Foi editado
em Janeiro deste ano de 2015, pela editora (empresa) D. Quixote (do grupo LeYa)
o livro «O Último Europeu - 2284», de Miguel Real. A sua editora (pessoa) Maria
do Rosário Pedreira, sem dúvida bem-intencionada, talvez pensando que assim
protegia, justificava, «defendia» o autor e amigo, definiu a obra mais recente
daquele como «uma aventura que só aparentemente é ficção científica», o que,
além de ser um entendimento errado, demonstra um preconceito cristalizado que é,
infelizmente, dominante num meio editorial nacional que valoriza as narrativas
realistas conformistas e que despreza as narrativas… «hiper-realistas»,
superiores àquelas, que procuram ir além da banalidade e da mediocridade do
quotidiano.
Leia-se a
sinopse e verifique-se, ou não, se este livro só «aparentemente» é ficção
científica: «Em 2284, a Europa é maioritariamente composta
por Baldios governados por clãs guerreiros que escravizam as populações
esfomeadas; subsiste, porém, um território isolado por um cordão de segurança
com uma sociedade que, por via da ciência e da tecnologia, atingiu um nível
altíssimo de felicidade individual, pois todos os desejos podem ser consumados,
ainda que apenas mentalmente. Nesta Nova Europa, as relações sexuais são livres
e não se destinam à procriação: as crianças, desconhecendo os pais, nascem nos
Criatórios em placentas sintéticas e seguem para Colégios onde, sem a ajuda de
livros, andróides especializados incrementam as suas competências como futuros
Cidadãos Dourados. As famílias reúnem-se por afinidades, ninguém trabalha e nem
sequer existem nomes, para que ninguém se distinga, já que todas as conquistas
se fazem em nome da comunidade. Mas este mundo aparentemente perfeito sofre uma
inesperada ameaça: a Grande Ásia, lutando com graves problemas de demografia,
acaba de invadir a Europa... Um velho Reitor, estudioso do passado, é chamado a
liderar uma equipa que possa refundar algures a Nova Europa e a deixar
testemunho da sua História.»,
Obviamente, trata-se, sem qualquer dúvida, de
uma obra de ficção científica, não só na aparência como também no âmago. E é
mais do que isso: constitui mais um «elemento de prova» da minha «tese» que explanei no meu
artigo «A nostalgia da quimera», publicado no jornal Público em 2011 (e
republicado em 2012, sem o meu conhecimento e sem o meu consentimento, e, pior,
adulterado pelo abjecto «acordo ortográfico de 1990», na revista Letras Com Vida):
a de que o fantástico é – foi, tem sido, continua a ser – o género dominante na
literatura portuguesa. O título daquele meu artigo
é, recorde-se, uma expressão retirada do prefácio que Eça de Queiroz escreveu
para a edição francesa d’«O Mandarim». Onde o «vencido da vida» justificou a
decisão de redigir uma história fantástica que representou uma excepção na
«regra» do seu labor literário que se pretendia naturalista e até mesmo
científico: «já alguns jovens espíritos entre nós haviam compreendido que a
literatura de um país não poderia manter-se para sempre estrangeira ao mundo
real, que trabalhava e sofria à volta dela. (…) Então impusemo-nos bravamente o
dever de não mais olhar o céu… mas a rua. (…) Fazemos esta nobre tarefa não por
uma inclinação natural da inteligência mas por um sentimento de dever
literário… ia quase dizer de dever público. (…) (Mas se o artista português)
não puder por vezes fazer uma escapadela para o azul morrerá bem depressa da
nostalgia da quimera. Eis porque, mesmo depois do naturalismo, escrevemos ainda
contos fantásticos, dos verdadeiros, daqueles onde há fantasmas e onde se
reencontra ao canto das páginas o Diabo, o amigo Diabo, esse delicioso terror
da nossa infância católica. Assim, ao menos durante todo um pequeno volume, não
sentimos mais a incómoda submissão à verdade, a tortura da análise, a
impertinente tirania da realidade. Estamos em plena licença estética.
(…)»
«O Último Europeu – 2284» é a «escapadela para o
azul» de Miguel Real – na capa, com um pico montanhoso escarpado subindo para
um céu limpo daquela cor, tal é literal – depois de muitos anos de «dever
público», de «submissão à (para ele) verdade», de «análise torturada», com
romances e ensaios, sobre épocas, factos e figuras fundamentais da História de
Portugal, distante ou próxima, nomeadamente António Vieira, Matias Aires,
Sebastião José de Carvalho e Melo, o próprio Eça de Queiroz, Amélia de Bragança,
Eduardo Lourenço, em percursos que, partindo do nosso país, passaram pelo
Brasil, por África, pela Índia, pela China… É também um livro que significa a
sua «licença estética», e que, por isso, proporciona(-me) mais um facto para o
meu argumento, para (a demonstração d)a minha teoria. Que, mais de três anos
após a sua publicação, ainda não foi, tanto quanto sei, objecto de qualquer contestação
consistente, pelo que a considero aceite e validada. (Também no Simetria.)
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