espírito”, que qualifica como a “verdadeira religião”, como a “religião da liberdade”. Fala-nos, contudo, de uma nova filosofia, de um saber outro – mais propriamente, do saber do Outro, do Enigma do Ser e não do Drama da Existência –, que designa como o “saber do Oriente”, o “pretérito saber do Oriente”, do “sábio e profundo Oriente”. Fala-nos, ainda, da “tradição remota”, da qual, alegadamente, “estão mais perto os indus e os orientais”. Diz-nos, porém, que essa tradição “mais remota” é a “sempre actual tradição”. Diz-nos, no entanto, que esse “sábio e profundo Oriente”, esse “Oriente real e simbólico de onde nos vem o sol, mal o sol que não ignora a luz e a treva”, não é um espaço mas um tempo, um “fluxo de tempo”. No “regresso ao Oriente”, virá a ser alguma vez esse “fluxo de tempo” o nosso Futuro? Fica a questão.

Um outro vulto evocante da tradição joaquimita que podemos – e devemos –  aqui referir é, enfim, o de Natália Correia, até pela forma singular como ela actualiza essa tradição, salientado a sua alegada dimensão “feminina” – a seu ver, com efeito “o Espírito Santo, esse sopro que tudo anima, anima os humanos, é feminino, a Ruha em hebreu, a consagração da sacralidade do feminino que a androcracia judaico-cristã escamoteou”.

Na sua visão, efectivamente, seria pela sua dimensão feminina que a Humanidade poderia redimir-se – ainda nas suas palavras: “a mulher deve seguir as suas tendências culturais, que estão intimamente ligadas ao paradigma da Grande Mãe, que é a grande reserva, a eterna reserva da Natureza, precisamente para se impor ao mundo ou pelo menos para os introduzir no ritmo das sociedades como uma saída indispensável para os graves problemas que temos e que foram criados pelas racionalidades masculinas. É no paradigma da Grande Mãe que vejo a fonte cultural da mulher; por isso lhe chamo matrismo e não feminismo”.

E eis aqui uma subtil, uma abissal diferença que leva Natália Correia, apesar de valorizar maximamente a dimensão feminina da Humanidade, do próprio Ser, a não se declarar feminista, pelo menos na acepção mais comum dos tempos de hoje – ainda nas suas palavras: "Eu não sou feminista no sentido clássico de que a mulher é que vale e o homem não, nem pensar! Mas volto-lhe a falar da exaustão do poder. O homem meteu-se num labirinto. Nós descansamos muitos séculos. A mulher tem um viço, tem reservas em si, tem energias armazenadas que o homem foi perdendo”.

De resto, Natália Correia chega mesmo a demarcar-se expressamente desse feminismo mais comum nos tempos de hoje: “o que me aflige nestas feministas é o seu racismo estreito de curto alcance que disputa posições em vez de arrasar as estruturas que impedem a transformação do mundo num lugar habitável por homens e mulheres. Procedem como se quisessem o mundo para elas tal como os homens quiseram o mundo para eles. Imitam o erro no que demonstram a tristíssima falta de imaginação de errar por conta própria”. Ou seja, em suma: para Natália Correia a Idade do Espírito Santo seria a época da plenificação do humano, na sua complementaridade masculina e feminina, na superação da “cisão extrema” relativamente à Natureza e ao próprio Absoluto.

1 comentário:

Nova Águia disse...

Um texto muito interessante de Renato Epifânio, que começa em Joaquim de Flora e José Marinho, estagia em Agostinho da Siva, e aporta em Natália Correia - temáticas do V Império... das Três Idades... e do Império do Espírito Santo... Não sou nada dada a noções e visões de Império - mesmo as de Pessoa, que são 'apenas' metafórica ou semioticamente 'imperialistas' - mas este artigo está fantástico. Ilumina a questão.

Luísa Borges