Inserida na
Colecção Ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos, foi lançada, em 2016,
a obra Portugal, um perfil histórico,
da autoria de Pedro Calafate, Professor de “Filosofia em Portugal” na Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa. A obra obedece ao esquema da Colecção e
daí decorre, simultaneamente, o seu maior mérito e o seu maior defeito:
conseguir, em pouco mais de uma centena de páginas, dar-nos uma panorâmica da forma
como Portugal foi sendo sucessivamente, século após século, analisado; as
muitas inevitáveis omissões, porém, podem e devem ser supridas noutras obras,
algumas das quais coordenadas pelo próprio autor – falamos, em particular, de História do Pensamento Filosófico Português (Centro
de Filosofia da Universidade de Lisboa/ Caminho, 1999-2004, 5 vols.) e de Portugal como Problema (Público/
Fundação Luso-Americana, 2006, 6 vols.). Dado esse condicionamento prévio
relativo à extensão, salientamos porém o seu mérito: uma obra como esta é sem
dúvida muito útil para promover uma auto-consciência histórica dos portugueses,
sobretudo numa época em que essa auto-consciência sofre as mais diversas formas
de erosão. Para quem, porém, como nós, se empenha na preservação de Portugal,
sobretudo enquanto realidade (decerto dinâmica) cultural, uma obra como esta
não pode deixar de ser saudada, desde logo pela rememoração que promove das
nossas raízes históricas. É comum dizer-se que ninguém poderá ter um presente
saudável e um futuro auspicioso recalcando o seu passado. Com as devidas nuances, o mesmo vale para (todos) os
povos.
A obra divide-se
em cinco capítulos, o primeiro com o título “Idade Média e Renascimento: a
génese de um destino colectivo”. Nele se analisam, sucessivamente, as seguintes
temáticas: “O mito do herói fundador: a narrativa lendária sobre D. Afonso
Henriques” (pp. 12-16); “A vontade do ‘comum povo livre e não sujeito’” (pp.
17-18), sobre a crise sucessória de 1383-85, que culminou na eleição do Mestre de
Avis; “Portugal como marco da última idade do tempo” (pp. 18-20), sobre a
emergente auto-consciência histórica do país enquanto nação; “As primeiras
expressões da relação anímica ente o homem e a terra” (pp. 20-24);
“Identificação dos principais atavismos da sociedade portuguesa” (pp. 24-26),
em que se salienta “o olhar crítico de D. Pedro” sobre o país, posteriormente
retomado por outras figuras, com D. Luís da Cunha, Antero de Quental e Guerra
Junqueiro – assinalando-se “o atraso na administração da justiça como a
principal debilidade da sociedade portuguesa”; “Portugal e a Europa: a ideia de
‘irmandade’ europeia fundada em ‘letras comuns’” (pp. 26-28), onde, igualmente
guiados pelos olhar de D. Pedro, se assinala a génese, entre nós, de uma
irmandade europeia enquanto “irmandade de sabedoria”, qual “pátria ecuménica
dos ocidentais de então”, “acima das pátrias nacionais”; “A concepção
existencial da linguagem: a afirmação do valor da língua portuguesa” (pp.
28-32), sobre “as primeiras manifestação de outro aspecto fundamental da nossa
consciência histórica, atinente ao valor de uma língua comum” – destacando-se o
papel de João de Barros, que “estabelece uma articulação causal entre a língua
e a nação”; “As faces do império cristão” (pp. 32-41), sobre a importância da
religião (cristã) para a consolidação da auto-consciência histórica do país e
do império entretanto iniciado.
O segundo
capítulo é dedicado ao “Seiscentismo” e nele se destacam as figuras de António
Vieira” (pp. 43-50), que viu “nos portugueses os obreiros da plenificação da
história, uma ‘segunda criação do mundo’, expressa num sonho de harmonia e paz
universais, não apenas no interior de cada homem, mas na relação de próximo com
próximo, de reino com reino e de todos com Cristo”; de Manuel Fernandes de Vila
Real (pp. 50-51), que “no século XVII ombreou com Vieira nesta cruzada de
aproximação e de eliminação de barreiras entre os membros da comunidade por nós
formada”; bem como ainda as de Luís Mendes de Vasconcelos, Manuel Severim de
Faria e Duarte Ribeiro de Macedo (pp. 51-55) – “pelo modo como criticava os
‘fumos da Índia’ que atolavam sectores cada vez maiores da sociedade portuguesa
na inacção, na exibição do luxo importado, nomeadamente das nações industriosas
da Europa, desequilibrando, sem necessidade, a nossa balança comercial”. No
terceiro capítulo, por sua vez, sobre “As Luzes”, no item “A história-tribunal
e o dogmatismo da Razão” (pp. 57-65), começa-se por se questionar a acusação de
que “o século XVII fora o período das espessas trevas, da falsa filosofia, do
mau gosto em matéria de eloquência, da decadência das letras e das ciências, do
estiolamento das instituições de ensino, da invasão da esfera temporal do
Estado pelo poder espiritual da Igreja, da entrega dos nossos interesses vitais
à economia inglesa, conduzindo o país ao abismo e à ruína, da qual teríamos que
nos erguer a todo o custo, numa atmosfera de salvação nacional, a que acorreria
o despotismo esclarecido do consulado pombalino, variante do Estado absoluto”.
Daí ainda, neste
capítulo, “a crítica de Verney ao Padre António Vieira” (pp. 65-66), crítica
“arrasadora no âmbito das suas obras profético-especulativas”; “As principais
debilidades estruturais do país, segundo D. Luís da Cunha” (pp. 66-68), que,
alegadamente, “pôs o dedo nas feridas da nossa desonra como país intolerante,
da inépcia económica decorrente dos tratados por nós assinados e ainda da falta
de articulação entre o bem espiritual da Igreja e o bem temporal do Estado”; a
referência a Alexandre de Gusmão” (pp. 68-69), “em favor de uma sociedade mais
sensata, mais gregária e com menos fracturas, menos separada por privilégios
sem fundamento”; e, por fim, “as reformas necessárias, segundo António Ribeiro
Sanches” (pp. 69-72), decorrentes do seu “diagnóstico: a desigualdade perante a
lei e os privilégios de alguns eliminavam o sentido de comunidade e de bem
comum, gerando um sentimento de injustiça que minava os esforços de
modernização do país, acrescendo uma tendência para a intolerância, sobretudo
no domínio religioso”. No quarto capítulo, por sua vez, elencam-se “cinco
perfis do Portugal no século XIX”: Alexandre Herculano (pp. 73-75), “talvez o
mais lido, ouvido e respeitado intelectual do século XIX português”; Antero de
Quental (pp. 76-77), que defendia que a nossa “solução passaria pela ruptura
com um passado de enganos: ‘quebrar resolutamente com o passado’”; Oliveira
Martins (pp. 77-79), que considerava que “os povos da Península, entre eles o
nosso, necessitavam certamente de uma reorganização orgânica”; Guerra Junqueiro
(pp. 80-81), para quem “o nosso problema mais grave era de ordem moral,
situava-se não tanto no âmago ou na natureza do ‘povo’, mas nas nossas elites
dirigentes”; e João Andrade Corvo (pp. 82-85) que, para além de outros méritos,
“teve ainda um pioneirismo assinalável sobre Portugal no plano geostratégico”,
relevando a nossa dimensão atlântica.
O quinto e
último capítulo da obra será decerto o mais questionável, pela escolha que
Pedro Calafate faz de “Três perfis do Portugal no século XX”: Fernando Pessoa
(pp. 87-91), que retoma, no século XX, a ideia messiânica de António Vieira
sobre Portugal; António Sérgio (pp. 91-101), para quem a solução era “importar
o mais possível, animado que estava por esse ideal da cultura europeia”; e
Jorge Borges de Macedo (pp. 102-107) que temperava o europeísmo de Sérgio,
optando, por um lado, “pela Europa das pátrias e não pela Europa das regiões”
e, por outro, reafirmando a nossa dimensão atlântica. Tendo consciência de que
este tipo de exercícios de escolha é sempre questionável, há pelo menos um
autor que, a nosso ver, deveria ter merecido maior destaque numa obra deste
cariz: Agostinho da Silva. E isto porque, na nossa visão, foi Agostinha da
Silva aquele que mais e melhor pensou o Portugal pós-imperial. Num texto
publicado no jornal brasileiro O Estado
de São Paulo, com a data de 27 de Outubro de 1957, Agostinho da Silva havia
já proposto “uma Confederação dos povos de língua portuguesa”. Num texto
posterior, chegará a falar de um mesmo povo, de um “Povo não realizado que
actualmente habita Portugal, a Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, o
Brasil, Angola, Moçambique, Macau, Timor, e vive, como emigrante ou exilado, da
Rússia ao Chile, do Canadá à Austrália” (in
“Proposição” (1974). Daí ainda o ter-se referido ao que “no tempo e no espaço,
podemos chamar a área de Cultura Portuguesa, a pátria ecuménica da nossa
língua” (in “Presença de Portugal”), daí, enfim, o ter falado de uma “placa
linguística de
povos de
língua portuguesa — semelhante às placas que constituem o planeta e que jogam entre
si” (entrevista ao Jornal de Letras, 15.09.1986), base da criação de uma
“comunidade” que expressamente antecipou.
Daí também a omissão mais significativa no plano
conceptual que encontramos neste livro: referimo-nos à Lusofonia – como nós
próprios já tivemos a oportunidade de escrever (“Pensar a Lusofonia no século
XXI”, in A Via Lusófona II, Zéfiro,
2015):
No
século XXI, para pensarmos a Lusofonia, temos que superar os paradigmas
colonialistas e mesmo pós-colonialistas. Estes estão ainda reféns de um olhar
enviesado por uma série de complexos históricos que há que transcender de vez,
de modo a podermos realizar essa visão futurante do que pode ser a Lusofonia.
Transcender não significa escamotear. Indo directo ao assunto, é evidente que a
Lusofonia se enraíza numa história que foi em parte colonial e, por isso,
violenta. Não há colonialismos não violentos, por muito que possamos e devamos
salvaguardar que nem todas as histórias coloniais tiveram o mesmo grau de violência.
Eis, de resto, o que se pode aferir não apenas pelas análises históricas, mas
comparando a relação que há, nos dias de hoje, entre os diversos povos
colonizadores e colonizados. Assim haja honestidade para tanto. Não será,
porém, esse o caminho que iremos aqui seguir. Não pretendemos alicerçar a
Lusofonia na relação que existe, nos dias de hoje, entre Portugal e os países
que se tornaram independentes há cerca de quarenta anos. Se assim fosse,
estaríamos ainda a fazer de Portugal o centro da Lusofonia, estaríamos ainda a
pensar à luz dos paradigmas colonialistas e mesmo pós-colonialistas. O que
pretendemos salientar é que, sem excepção, é do interesse de todos os países
que se tornaram independentes há cerca de quarenta anos a defesa e a difusão da
Lusofonia. Eis, desde logo, o que se prova por nenhum desses países ter
renegado a língua portuguesa como língua oficial. Se o fizeram, não foi decerto
para agradar a Portugal. Foi, simplesmente, porque esse era o seu legítimo
interesse, quer interno – para manter a unidade nacional de cada um dos países
–, quer externo – fazendo da língua portuguesa a grande via de inserção na
Comunidade Internacional (…).
1 comentário:
Caro Presidente do MIL
Bem explicado e entendido por quem deseja um mundo de fraternidade, que não é palavra vã, repetimos a cada oportunidade de nossos encontros da LUSOFONIA.
Enquanto no presente não nos amarmos uns aos outros, as barreiras da igualdade de oportunidades não são ultrapassadas, prevalecendo intencionalmente por uns e são poucos e, por ignorância dos mais desprotegidos, este mundo desordenado onde a ganancia e o dinheiro são as razões que atrofiam e matam a paz essencial para os direitos humanos, universais e que é urgente exigir ás instituições que as dirigem a dignidade de as defender.
O TEMPO DOS HOMENS BONS AINDA NÃO ACABOU. AS LIBERDADES DOS POVOS NÃO PODEM SER TRAÍDAS E O MUNDO NOVO TERÁ QUE SER A REALIDADE DE UM FUTURO PRÓXIMO.
É esta a nossa luta junto da CPLP e comunidades luso falantes.
AMAR E VIVER EM CONCORDIA PROLONGA A VIDA E A MENTE SÃ.
Uma dávida ao dispor dos humanos.
um abraço fraterno
Luisa Timóteo
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