Manuel Cândido Pinto de Oliveira nasceu no Porto, a 11 de Dezembro de 1908, no seio de uma família da burguesia industrial nortenha que possuía fábricas em diversos sectores: têxtil, das lâmpadas eléctricas e da produção hidroeléctrica. É, na actualidade, o mais velho cineasta do mundo, tendo celebrado o seu centésimo segundo aniversário no final do ano que passou (2010). Aos 19 anos começou a trabalhar, auxiliando o pai, na indústria e na gestão agrícola de propriedades rurais. Ao mesmo tempo, cultivou uma vida boémia e de enriquecimento cultural frequentando tertúlias literárias. Nos primeiros anos de vida alcançou alguma notoriedade pública como um infatigável desportista, cultivando diversas modalidades como a ginástica, a natação, o remo, o atletismo e o automobilismo, tendo sido campeão de salto à vara e ganho uma corrida de automóveis.
Foi um prolífero cineasta que se dedicou à criação de documentários etnográficos e de filmes poéticos que geraram celeuma pública e reconhecimento da crítica internacional. Estes filmes poéticos, de rara beleza, que constituem o cerne do seu estilo cinematográfico caracterizam-se pelos longos diálogos em prejuízo da acção dos personagens, mas são reveladores de cenários históricos ou sociais onde perpassam íntimas subjectividades. Com efeito, a mensagem poética dos seus filmes valorizadora dos diálogos teatrais, repare-se na cena aqui reproduzida do filme “Non ou a vã glória de mandar” (1990), em ritmo lento constituem ecos ressonantes que se instalam no Espírito do espectador mais atento.
Efectivamente, houve três factores biográficos que marcaram este seu cunho cinematográfico. Em primeiro lugar, os filmes que o pai o levou a ver de Charles Claplin e de Max Linder. Em segundo lugar, a sua convivência com escritores como José Régio e Agustina Bessa-Luís e a leitura das Cartas de São Paulo, talvez por ter passado por um colégio de Jesuítas na Galiza, que se repercutiu na sua mentalidade fortemente espiritual. Em terceiro lugar, a sua formação artística inicial, nos anos 20, onde frequentou uma escola de actores, fundada pelo cineasta italiano Rino Lupo na cidade do Porto, e a sua participação em 1933 no filme sonoro português intitulado “A Canção de Lisboa” do cineasta e arquitecto Cottinelli Telmo.
Afigura-se-nos que devido ao retrato antropológico, demasiado próximo das correntes do Neo-Realismo, imprimido à sociedade portuguesa no seu clássico filme Aniki-Bobó (1942) e nos seus documentários etnográficos, por exemplo no filme “Douro, Faina Fluvial” (1931), foi preterido pelo regime do Estado Novo que mediante o Fundo do Cinema não lhe reconheceu talento no quadro dos pressupostos ideológicos Salazaristas, dando antes preferência ao estilo da comédia popular que entretinha a população portuguesa. Em 1962 quando rodava o filme “O Acto da Primavera” foi detido pela PIDE, durante alguns dias, devido a alguns diálogos da película que geraram inquietação nos agentes do regime.
A sua carreira cinematográfica só ganhou um ritmo alucinante, em contraposição ao ritmo das suas películas, com a sua consagração internacional, a partir dos anos 60, com os reconhecimentos da crítica cinematográfica, francesa e italiana, e com o desabrochar do regime de liberdades instaurado com a Revolução do 25 de Abril de 1974 que lhe permitiu a liberdade criativa para produzir uma obra que é parte integrante do Património Cultural definidor da identidade portuguesa. Assim, durante o regime do Estado Novo realizou apenas 3 longas-metragens e com o regime democrático fez vinte e sete longas-metragens. O reconhecimento internacional adveio dos Prémios de alguns Festivais de Cinema que tem recebido e dos mediáticos actores estrangeiros que colaboraram em alguns dos seus filmes (Catherine Deneuve, Marcello Mastroianni, John Malkovich, Lima Duarte, etc).
É indeclinável que alguns actores portugueses amadureceram nos seus filmes (Luís Miguel Cintra, Leonor Silveira, Diogo Dória, Rogério Samora, etc.). Manoel de Oliveira acabou de realizar a sua última curta-metragem, no final de 2010, com uma homenagem à Cultura Portuguesa intitulada “Painéis de São Vicente de Fora, Visão Poética”. O seu reconhecido papel como criador cultural fê-lo liderar um grupo de personalidades ligadas à Cultura Portuguesa que receberam o Papa Bento XVI em Lisboa no Centro Cultural de Belém. Com estes gestos simbólicos, de plena lucidez, quis-nos transmitir a noção de que a sua obra está recheada de um Humanismo Universalista que pode e deve fazer irradiar o espírito lusófono de abertura ao mundo.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
Publicado originalmente com documentos complementares em: Crónicas do Professor Ferrão
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