(Público, 20.12.2015)
Excelentíssimo Senhor Luiz Inácio Lula da Silva:
Cada vez mais digo: já nada me espanta, mas ainda há coisas que me surpreendem.
A última das quais foi a declaração de Vossa Excelência, que, numa recente conferência
em Madrid, organizada pelo jornal El País,
resolveu comparar as colonizações portuguesa e espanhola no continente
americano, fazendo o seguinte balanço: “Eu sei que isto não agrada aos portugueses, mas Cristóvão Colombo chegou a
Santo Domingo [actual República Dominicana] em 1492 e em 1507 já ali tinha sido
criada a Universidade. No Peru em 1550, na Bolívia em 1624. No Brasil a
primeira universidade surgiu apenas em 1922”.
Muito para além das incorrecções factuais – logo a partir de 1559, e durante
dois séculos, os Jesuítas fundaram no Brasil uma série de Colégios com uma
qualidade de ensino equiparável a qualquer Universidade (basta dizer, para o
atestar, que foi num desses Colégios que, em Salvador, o Padre António Vieira
se formou) – e da deselegância diplomática – fazer uma declaração destas em
Madrid é, por si só, um tratado de anti-diplomacia –, o que mais surpreende
nesta declaração é a atitude.
Só faltou a Vossa
Excelência ter culpado igualmente
a colonização portuguesa por toda a corrupção que mina o sistema partidário
brasileiro. Quase duzentos anos depois da descolonização (1822), convenhamos
que insistir nesta ladainha é mais do que ridículo. Será por acaso esta a estratégia
de defesa da cúpula do Partido de Vossa Excelência perante todas
as acusações de corrupção?! Se for, começarei a acreditar que o PT: Partido dos
Trabalhadores é mesmo o Partido da corrupção e não – como (ainda) considero –
que a corrupção é algo que mina todo o sistema partidário brasileiro, por
diversas razões – desde logo, devido um sistema eleitoral que promove uma
excessiva fragmentação parlamentar.
Mas adiante. Numa próxima conferência em Madrid, espero que Vossa Excelência tenha a oportunidade de dissertar sobre a seguinte questão: por que será
que todo o espaço colonizado por Espanha na América Latina se fragmentou em
mais de uma dezena de países e que todo o espaço colonizado por Portugal –
equiparável em termos geográficos – se manteve unido até hoje? Será que Vossa Excelência alguma vez pensou nesta questão? Se nunca pensou nisso, sugiro-lhe que
pense. Decerto, vai descobrir, para sua surpresa, alguns méritos na colonização
portuguesa. E concluir que, tivesse sido a colonização espanhola, o Brasil já
não existiria há muito. O que (não apenas) para o seu currículo teria sido
lamentável.
Por último, uma adivinha. Numa entrevista publicada no jornal Diário de Notícias (20 de Julho de
1986), Agostinho da Silva faz uma muito sugestiva referência a um Presidente
brasileiro – nos seguintes termos: «O Presidente (…), numa entrevista que deu,
quando lhe perguntaram se ele censurava alguma coisa na
colonização portuguesa (esta palavra colonização é perigosa, quando
se trata do Brasil; eu acho que não houve colonização!), mas quando lhe
perguntaram o que é que ele censurava na colonização portuguesa, (…)
disse: “Censuro que eles não tenham subido os Andes, descido do outro lado e
tomado conta do Pacífico!”. E eu estou inteiramente de acordo!». Sabe
Vossa Excelência o nome desse Presidente do Brasil? Uma ajuda: não se chamava Luiz Inácio Lula da Silva.
Com as melhores saudações lusófonas,
Renato Epifânio
Presidente do MIL: Movimento Internacional Lusófono
5 comentários:
Muito interessante! E esta carta chegará ao Excelentíssimo Senhor Lula? Espero bem que sim...
De quem é a culpa pelo atraso brasileiro? Por tão grande dificuldade do Brasil chegar lá? Quem causou ou causa os problemas que impediram ou impedem o Brasil de se desenvolver? Os diagnósticos aqui no Brasil são os mais variados, mas muitos deles se baseiam, na minha opinião, em preconceitos e fantasias.
“A culpa é do ex-colonizador”
“O Brasil ainda é muito novo, é um país “adolescente”
“O clima quente do país influencia na baixa produtividade dos habitantes, e o clima frio na alta produtividade”
“A culpa é do imperialismo dos EUA, que não nos deixam em paz”
“A culpa é o Brasil ter herança católica e não protestante”
“A culpa é do ex-colonizador” - Os portugueses deixaram de comandar o Brasil a quase 200 anos atrás. De lá para cá, quem tem comandado? O que foi feito pela nação?
“O Brasil ainda é um Estado muito novo, é um país adolescente, por isso que ainda não conseguiu se desenvolver.” – o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia enquanto Estados independentes são mais novos do que o Brasil.
Ano de independência política e jurídica:
Brasil – 1822
Finlândia – 1917
Noruega – 1905
Islândia – 1944
Israel – 1948
Ainda se tem os exemplos da Coreia do Sul e de Taiwan. O Brasil não ter se desenvolvido por ser país novo, é fantasia, é crendice.
“O clima quente do país influencia na baixa produtividade dos habitantes, e o clima frio na alta produtividade” – Como explicar os fenômenos da Austrália e da Argentina? A Argentina devia ser muito mais desenvolvida do que é, se é o clima que define. E a Austrália, menos desenvolvida.
“A culpa é do imperialismo dos EUA, que não nos deixam em paz” – Praticamente todos os demais países desenvolvidos estão sob a liderança dos EUA. O que os EUA não querem é outra superpotência à altura deles que ameace a sua hegemonia global. Se IDH e Renda per Capta elevada fossem motivos para os EUA agredirem o Brasil, muitos países de primeiro mundo já teriam sido bombardeados pelas Forças Armadas dos EUA. E mesmo querendo, os EUA não conseguiram impedir a ascensão de outras potências mundiais, como a China.
“A culpa é do Brasil ter herança católica, e não protestante” – Se isso fosse verdade, então a França, a Itália, a Áustria, a Bélgica... não seriam países desenvolvidos.
Afinal, de quem é a culpa pelo atraso do Brasil? Só pode ser da própria sociedade civil brasileira, principalmente da elite, que é a classe social que comanda o sistema vigente. Quem tem comandado o Brasil de 1822 para cá? O Brasil infelizmente tem uma elite insegura que quer fingir ser nobreza europeia, ostentando de forma escancarada a sua “superioridade” social, impondo quase que pela força condições humilhantes de vida às classes mais baixas, recusando terminantemente à população ser uma sociedade de ampla classe média, como nos países desenvolvidos. Recusam educação escolar de qualidade à maioria da população, recusam oportunidades de tentar prosperar, são aqueles indivíduos que se beneficiam da atual situação que resistem furiosamente às mudanças necessárias. E a maioria desses indivíduos têm nacionalidade brasileira. E muita gente na classe média e na classe baixa têm mentalidade errada também. Se as pessoas no Brasil não querem mudar de mentalidade, então a culpa é delas mesmas, e não dos portugueses, nem dos americanos e ingleses, nem do pouco tempo de existência do Estado brasileiro, nem do clima e nem da religião.
Muito bem! Excelente carta aberta. Esse Senhor Lula é um triste!
Um abraço,
É lamentável que um ex-Presidente da República recorra a tese já tão batida. E o pior, defenda certo complexo de colonizado que na sua opinião parece imanente à condição de brasileiro: no fundo, ele gostaria que tivessemos sido colonizados pelos espanhois, ou quem sabe por holandeses e/ou ingleses pois assim seríamos protestantes e um pouco "mais velhos" e não "adolescentes".
Mais lamentável ainda, é que ele não perceba que o seu discurso é a outra ponta de um discurso perverso de "uma elite insegura que quer fingir ser nobreza europeia, ostentando de forma escancarada a sua “superioridade” social" - como afirma acima o Sr.João Paulo Barros - e superioridade racial.
Enquanto nós brasileiros não rompermos com esse discurso paternalista e com o espírito de vítimas do colonizador, chaverá quem continue a fazer discursos tão nefastos e incompetentes.
João Paulo
Tenho estudado e analisado muito este tema aqui no Brasil.
Em termos intelectuais de elite a situação é a seguinte.
Vou talvez exagerar, mas a verdade não anda muito longe disto.
Fala-se mal de Portugal se com isso se pensa que se prejudica a Igreja Católica, embora a maior parte das vezes de forma muito subtil e indireta...
Fala-se bem de Portugal e da sua filosofia e história na media em que esta mostra algo de afastamento ou excentricidade em relação à Igreja Católica. Tudo subtil...
A instrumentalização das coisas a favor de uma ideologia ou facção é tão clara e ridícula que chega a ser caricata.
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