Passado já um quarto de século
sobre o seu falecimento, nunca como nestas últimas semanas o nome de António de
Spínola (1910-1996) foi tão evocado. A propósito do falecimento de Otelo
Saraiva de Carvalho, mil e uma vozes se insurgiram contra a ausência de luto
nacional neste caso, comparando com o luto nacional decretado em Agosto de
1996, com o “argumento” de que também António de Spínola tinha patrocinado
actos terroristas – no seu caso, numa campanha alegadamente de
“extrema-direita”, como bastas vezes se escreveu, como se o perfil político de
Spínola pudesse ser assim tão redutoramente rotulável.
Segundo grande parte da nossa
opinião publicada, o primeiro Presidente da República no período pós-25 de
Abril foi pois, passe o absurdo, alguém de “extrema-direita”. O próprio Otelo
Saraiva de Carvalho, como assumido spinolista que era em 1974, também, passe o
absurdo ainda maior, o seria, antes de se tornar no líder maior da nossa
“extrema-esquerda”. Convenhamos que esta narrativa forjada para defender Otelo
e justificar o decreto do luto nacional em sua memória é assassina (neste caso
apenas metaforicamente…), por mais que se reconheça o perfil politicamente
errante do Otelo.
Mas detenhamo-nos na figura de
Spínola. Tendo-se notabilizado enquanto militar na Guiné-Bissau, veio
progressivamente a defender uma solução política para a “Guerra do Ultramar”,
tendo, com esse horizonte em vista, publicado o livro Portugal e o Futuro, que levou ao pedido de demissão de Marcello
Caetano, que o então Presidente da República, Américo Thomaz, não aceitou.
Nesse livro, Spínola defendeu, como é por demais sabido, duas teses essenciais:
1) a insustentabilidade do modelo imperial vigente e da sua consequente guerra
em curso; 2) a inevitabilidade do processo de descolonização, sendo que esse
processo deveria ser devidamente organizado tendo em vista uma solução (con)federal
de Estados de língua portuguesa, proposta a ser devidamente sufragada em
eleições.
Não sabemos o que teria
acontecido se Américo Thomaz tivesse aceitado o pedido de demissão de Marcello
Caetano e tivesse convidado António de Spínola para o seu lugar – nem sequer
somos particularmente adeptos de “histórias alternativas”. Parece-nos, porém,
mais do que justo reconhecer o seguinte: Spínola foi dos poucos políticos portugueses,
senão o único (ao mais alto nível), a estar, por esses tempos, genuinamente
preocupado com o futuro político das ex-colónias. Excluindo desta equação
aqueles que se bateram (com sucesso) pelo ingresso desses países recém-criados na
área de influência soviética, (quase) todos os outros não se preocuparam o suficiente,
como é hoje mais do que evidente. Dir-se-á que, mesmo que assim não tivesse
sido, o resultado não teria sido (muito) diferente: guerras civis, regimes de
partido único, etc. Talvez. Mas Spínola, pelo menos, tentou. E isso faz, ainda
hoje, quase meio século depois, toda a diferença.
Renato Epifânio
Presidente
do MIL: Movimento Internacional Lusófono
1 comentário:
Recordando, de Abril de 1974, o papel e a pessoa do Tenente-Coronel Saraiva de Carvalho, publiquei uma reflexão que o convido a ler no Mosaicos em Português em https://mosaicosemportugues.blogspot.com/2021/07/otelo-o-espinho-que-nem-morte-arrancou.html, e a comentar, se assim o entender.
Procurei ser isento e objetivo, baseando-me exclusivamente nos factos divulgados.
Votos de uma boa semana!
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