No início deste ano, no dia 3
de Janeiro, fui recebido na Assembleia da República, na sua Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, enquanto primeiro
subscritor da Petição MIL “CONTRA A PARTIDOCRACIA – EM PROL DE UMA VERDADEIRA
DEMOCRACIA REPRESENTATIVA”, que, no essencial, defende dois princípios: que,
nas Eleições Legislativas, os Deputados possam ser eleitos como independentes
(de forma individual ou em listas não partidárias); que todos os Deputados,
ainda que integrados em listas partidárias, respondam em primeiro lugar aos
Cidadãos que os elegeram e não aos respectivos Partidos, de modo a que jamais
se possa de novo ouvir um Deputado dizer que votou num determinado sentido
apenas por “disciplina partidária”, como, tantas vezes, tem acontecido. Só
assim – como se pode ler ainda no teor da Petição – “com Deputados que
livremente representem aqueles que os elegeram e que não sejam apenas uma caixa
de ressonância dos respectivos Partidos, teremos uma verdadeira Democracia
Representativa”.
Acompanhado pelo Francisco
Mendes, Presidente da Coordenação Nacional do Movimento Mais Democracia, que
defende este mesmo desígnio (e a que também pertenço), gerou-se um muito interessante
diálogo com o Deputado Hugo Soares, Presidente dessa Comissão. Reconhecendo que
o nosso sistema político tem “grandes deficiências”, defendeu este Deputado que
a percepção geral – bem negativa, como reconheceu – por parte da opinião
pública em relação à nossa classe política (em particular, em relação à classe
parlamentar) é “injusta”. Pela minha parte, admiti sem qualquer reserva que
alguns deputados se pudessem sentir genuinamente injustiçados com essa
percepção geral. Mas – acrescentei – essa percepção é, dia após dia, cada vez
maior. A ponto de – como antecipei – o fosso entre a nossa classe política e a
sociedade civil poder pôr em causa, a muito breve prazo, o nosso sistema
democrático, tal como o conhecemos.
Vem isto a propósito do
terramoto político ocorrido em Itália nas últimas eleições, dado, em
particular, o resultado de “Beppe Glillo, líder do 5 Estrelas, o recém-criado
movimento de cidadãos que venceu em oito regiões e obteve mais de 20 % dos
votos” (cf. PÚBLICO). Desenganem-se, desde já, aqueles que consideram que esta
foi apenas mais uma excentricidade da península itálica. Decerto, há factores
endógenos a ter em conta. Mas esse resultado não foi um acaso e exprime um
sentimento geral que se vive, cada vez mais, em toda a Europa, em particular na
nossa península ibérica. Comecemos por Espanha: como cada vez mais sondagens o
indicam, a maior parte da população espanhola já não se reconhece no partido do
poder (PP) nem no maior partido da oposição (PSOE). Em Portugal, a situação não
é muito diferente: se a grande maioria já não se reconhece no Governo que
temos, também não tem a menor esperança num novo Governo do PS. E isso não irá
mudar. Pelo contrário: irá agravar-se. Por uma série crescente de razões (nem
todas boas, reconheçamo-lo), se houvesse um Movimento 5 Estrelas por cá, este
também ganharia.
Os defensores do status quo, claro está, insistem em
iludir a gravidade da situação, antecipando mesmo que esse resultado em Itália
será em breve reversível. Não. Desta vez não bastará mudar alguma coisa para
ficar tudo na mesma. É certo que o comportamento dos deputados eleitos pelo
Movimento 5 Estrelas será, em parte, imprevisível, podendo gerar algumas situações
de impasse. Mas, acredito nisso, o resultado final será bem mais favorável. Em
Portugal, por exemplo, qualquer cidadão comum votaria algumas propostas de
todos os partidos, porque todos eles têm algumas propostas razoáveis. Mas o que
se passa não é isso: os deputados, por regra, votam consoante a proveniência
das propostas e não pelo mérito intrínseco das mesmas. Tem, de resto, já havido
casos em que um partido vota em bloco contra uma proposta de um outro partido
apenas por ser de outro partido, para logo de seguida apresentar uma proposta
similar. Ou seja, bloqueados estão neste momento os Parlamentos por esse
sectarismo partidocrático. Defender, por isso, que a eleição de Deputados
Independentes irá bloquear os Parlamentos é ver o mundo ao contrário.
Sou o primeiro a reconhecer
que a representação parlamentar exclusivamente partidária teve, no passado,
algumas vantagens. A seguir à Revolução de 1974, por exemplo, ela permitiu
alguma racionalidade nessa representação – ou, pelo menos, alguma
previsibilidade e, por via disso, a estabilidade necessária para a consolidação
do nosso regime democrático. Mas, actualmente, essa situação tem, de longe,
mais desvantagens. Tal como existem, os partidos fazem mais parte do problema
do que da solução. E nem será preciso aqui referir algum exemplo da corrupção
que grassa, cada vez mais, nos Partidos (sobretudo do Poder): ou alguém
acredita que o que acontece no PP Espanhol é caso único? Podemos aqui
estabelecer um paralelo com a Maçonaria: no passado, não tenho dúvidas que
muitas das pessoas que nela ingressaram tinham as melhores motivações. Mas
hoje: alguém acredita mesmo nisso? Decerto, haverá sempre em todos os lugares
pessoas genuinamente honestas. Mas, nos Partidos (sobretudo do Poder) têm, pelo
menos, para preservar essa honestidade, de fechar os olhos ao que se passa à
sua volta.
Por tudo isso, reiteramos
aquilo que dissemos nessa tarde no dia 3 de Janeiro na Assembleia da República,
não adivinhando que o que se passou em Itália nos viesse a dar razão tão
depressa: Temos consciência que esta medida (a das Candidaturas Independentes
ao Parlamento), por si só, não é uma panaceia para o nosso regime político –
reconhecemos até o seu potencial risco. Ser independente, por si só, não é
garantia de nada e pode até ser a melhor máscara para a maior demagogia. Mas,
atendendo ao estado a que chegámos, parece-nos ser, esta, uma via – diríamos
até: a única via – para a regeneração da nossa representação parlamentar. Mesmo
sabendo, como sabemos, que os Partidos não são todos iguais – e o mesmo se diga
dos Deputados que temos tido –, é insofismável que cada vez mais pessoas em
Portugal não se sentem devidamente representadas no Parlamento. Se assim é, das
duas, uma: ou os Partidos abdicam do monopólio que têm na representação
parlamentar e permitem que o eleitorado tenha um papel mais determinante na
escolha dos Deputados ou este regime cairá, fatalmente, de podre. A
continuarmos assim, o número dos que se abstêm ou que votam em branco será cada
vez maior. Um dia destes, o número de votos nos Partidos será tão residual que
já ninguém continuará a falar em Democracia.
Não há modelos políticos
perfeitos – todos os modelos políticos têm prós e contras. Por isso, o factor
último de decisão deve ser sempre o da adequação à circunstância. No passado,
este modelo de monopólio partidário na representação parlamentar teve, decerto,
virtudes – desde logo, o de potenciar uma maior racionalidade nessa mesma
representação parlamentar. Na presente circunstância, porém, este modelo de
monopólio partidário na representação parlamentar tem, para a opinião pública,
sobretudo defeitos. Não vale a pena aqui citar estudos de opinião – todos
sabemos que isso é verdade. Daí falar-se cada vez mais de Partidocracia e cada
vez menos de Democracia. Esperamos, pois, que nos oiçam – e em tempo útil. O
MIL, defendendo o reforço dos laços entre os países e regiões do espaço
lusófono – não só no plano cultural, mas também social, económico e político –,
pugna, ao mesmo tempo, em Portugal e nos restantes países e regiões do espaço
lusófono, pela “regeneração da Democracia” e pela “reforma do Estado segundo
modelos que fomentem a ampla participação política da sociedade civil”. Por
isso, aqui estamos – dando voz, através desta Petição, a toda essa sociedade
civil que, em Portugal, não se sente devidamente representada no Parlamento.
Renato Epifânio
Presidente
do MIL: Movimento internacional Lusófono
6 comentários:
A melhor solução, possivelmente, não é a inexistência de partidos políticos, mas sim a existência de outros, a substituição dos actuais, «velhos», por novos. Que se orientem por diferentes critérios e que tenham referências alternativas.
A crise que vive a UE e o US é uma crise capitalista, uma crise neo-liberal para ser mais exato, o capital está se deslocando para o BRICs.
Samuel Costa
Fui também um dos muitos subscritores desta Petição do MIL.
Irei tentar explanar a minha concordância com estas ideias defendidas por Renato Epifânio. Não há dúvida que é urgente e necessário refundar as democracias. Os cidadãos já não acreditam em tecnocratas que nos retiram a Esperança e que não nos concedem um caminho e uma estratégia pragmática para enfrentarmos os atuais desafios da complexidade global.
Importa construir um outro paradigma de valores que faça acreditar os cidadãos na classe dirigente, nos políticos e nos deputados. Deputados de consciências independentes é, sem dúvida, um bom caminho e nesta medida a revalorização das Humanidades poderá ser uma via importante para a compreensão da complexidade global das realidades civilizacionais em que nos enquadramos - já o disse com muita lucidez o Professor Adriano Moreira.
Na realidade, a independência dos deputados permitir-nos-à fugir do totalitarismo da ideologia única da tecnocracia, que foi refutada no caso das eleições italianas, possibilitando a Portugal e à Europa repensar-se. É, pois, fundamental reforçar os mecanismos de cidadania para valorizar as democracias com auxílio dos estudiosos das Humanidades para se voltar a pensar o quadro complexo da Globalização em que vivemos sem perdermos os necessários referenciais da nossas identidades coletivas (portuguesa, lusófona e europeia).
Cordialmente, Nuno Sotto Mayor Ferrão (membro do MIL)
Penso que o ruir da partitocracia não é só isso, para mim é um sintoma mais do ruir dum mundo, o sistema capitalista produção tal e como o conhecemos. Estamos ante o parto duma nova era, e ser consciente disso poder fazer que ela seja dum jeito ou outro.
As propostas do texto são para mim um jeito mais de irmos as apalpadelas (o normal quando ainda estamos cegos no útero) tentando desenhar as novas formas que vierem.
alexandre banhos
Vou comentar sobre "democracia representativa e democracia participativa" a nível internacional.
Basicamente em todos os países democráticos, são dois partidos que polarizam a política. A democracia representativa surgiu no século dezoito com a independência dos EUA e a revolução francesa. A primeira foi um "basta" aos abusos do rei britânico e a segunda aos abusos do rei francês. Também contra os abusos da nobreza e do clero. Muitas foram as conquistas que a democracia representativa trouxe para os cidadãos comuns, é inegável. Mas o que as pessoas têm que entender no mundo inteiro é que no século vinte e um existem tecnologias de comunicação e transferência de dados que até os anos 80 do século vinte não existiam, ou ao menos não eram acessíveis. Talvez a nível nacional, os deputados ainda sejam necessários por um tempo, mas a nível municipal, principalmente das freguesias no caso de Portugal por exemplo, o povo pode muito bem legislar diretamente através de referendo, não há necessidades de representantes eleitos. Mas mesmo a nível nacional, A Assembeia da República não precisa deter todo o poder de legislar sobre tudo. Há muitos assuntos que o povo já pode decidir através de referendo. Se vocês deixam tudo na mão de representantes eleitos, eles vão permanecer legislando em causa própria, vão pôr os seus próprios interesses acima dos interesses da nação. A população tem que dar um "basta" aos abusos dos políticos.
Não há necessidade de armas, de violência, de revoltas agressivas, pois o Gandhi conseguiu a independência indiana sem agredir um só soldado britânico. O povo requisita as mudanças, se os deputados não atenderem a vontade popular, recorram a desobediência civil pacífica até que eles cedam.
Eu citei Portugal como exemplo mas, no Brasil é mais urgente ainda, por ser muito mais, e é válido ao mundo inteiro. Os habitantes têm que aprender a tomar as rédeas, a ser responsáveis por seus países, por suas vidas, parar de delegar a terceiros as soluções dos seus problemas.
A democracia, assim como, foi o socialismo de orientação soviética estão arcaicos, há necessidade de novos iluminatis. Alguém poderá sustentar que o poder emana do povo ? Na verdade, quem ganha eleições é quem tem mais poder economico. No Brasil, há especialistas que dizem que para eleger um deputado precisa de tanto milhões, que para fazer um governador mais outros tantos e assim por diante.
Portanto, há necessidade de grandes reformas na forma de eleição, para que haja mais pureza e representação popular. Os politicos são eleitos e ninguém consegue mais falar com eles onde está a representatividade popular? no lixo.
Portanto, todas as idéias que venham fazer com que os deputados se aproximem dos cidadãos é lógico que, votarei sempre favoravelmente.
VITORINO MORGADO
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