Artigo da minha autoria publicado na edição de 27 de Dezembro de 2010 (Nº 7570) do jornal Público.
Há um ano um nome aparecia em destaque nos noticiários de todo o Mundo: Aminatu Haidar. Esta activista política saarauí terminava, em Dezembro de 2009, um mês em greve de fome como protesto contra a sua detenção e posterior expulsão (para as ilhas Canárias, em Espanha) efectuadas, um mês antes, pelas autoridades de Marrocos por alegadamente ela (continuar a) recusar reconhecer a soberania daquele país sobre o território do Saara Ocidental, de onde ela é natural e cuja auto-determinação e independência ela apoia – uma causa pela qual se manifesta há mais de duas décadas e que já lhe valeu, de certeza, vários anos de prisão e, quase de certeza, maus-tratos e torturas.
Este ano, Aminatu Haidar voltou a estar em destaque nos noticiários… de Portugal: em Novembro último visitou o nosso país, tendo recebido no dia 9 daquele mês a Medalha da Universidade de Coimbra «em reconhecimento pela sua postura e actuação cívicas em defesa dos direitos humanos no Saara Ocidental.» Na véspera aquele território voltara a estar momentaneamente sob a atenção da comunicação social internacional devido a uma acção armada marroquina que interveio e desmantelou (n)um acampamento saarauí em Gdeim Izik, perto de El Aaiun, a capital do Saara Ocidental, de que resultaram mortos, feridos e detidos. Neste contexto, Haidar, homenageada também em Lisboa pela Ordem dos Advogados a 10 de Novembro, criticou o comportamento do Governo português por não responder aos seus pedidos de realização de reuniões, e lembrou – sem dúvida para suscitar comparações (inevitavelmente) desfavoráveis entre atitudes do passado e do presente – o papel desempenhado pelo nosso país no processo de auto-determinação e independência de Timor-Leste.
Essas comparações são inteiramente justificadas. Quem se indignou com o que aconteceu em Dili em 1991 não pode deixar de se indignar com o que aconteceu este ano em El Aaiun. Do mesmo modo, quem condenou a violência perpetrada em Llasa em 2008 não pode deixar de condenar a violência perpetrada este ano na capital do Saara Ocidental. Ou seja, quem defende(u) as independências de Timor e do Tibete tem, em consciência, de defender também a independência daquele território do Oeste de África.
Porém, seria injusto colocar, enquanto regime repressor, o Marrocos de Maomé VI ao mesmo (baixíssimo) nível da Indonésia de Haji Suharto e da China de(sde) Mao-Tse-Tung. E há possivelmente um facto(r) muito importante, mas ignorado, que pode explicar (mas não desculpar) em parte, ou na totalidade, o comportamento das autoridades de Rabat na antiga colónia espanhola: o de duas cidades marroquinas, Ceuta e Melilha, continuarem, há quase cinco séculos, sob ocupação colonial de Madrid. No entanto, talvez os nossos vizinhos estivessem disponíveis e dispostos a devolver a soberania sobre aqueles dois enclaves… se soubessem que iriam reaver Gibraltar ao Reino Unido. Este tem Portugal como seu mais antigo aliado na Europa, e que por sua vez tem também um território seu ocupado ilegalmente pela Espanha, e há 200 anos: Olivença.
Há, pois, países e povos que insistem em marcar território(s) como seu(s), embora (já) não tenham legitimidade para tal. E a ocupação efectiva, mesmo que por muito tempo, não é – nunca é – um sinónimo de irreversibilidade: afinal, não foram Hong-Kong e Macau devolvidas à China no final do século passado? Pelo que não seria igualmente desajustado que a Grécia reivindicasse os territórios correspondentes à ex-república jugoslava da Macedónia e à parte leste (do «lado de cá» do Bósforo) da actual Istambul, antiga Constantinopla e Bizâncio.
Tudo isto para concluir que a geopolítica internacional… e intemporal pode fazer-se de ligações e de implicações insuspeitadas. E que uma mulher pode carregar consigo, na sua luta por uma causa que considera justa, e talvez sem o saber, o peso de disputas perenes entre nações.
1 comentário:
muito interessante como as histórias têm várias interpretações... esta senhora está a ser financiada por grupos argelinos que por muitos interesses querem chegar ao atlantico ... a argélia é uma invenção dos franceses enquanto colonizador e para mais uem gosta de história pode confirmar . lamentavel que esta senhora seja a vitima nesta história pq tem feito papel de marioneta . sejamos sensatos e inteligentes para conseguirmos ser imparciais e justos!! antes de falarmos sobre qualquer assunto é sempre bom estarmos informados e aconselho a todos que vejam tudo na vida nas duas versões possiveis ...
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