1. A «Natureza Humana Universal»
— conceito equivalente ao de MARTIN HEIDEGGER, em Ser e Tempo (1 927), de uma «Constituição
Ontológico-Fundamental» (como um conceito de ordem relacional interna e de complexidade
integrada e não como um conceito de «coisa-substância») do Ser Humano, como «ser-no-mundo»
e «Ek-sistência» —bem como a situação básica do «estar-em-comunidade», implicam
necessariamente que, a um determinado nível (justamente o «ontológico») todos
os Seres Humanos partilham de uma mesma «Natureza» e são, portanto, «Iguais».
Isto porque, segundo o mesmo
HEIDEGGER, o «ser-com-outros-no-mundo» (ou o «estar em comunidade») é a
condição humana «ontológica» primeira do «ser-aí», isto é, do homem, como «ser-no-mundo»,
sendo o «ser-só» um modo deficiente do «ser-com».
É esta, portanto, uma básica e
estrutural «Igualdade Ontológica» entre todos os Seres Humanos e entre todas as
Pessoas.
É ela que fundamenta, como um
«Fundamento Comum» e uma «Universalidade»:
a) — A Democracia, como (e
parafraseando Abraham Lincoln) o «Governo de todos, por todos e para todos» — e
a correlativa «Igualdade Democrática»;
b) — Uma igualdade em, perante e para o Direito:
Isonomia, Equality before the Law;
c) — Uma igual «Dignidade» e
«Liberdade» sociais;
d) — A Universalidade dos
«Direitos Humanos Fundamentais», tanto como «Direitos Universais de Cidadania»,
quanto como «Direitos de Cidadania Universal» — e, por aí, uma Igualdade de
Estatutos de Cidadania;
e) — E uma, complementar e subsidiária,
«Igualdade Equitativa de Oportunidades», no sentido que lhe confere um JOHN
RAWLS.
2. Todavia, não pode deixar de
ser levada em conta a distinção que o mesmo HEIDEGGER estabelece entre o «Ontológico»
e o «Ôntico».
Assim, este «é o que se refere ao
ente em contraposição com o ontológico que diz respeito ao ser mesmo dos entes»
(…); «A consideração que se mantém ao nível do ente sem atingir o ser em si
mesmo pelo qual os entes são, é ôntica; ao contrário, é ontológica se penetra
no ser mesmo dos entes (…)»; ou: «É ontológico tudo o que diz respeito ao ser
em si mesmo, à natureza ou essência das coisas. (…) Assim, segundo a
terminologia de Sein und Zeit, enquanto a reflexão sobre a ordem dos entes,
quer dizer, sobre a ordem dos dados concretos da experiência, é simplesmente ôntica,
a reflexão sobre o sentido e a verdade do ser é a única que merece ser
classificada de ontológica (…)» — Cfr. «Logos» - Enciclopédia Luso-Brasileira
de Filosofia, Verbo, Volume 3 (1 991), págs. 1 229 e 1232.
3. Ora, a verdade, também, é que
constatamos que a um nível já ôntico, podem subsistir diferenciações e/ou
desigualdades entre os Seres Humanos, as quais implicam que, a este nível e à
luz de um superior e transcendental Princípio de Justiça, a Igualdade deva ser
entendida como uma igualdade relativa e/ou uma proporcionalidade — não como uma
Igualdade Matemática ou Absoluta — pela qual «deve ser tratado igualmente o
igual e desigualmente o desigual».
4. São elas, essas desigualdades,
desigualdades ou diferenciações, quer simplesmente «horizontais», quer já «verticais»
ou «de mérito»:
a) — Assim, a um nível horizontal,
temos toda a gama incomensurável das desigualdades e das diversidades idiossincráticas
entre os inúmeros e variadíssimos indivíduos singulares e concretos — levada ao
extremo das «particularidades pessoais autónomas» de cada um;
b) — E a um nível vertical, temos
as desigualdades e/ou as diferenciações já qualitativas e/ou de Mérito, ou de Valor,
de Excelência, de Qualificação ou de Hierarquia, já que nem todas as pessoas
(nem porventura a mesma pessoa em todos os momentos…) logram atingir, sempre, o
mesmo nível de Excelência Humana, ou de Virtude e de Mérito !
E «verticais», estas últimas
desigualdades e diferenciações, porquanto traduzem, justamente, a superioridade
de certas qualidades e/ou qualificações sobre outras, que lhes são inferiores,
de um ponto de vista qualitativo, ou ético-material, axiológico-cultural e/ou
moral.
Aqui se fundamenta, quanto a nós,
a complementação necessária da «Democracia» pela e com a «Aristocracia» ou «Meritocracia»
— «Aristói»: os melhores, os mais prudentes, os mais virtuosos, os mais justos,
os mais excelentes, etc. — no modo de uma (classicamente entendida) «Constituição
Social e Jurídico-Política Mista»
5. E tiramos daqui duas
conclusões:
a) — A
inviabilidade/ilegitimidade do «igualitarismo» estrito, que faz da igualdade um
ponto de chegada, mas já não um ponto de partida — expresso no slogan: «Todos
diferentes, todos iguais…» e que pretende, portanto, que todas as pessoas têm
as mesmas qualidades e/ou qualificações, bem como que visa, não uma igualdade
de direito, à partida, mas já uma igualdade de resultados, ou de posição
material de facto, quer a nível só humano-social, quer a nível já
económico-material, à chegada.
b) — E que entre a «Igualdade» e
a «Diferença» há uma relação/processo de dialéctica circularidade, por forma a
que — e, por esta ordem:
— O 1º. Momento é partir da
igualdade para a diferença: «Todos iguais, todos diferentes…»;
— E o 2º momento é partir da diferença para a
igualdade: Todos diferentes, todos iguais…».
Se prevalecesse só a 2ª
formulação teríamos uma fórmula estritamente igualitarista: a igualdade seria
só e sempre o único ponto de chegada. Se prevalecesse só a 1ª. formulação
teríamos, porventura, o risco de uma fórmula só dispersiva e fragmentarizante:
a igualdade desapareceria, como meramente residual, no fim.
Assim, há um processo de espiral
dialéctica entre os 2 momentos, por forma a que acaba a igualdade onde começa a
diferença; e, vice-versa, acaba a diferença onde começa a igualdade — sempre em
movimento de espiral contínua.
VIRGÍLIO CARVALHO (Dr.).
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