1. A
«Ordem de Direito» (ontologicamente
una) e os princípios considerados como seus constitutivos (a Verdade, a
Justiça, a Liberdade, a Segurança e a Paz) exigem, para a sua ulterior
efectividade, positividade, vigência e eficácia, um correlato organizacional e
histórico, ou seja, um Estado, que é
sempre, de algum modo, um «mal necessário» e que, por isso, só pode ser um «Estado de Direito» (Government of Law, État-de-Droit, Rechtsstaat):
um Estado que se funda e legitima na «Ordem
de Direito», como realidade ético-cultural, normativa e
espiritual-objectiva anterior a ele e para além dele que, simultaneamente, o
legitima (melhor: o «valida») e o limita, e na «Comunidade de Direito», bem como nas suas exigências normativas
objectivas, ou inter-subjectivas, pressupondo estas ─ e não, supostamente, um
Direito que apenas se fundasse e decorresse desse Estado (mera «legalidade», ainda que proclamada de «democrática»). Um Estado, pois, que
pré-supõe a «Ordem de Direito» e a
anterior «Ideia de Direito», como
prévias e prioritárias em relação a ele, mas que também constitutiva e
constantemente o transcendem e excedem.
Um Estado que é, portanto, apenas a «parte organizada» (como
«organização», ou como «aparelho») da Comunidade
Global (como Pátria, como Nação e como República) e cujo exercício de poder não é assim mais do que a efectivação do Direito e de fins que lhe são
heterónomos, que o antecedem (lógica
e ontologicamente, embora porventura nem sempre cronologicamente) e que o
transcendem, pois como o disse já PASCAL: «A justiça sem a força é impotente, a
força sem a justiça é tirânica… É preciso, portanto, pôr em comum a justiça e a
força e, para isso, fazer que o que é justo seja forte, e que o que é forte
seja justo».
Isto porque enquanto a «Comunidade
Público-Política» (República + Estado), como comunidade aberta, livre, soberana e de direito, é uma
verdadeira «instituição» política e jurídica comum, o Estado é uma mera «organização» política e jurídica (um
mero «aparelho»), tendo em conta a conhecida distinção sociológica e cultural
entre «instituições» e meras «organizações».
2. Um tal Estado é, no nosso
tempo e, pelo menos, no espaço cultural e civilizacional europeu, um «Estado de Direito Democrático e Social». E
assim, ao contrário daqueles para quem o primado é o da democracia e o da socialidade
e o Direito é mera «legalidade», para
nós, um tal Estado é, por esta ordem: 1º.,
um Estado de Direito; 2º., um Estado Democrático e, 3º., um Estado Social.
Resumir-se-á a ideia de um tal Estado dizendo que ele deve tender a
ser, optimamente, um Estado de Justiça
e um Estado de Liberdade, que são
conceitos e realidades normativos que se completam e pressupõem reciprocamente.
Também se lhe poderá chamar Estado-Garantia:
ver SÉRGIO REBELO, LUÍS CABRAL e JOSÉ GABRIEL QUEIRÓ, na revista «Nova
Cidadania», nº. 33, Ano IX, de Julho-Setembro de 2 007, págs. 13 a 29; e RUI
NUNES, na mesma revista, nº. 37, Ano X, de Outubro-Dezembro de 2 008, pág. 10 e
Etc, na esteira de ANTHONY GIDDENS, que propôs, na sua teoria da «Terceira Via», um «Estado Garante de Direitos».
Hoje em dia, em Portugal, está em crise o Estado Social. Ele não deve prejudicar, nem o Estado de Direito, nem o Estado
Democrático. Ele funda-se num princípio da solidariedade, mas deve, também, estar subordinado a um princípio
de subsidiariedade. Isto é, só deve
haver Estado Social onde a sociedade civil não for apta ou capaz de
fazer face aos problemas sociais e de intervir positivamente para os resolver.
Por isso ele não tem de ser, sempre,
o prestador, em espécie, dos serviços sociais, mas, antes de tudo, o promotor
dessas iniciativas, o garante e o regulador desses problemas e, também, o
financiador e o fiscalizador. Cabe, em 1ª. linha à sociedade civil e às suas instituições e entidades o assumir a
tarefa de prestar, em espécie e em proximidade das populações, os serviços
socialmente necessários, devendo o Estado, em 2ª. linha, intervir quando necessário e criar os serviços e as
instituições adequados para esses fins, podendo, muitas vezes fazê-lo em
colaboração e concertação com as entidades e instituições da sociedade civil apropriadas. Isso é
particularmente notório, quer em relação à Educação
(em que existe, em Portugal, um preconceito negativo em relação às escolas
privadas: o «cheque-ensino» é uma
possibilidade pouco praticada entre nós…), quer em relação à Saúde, em que não tem que haver só um
monopólio do Estado em relação à dita Saúde
Pública, que pode também ser prestada por serviços privados ou de parceria
com o Estado, como serviço universal e tendencialmente gratuito, devendo ser o
Estado o financiador através de «cheques-saúde».
3. E é também, não
necessariamente, um Estado Mínimo
(Cfr. ROBERT NOZICK, Anarchy, State and
Utopia,, 1 974 -1 991), mas um «Estado
Necessário»: com alguma razão definiu HEGEL, no seu tempo, o Estado moderno
como «a necessidade externa» da sociedade
civil. Isto só pode significar que só deve haver Estado aonde ele é na verdade
«necessário»: nem mais, nem menos Estado, apenas o «necessário». O que é outra forma de enunciar o princípio
(cristão) da «subsidiariedade».
Aliás, a máxima cristã «A César o
que é de César…» significa também, em sentido lato, ou numa sua legítima
interpretação extensiva: «Ao Estado o que
é o Estado e… à sociedade civil o que
é da sociedade civil !».
VIRGÍLIO CARVALHO (Dr.).
Sem comentários:
Enviar um comentário